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Fabio Silva Alves: Quem vai contribuir para abastecer o Amanhã? 4060i

25 de março de 2022, 21h04 5v6t44

Por Fabio Silva Alves

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Estava concentrado na estrada e nos meus pensamentos. De repente, ao avistar no horizonte a bela vogal amarela de contornos azuis, percebi que o marcador de combustíveis indicava perigosa proximidade do fim. E isso, ao mesmo tempo para todas as fontes que meu híbrido veículo comportava. Situação peculiar, pois, naquele 2032, a autonomia muito se desenvolvera, após as revoluções energética e tributária de cerca de 10 anos antes. Assim, diante de tantos "sinais" concomitantes, não tive dúvidas: retirei o automóvel do automático e fiz questão eu mesmo de conduzi-lo até a completa estação de serviços à minha frente.

Alguns metros antes da entrada, o computador de bordo já indicava os combustíveis disponíveis. Na estação, poderia optar entre gasolina, etanol e energia elétrica, todos compatíveis com o meu veículo. Aliás, essa escolha era alinhada com aqueles tempos. Isso porque, com a transição energética em curso, seguia fundamental contar com a tecnologia desenvolvida e confiável dos derivados de petróleo, mas já tendo em vista uma nova realidade cada vez mais próxima de fontes integralmente renováveis (inclusive, até mesmo de veículos solares eu já vinha ouvindo falar…).

Enquanto aproveitava o nostálgico momento de leve giro de braços para efetivação da curva de entrada na estação, já contava no meu com todas as informações sobre preços. E não apenas isso: além dos valores a pagar em si, me era dado conhecimento da carga tributária presente em cada litro de combustível, bem como as quantias estimadas a serem readas à União, Estado e Município. Evidente que todas essas cifras eram também expostas em grande na entrada da estação. Porém, a praticidade de poder consultá-las no conforto do meu veículo, ou de qualquer um dos meus aparelhos individuais de informação, eram formas adicionais de me informar quanto minha compra representaria de recursos públicos. E, sobretudo, se aquela específica estação estava de fato integrada à rede nacional de pagamento de tributos. Ou seja, cidadania fiscal ao alcance dos olhos.

Aliás, definitivamente tomado por um sentimento misto de orgulho e saudade, enquanto me preparava para estacionar e aguardar pela amiga frentista — sim, ela segue! —, me lembrei do trabalho da década anterior. Afinal, sem ele, essa agora usual realidade de simplicidade, racionalidade e transparência na tributação de combustíveis nunca teria sido possível. Fora naquela época, por volta do triste período da pandemia de Covid-19, que enfim avançaram projetos de lei e demais atos normativos que possibilitaram a revolução tributária havia tanto esperada.

Para começar, a Lei Complementar nº 192 do ano de 2022 havia trazido ao até então complexo sistema de tributação de combustíveis um conjunto de três medidas cruciais àquela realidade que, novamente, eu experimentaria no meu novo abastecimento: incidência monofásica e alíquotas específicas e uniformes, em todo o território nacional, ainda que diferenciadas por produtos. Tudo isso, aplicável no à época vigente Imposto sobre operações de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Sem essas regras, o "saudoso" imposto estadual — agora substituído por um moderno Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido em conjunto por todos os entes da Federação — teria seguido seu opaco e obscuro caminho, escondendo no custo dos produtos cargas tributárias reais extremamente mais elevadas do que as que eram apresentadas formalmente à sociedade.

Aqui, bem me recordo: não havia como ser diferente. Toda aquela obscuridade era resultado de "incidências por dentro", "acúmulos de créditos", "cumulatividades", "regimes especiais", "créditos presumidos" e por aí ia. No fim, quem pagava a conta eram as empresas sérias, que não tinham seus créditos tributários de fato devolvidos pelos Estados, e os consumidores, que não tinham conhecimento real de como e de quanto pagavam de imposto em cada litro de combustível.

Ah… E os pensamentos iam cada vez mais fundo… Após pedir à gentil frentista que me atendia para completar "os tanques" dos três combustíveis, me veio à mente o quanto aquela revolução tributária da década anterior contribuíra para a manutenção e a criação de empregos regulares como o da simpática moça. Sim, porque com a simplificação e a racionalização do sistema, os Estados recebiam de imediato precisamente o que lhes era cabível — repito: eu conseguia ver no com quanto estava contribuindo para o bem comum! — e as empresas, como aquela estação, não mais acumulavam indefinidamente créditos tributários, que tanta ineficiência financeira e econômica traziam aos seus negócios.

