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Panorama do Direito Ambiental na jurisprudência em 2016 (parte 2) 2he4f

28 de janeiro de 2017, 7h00 p4f5t

Por Talden Farias

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No que diz respeito ao Congresso Nacional, o ano foi marcado por tentativas de flexibilização da legislação ambiental. A PEC 65/2012 (Senado) visava fazer com que a mera aprovação do EIA/Rima fosse suficiente, de forma a dispensar a concessão das licenças ambientais, ao o que o Projeto de Lei 654/2015 (Senado) procurava simplificar o licenciamento das obras estratégicas para o governo federal, estabelecendo um prazo máximo de oito meses e suprimindo etapas, também enfraquecendo o licenciamento ambiental. Também se procurou aprovar o Projeto de Lei 3.729/04 (Câmara dos Deputados), dispondo sobre a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que, entre outras coisas, traria as seguintes novidades: aumento do prazo de validade das licenças, dispensa do EIA/Rima, maior autonomia dos estados e municípios para simplificar procedimentos, redução dos prazos de análise e supressão de algumas etapas de licenciamento. Nos estados e municípios também houve iniciativas para estabelecer a dispensa do mecanismo em determinadas situações, sempre sob o pretexto de estímulo à atividade econômica. Impende dizer que o esforço para diminuir ou evitar a burocracia desnecessária é sempre louvável, desde que o controle ambiental não saia prejudicado, posto que, segundo a lei fundamental, trata-se de algo essencial à manutenção da sadia qualidade de vida[1].

Gerou polêmica a Medida Provisória 756/2016, editada pelo presidente Temer, a qual excluiu 305 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxin, que aram a compor a recém-criada Área de Proteção Ambiental do Jamanxin, o que reduziu o nível de proteção ambiental, viabilizando a permanência dos posseiros ali presentes. Afora o questionamento sobre a ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência[2], ficou patente o desrespeito ao inciso III do parágrafo 1º do artigo 225 da Carta Magna, segundo o qual somente lei pode suprimir espaços territoriais ecologicamente protegidos[3]. Isso pode servir de precedente para que estados e municípios diminuam ou até extingam tais áreas, conquanto a polêmica somente deva ser dirimida no Supremo Tribunal Federal. De qualquer maneira, já há decisões sobre a matéria tanto no âmbito dessa corte quanto do Superior Tribunal de Justiça[4].

O Poder Executivo federal ratificou o Acordo de Paris, após a aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, o qual dispõe sobre a redução na emissão dos gases causadores do efeito estufa. Tendo sido aprovado pelos representantes dos 197 países que participaram dessa Conferência do Clima (COP 21), é preciso agora que pelo menos 55 países, que somem no total 55% das emissões totais, finalizem o processo de ratificação para que o documento entre realmente em vigor. O intuito é, tomando os níveis de 2005 como referência, diminuir a contribuição brasileira para o fenômeno em 37% até 2025 e em 43% até 2030, uma vez que o objetivo geral da negociação é manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima do padrão pré-industrial, tentando inclusive limitá-lo a 1,5°C. Cuida-se de uma iniciativa relevantíssima, dado que o fenômeno das mudanças climáticas é o maior desafio ambiental planetário. O desânimo talvez venha dos Estados Unidos, pois o presidente Donald Trump simplesmente nega a existência do problema e, por isso, pode trabalhar para boicotar tais medidas, o que tem preocupado os cientistas e a comunidade internacional.

Em relação às políticas públicas ambientais já estabelecidas em lei, foi um ano de poucos avanços. A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) não ganhou corpo, uma vez que os seus instrumentos, a exemplo da outorga e da cobrança pelo uso da água bruta, têm sido costumeiramente pouco e mal aplicados[5]. O pior é que a crise hídrica se agravou em praticamente todas as regiões do país, fazendo com que o racionamento se tornasse uma realidade cotidiana inclusive naqueles lugares antes considerados de abundância. O fim dos lixões previsto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), entre outros objetivos e instrumentos previstos, a exemplo da coleta seletiva e dos planos de resíduos sólidos, também avançou muito pouco. O saneamento básico, tratado na lei citada e na Lei 11.445/2007, ainda é artigo de luxo nas cidades brasileiras. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei 9.985/2000) não deixou de conviver com os problemas de sempre, como a ausência de estrutura, as distorções da compensação ambiental[6] (não cobrança, cobrança a menor ou desvio na aplicação) e a falta de regularização fundiária que resulta nos chamados “parques de papel”. A própria Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) não conseguiu superar o descomo existente, dado que a integração entre os entes federativos ainda é incipiente.

