A rede social X, antigo Twitter, lançou recentemente sua nova política de privacidade, abalando ainda mais a relação entre propriedade intelectual e plataforma digital. Ela confirma que irá utilizar os dados que lá estão para treinar modelos de inteligência artificial (IA). Ou seja, criações intelectuais e criativas humanas, abrangendo direitos autorais, marcas, patentes, entre outros, ficarão à disposição da nona maior rede social do mundo, com 556 milhões de usuários.
A nova política apresenta um risco real de desvalorização da criatividade. Se as plataformas podem usar o conteúdo dos usuários sem compensação para treinar seus modelos de IA, é natural que os criadores sejam desencorajados a produzir e compartilhar suas obras. Afinal, não há razão para dedicar tempo e energia para criar algo original se isto vai ser usado para enriquecer outras entidades sem qualquer benefício tangível para o criador.
Quando um usuário quer entrar em determinada rede, se vê diante dos termos e, na maioria das vezes, os aceita sem ler. Com isto, concede uma licença gratuita e não exclusiva para o uso do conteúdo que irá produzir. Essa permissão costuma se limitar à operação, promoção e melhoria dos próprios serviços da plataforma. A discussão agora é: até que ponto essa licença se estende?
No Brasil, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) vigora desde setembro de 2020, tanto em meios físicos quanto em plataformas digitais. Ela afirma, em seu artigo 5º, que dado pessoal é qualquer informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, mas também aponta que o portador pode consentir com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada.
Japão, Argentina, a União Europeia e diversos outros países também possuem suas próprias leis para proteger as informações individuais. Como a mudança nos termos do X é global, cada localidade deverá analisar o tratamento das questões normativas. Por exemplo, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), da União Europeia, estabelece padrões elevados para a proteção da privacidade e impõe penalidades substanciais por violações. Assim como a LGPD, ele também foca no consentimento informado e na transparência.
Embora os termos de uso, muitas vezes, concedem amplas licenças às plataformas, a expansão dessas licenças para incluir treinamento de IA pode ultraar o que foi originalmente acordado ou mesmo o que é ético.
Se considerarmos que os modelos de IA podem reproduzir, em algum nível, o conteúdo original em seus resultados, estamos olhando para uma possível apropriação não autorizada. Esse é um campo de batalha legal que ainda está começando a ser debatido, mas é uma encruzilhada já desenhada.
Criadores e defensores dos direitos de propriedade intelectual precisam estar cientes que as implicações da nova política da rede social X são apenas a ponta do iceberg. Do outro lado, advogados especializados em propriedade intelectual têm o dever de iluminar esse caminho e proteger os direitos fundamentais dos indivíduos.
As plataformas online também precisam encontrar soluções que atendam tanto aos interesses dos criadores de conteúdo quanto à privacidade e segurança dos usuários. À medida que a IA se torna cada vez mais avançada e permeia todos os aspectos de nossas vidas, a proteção adequada da propriedade intelectual torna-se ainda mais crítica. A rede social X apenas acendeu um alerta para uma questão urgente.
A comunidade global deve unir forças para garantir que o avanço tecnológico não venha à custa dos direitos fundamentais dos indivíduos. É essencial que as redes sociais reconsiderem tais políticas, garantindo que os direitos dos criadores sejam protegidos e respeitados. Ao mesmo tempo, os usuários devem estar cientes de seus direitos e das licenças que estão concedendo às plataformas.