A consequência era óbvia, previsível e evidente: segurança jurídica para todos. De um lado, Estados recebiam exclusivamente o que faziam jus, evitando questionamentos por parte de contribuintes e até redução de atividade produtiva (claro, pois, não raro, ineficiências fiscais levavam a perdas logísticas e operacionais e, com isso, a desinvestimentos). De outro, empresários sérios aram a poder dispor imediatamente de recursos que, muitas vezes, demoravam anos para lhes serem devolvidos (quando eram…). Com isso, tiveram potencializado o seu direito constitucional de fomento de atividades econômicas, gerando riquezas e, sobretudo, possibilitando que cada vez mais jovens (inclusive dos meus mais de 50 anos!) pudessem exercer trabalho digno e formalmente regular. Em resumo: vitória da sociedade.

Melhor, pois aqui vale até uma exclamação: e que vitória! Ao mesmo tempo em que observava os indicadores de abastecimento preencherem o do meu automóvel, vinha à mente agora a lembrança da quase extinção da tenebrosa guerra fiscal ("quase", pois, na vida, sempre há algo a aperfeiçoar). Sim, pois com as mudanças de 2022/23, nas operações com combustíveis não havia mais diferença de cargas tributárias que possibilitassem os obscuros e pouco federativos "incentivos" fiscais. Com isso, perderam espaço os devedores contumazes, aqueles "contribuintes" que optavam, dolosa e sistematicamente, pelo não pagamento de tributos. Para esses, a previsibilidade e a estabilidade tributárias que a aplicação do regime monofásico e da uniformidade e especificidade de alíquotas trouxera fora um duro golpe. A "carteira assinada" da querida frentista e toda a vida econômica da estação eram provas materiais do "ganha-ganha" vivenciado por Fazendas Públicas estaduais e contribuintes bons pagadores.

Tanques cheios. Agradecimento à sorridente jovem. Nostalgia ainda na memória. Veículo um pouco mais "no manual".

Assim, retornei à estrada, novamente concentrado nas suas retas e curvas. Fresca como o cheiro de combustível, a lembrança do fim da guerra fiscal entre os estados brasileiros trouxe à mente os horrores da última grande guerra "de fato" enfrentada pela Humanidade, ocorrida também cerca de dez anos antes. Nela, um ditador saudosista da Cortina de Ferro havia invadido país vizinho, democrático e soberano, sob o batido pretexto da "segurança nacional". A seu favor, a chantagem de enormes quantidades de recursos naturais — em especial, justamente, petróleo e gás —, além de incrível poderio atômico. Contra, a resistência de um povo liderado por um ex-comediante que, sem brincadeiras, resistira. E isso, contando com a cooperação integrada de parte das democracias livres, de grandes corporações e da sociedade civil internacional. Sanções, boicotes e protestos isolaram o déspota, que perdera qualquer apoio residual. O resultado? Queda, condenação e ostracismo histórico.

Como pano de fundo às belas paisagens da estrada, essa mistura de pensamentos entre "Revolução" Tributária, guerras, combustíveis, devedores contumazes, déspotas e bem comum cravava na minha mente uma principal convicção:

"Em qualquer campo, com união e resiliência sempre avançamos."

*****

Música-tema de "Rocky, um lutador" toca no despertador do meu celular. São 4h45. Enfim, hora de me levantar, em mais uma bela segunda-feira que se inicia, do (especialmente) quente verão carioca de 2022. Café preparado, computador à frente, estudo matinal (pré-academia) de assuntos tributários em curso. Dentre as manchetes do dia, destaque para a recém-aprovada LC nº 192. Após anos de "batalhas", enfim monofasia, alíquotas únicas e específicas são realidade na tributação de combustíveis. Só que, na estrada da simplificação, da transparência, do combate aos devedores contumazes e do fim da guerra fiscal, é crucial não se deixar iludir com sonhos, sorrisos e belas histórias. É preciso agir, sobretudo porque, no mundo real, após tortuosas curvas, a reta final pode até estar próxima, mas segue adiante.

Com o espírito totalmente desperto, mas ainda influenciado pelas lembranças subconscientes da jovem frentista, do futurista do meu carro e da convicção de "união e resiliência", abri meu programa de textos e decidi escrever aos meus representantes nos estados. Afinal, é fundamental que das mazelas da pandemia, da guerra do déspota autocrata e da disparada de preços dos combustíveis nasça algo de positivo para o bem comum.

E assim, focado no trabalho conjunto de todos nós na construção de um futuro possível para o propósito de Simplicidade e Transparência na Tributação, sonhei com a realidade, lembrei-me do gênio que dissera que são as perguntas que movem o mundo e pintei a página em branco com a primeira frase que me veio à cabeça:

"Quem vai contribuir para abastecer o Amanhã?"