A Lei Complementar 140/2011, que regulamentou o parágrafo único do artigo 23 da Lei Fundamental na tentativa de pôr fim aos intermináveis conflitos de competência istrativa entre os três níveis federativos, não vem logrando o êxito desejado. A prevalência da autuação do órgão licenciador no âmbito istrativo[7], por exemplo, não tem sido observada pelo Poder Judiciário, que de maneira geral tem julgado com o mesmo entendimento de antes — quando, na verdade, a nova lei dispõe de maneira totalmente diferente sobre a questão. Além de desprestigiar o legislador, essa postura contribui para a disputa fiscal ambiental entre os entes, sem verdadeiramente ajudar na defesa do meio ambiente. A participação dos chamados órgãos intervenientes no licenciamento ambiental, a exemplo da Funai, do ICMBio, do Iphan etc., precisa ser devidamente disciplinada, notadamente no que diz respeito à forma e ao momento[8]. É que, muitas vezes, tais instituições se manifestam de forma tardia, quando tiveram a oportunidade de fazê-lo antes, sem que houvesse o surgimento de qualquer fato novo capaz de justificar isso, o que gera insegurança jurídica. Nesse sentido, um decreto regulamentador seria interessante. Por outro lado, também a ADI 4.757, proposta pela Asibama em 2012, que tem por objetivo declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar 140/2011, também não avançou sob a relatoria da ministra Rosa Weber. Parece que o único avanço significativo foi a consolidação do licenciamento em um único nível de competência, o que está previsto no caput do artigo 13, e o que, de qualquer forma, não acontecia com tanta frequência.

O caso Samarco consistiu no rompimento da barragem de rejeitos da mineração, derramando 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica que correram o rio Doce até o mar ando pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o que causou o maior desastre ambiental da história do Brasil. Apesar de ocorrido em 2015, em 2016 repercutiu muito a denúncia criminal apresentada pelo Ministério Público Federal contra as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR e mais 22 pessoas físicas, a maior parte sendo acusada de homicídio qualificado com dolo eventual, quando se assume o risco de matar. As sucessivas dilações de prazo que o Poder Judiciário concedeu à empresa para fazer o depósito da caução acertada em acordo também merecem relevo, assim como a substituição dos promotores de Justiça que estava à frente do caso, a exemplo de Carlos Eduardo Ferreira Pinto e Marcos Paulo de Souza Mirando, que vinham desenvolvendo um ótimo trabalho no âmbito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Com efeito, parece que o Brasil não está preparado para lidar com danos ambientais de grande monta, nem para prevenir nem para reparar.

O julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937, que questionam o Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), também não ocorreram. Há que se lembrar da audiência pública promovida a pedido do ministro Luiz Fux, relator dos processos, ocasião em que a comunidade científica e a sociedade civil podem se manifestar. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não se consolidou, e o seu prazo foi prorrogado. A propósito, o ano de 2016 foi marcado pela explosão do desmatamento, notadamente na região amazônica[9], colocando em risco as metas que o Brasil assumiu internacionalmente.


[1] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (…).
[2] Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (…).
[3] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (…).
[4] STF. 1ª Turma. Ag.Reg. No recurso extraordinário 519.778 rio grande do norte. Relator: Min. Luís Roberto Barroso. Julgamento: 24.6.2014. (…) 15. A Constituição, portanto, permite a alteração e até mesmo a supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, desde que por meio de lei formal, ainda que a referida proteção tenha sido conferida por ato infralegal. Trata-se de um mecanismo de reforço institucional da proteção ao meio ambiente, já que retira da discricionariedade do poder executivo a redução dos espaços ambientalmente protegidos, exigindo-se para tanto deliberação parlamentar, sujeita a maior controle social./ 16. Tal arranjo se justifica em face da absoluta relevância do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A dicção constitucional, que o considera um ‘bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’ (art. 225, caput), reforça o entendimento doutrinário de que se trata de um direito fundamental, vinculado a um dever de solidariedade de amplitude inclusive intergeracional, como já assentado pela jurisprudência deste tribunal.
STJ. Processo: RESp. 200801460435. RESp. – Recurso Especial – 1071741. Relator: Herman Benjamin. Órgão julgador: 2ª Turma. Fonte:  DJE data:16/12/2010. Ementa: AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DEJACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITODE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO (…) NA SUA MISSÃO DE PROTEGER O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES, COMO PATRONO QUE É DA PRESERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DOS PROCESSOS ECOLÓGICOS ESSENCIAIS, INCUMBE AO ESTADO DEFINIR, EM TODAS AS UNIDADES DA FEDERAÇÃO, ESPAÇOS TERRITORIAIS E SEUS COMPONENTES A SEREM ESPECIALMENTE PROTEGIDOS, SENDO A ALTERAÇÃO E A SUPRESSÃO PERMITIDAS SOMENTE ATRAVÉS DE LEI, VEDADA QUALQUER UTILIZAÇÃO QUE COMPROMETA A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS QUE JUSTIFIQUEM SUA PROTEÇÃO (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 225, § 1º, III).
[5] 5º. São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I – os Planos de Recursos Hídricos; II – o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III – a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; IV – a cobrança pelo uso de recursos hídricos; V – a compensação a municípios; VI – o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
[6] Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. § 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. § 2º. Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação. § 3º. Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua istração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.
[7] Art. 17.  Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo istrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. § 1º. Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia. § 2º. Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis. § 3º. O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
[8] Art. 13.  Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar. § 1º. Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.
[9] Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon, foram desmatados 972 quilômetros quadrados da Floresta Amazônica em junho de 2016, o que corresponde a um aumento de quase 100% em comparação com o mesmo período do ano anterior.