Enquanto uns choram, outros vendem lenços. As lágrimas dos familiares das vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho se tornaram o mais poderoso argumento do Ministério Público de Minas Gerais em sua empreitada para transformar a análise técnica da Justiça em um espetáculo.

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O Supremo Tribunal Federal vai decidir se é competência da Justiça Federal ou estadual a análise de processos criminais contra executivos da Vale pelo acidente. A questão foi levantada pelo próprio órgão acusatório depois que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu, de forma unânime, que a Justiça Federal é a instância adequada para garantir a imparcialidade do julgamento. Participam da decisão os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, André Mendonça e Edson Fachin, que já se colocou a favor do MP mineiro.
Com o argumento de que os executivos premeditaram e tiveram a intenção de matar as 272 vítimas do acidente, o MP-MG coordenou com seu correspondente federal uma manobra incomum para os próprios procedimentos do órgão. O MPF deixou de oferecer denúncia, para promover o arquivamento do inquérito, e isentou os executivos dos crimes federais. O objetivo: deixar o caso na Justiça estadual e entregar a um júri popular "perto do local do acidente" — onde o conjunto probatório que atesta o acidente tem menos valor que a comoção popular.
Mas nem só de teratologias vive um processo assim. Uma campanha massiva foi lançada para pressionar julgadores e disseminar a sensação de que a Justiça Federal é incapaz de analisar com isenção um processo de tamanha complexidade. Para isso, o MP-MG trabalhou com a Avabrum (associação de familiares de vítimas) para colocar na praça uma campanha dirigida a ministros do Supremo para convencê-los a votar de acordo com a tese da acusação. Faz sentido do ponto de vista emocional, afinal, é inquestionável a dor da perda dos familiares que emprestam sua voz para sustentar o argumento. Mas é pouco jurídico.
Não se trata de algo inédito. A tática pavimentou o sucesso da "lava jato". Para reverter a decisão do STJ, foi contratada uma assessoria de imprensa para angariar a simpatia da opinião pública e emparedar os julgadores. Além da imprensa, o movimento alcançou celebridades, vereadores de Brumadinho e a Cúria Metropolitana de Belo Horizonte.

Nas entrevistas sobre o caso, o procurador-geral de Justiça Jarbas Soares Junior quer que os executivos da Vale respondam por "assassinato" — ao raciocínio de que os diretores não só planejaram matar as vítimas, como também expam, de forma deliberada, a companhia a um ivo bilionário de indenizações.
Entre acordos cíveis e trabalhistas, a Vale já pagou mais de R$ 3 bilhões em indenizações individuais. No âmbito coletivo, a mineradora injetou R$ 37,7 bilhões nos cofres de Minas Gerais para custear iniciativas ambientais, sociais e econômicas no estado — inclusive a obra de uma ponte na cidade natal de Soares Junior, a 640 quilômetros de onde ocorreu o acidente.
O tamanho das cifras envolvidas abriga até oportunistas como parentes distantes não relacionados ao acidente, trabalhadores que não estavam no local e "vendedores de lenço" dispostos a levantar novas indenizações.
Em campanha para ser reconduzido ao cargo, Soares Junior orgulha-se de ter feito o MP ocupar espaços em Brasília. Também empreendeu a instalação de uma emissora de TV e multiplicou sua exposição com o acidente. A campanha chegou até a Europa, com manifestações para denunciar qualquer desfecho que não seja a prisão dos executivos.
Um dia antes de o caso começar a ser julgado no STF, no último dia 7, o MP-MG abrigou uma manifestação espantosa e redundante para pedir apoio do órgão a ele mesmo para que o caso não seja transferido para a Justiça Federal.
A acusação de homicídio doloso tem dois obstáculos para os promotores: peritos da Polícia Federal e de um centro de estudos geológicos da Catalunha (Espanha) chegaram à conclusão de que o rompimento da barragem foi resultado da execução inadequada de um procedimento destinado a aumentar a segurança da barragem por uma terceirizada.