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Herman Benjamin: lições de solidariedade, ecocentrismo e humanismo 282w5v

23 de agosto de 2024, 9h21 5h4n49

Por Fernando Rodrigues Martins

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É com enorme júbilo que o Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor) acompanhou a assunção do ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin ao cargo de presidente do egrégio Superior Tribunal de Justiça. Não é para menos, o instituto-criatura muito tem a comemorar pelo seu criador que assume assento estratégico na composição republicana nacional.

Cabe lembrar, entretanto, que enquanto a presidência da Corte Especial vem agora, as correspectivas lideranças do ministro Herman nas esferas jurídica, política e intelectual sempre existiram e são suas marcas incontestáveis.

Para muitos operadores e acadêmicos (especialmente os associados do nosso instituto), a posse do ministro Herman é ocasião de sensível expectativa, com perspectiva clara de gestão humanizada e inclusiva nas deliberações do importantíssimo “tribunal da cidadania”. E isso equivale justamente aos anseios da sociedade brasileira que almeja por decisões que reflitam não apenas a letra da lei, mas também os princípios da justiça social e dos direitos humanos, pilares que sempre nortearam a carreira do presidente do Superior Tribunal de Justiça.

A trajetória do ministro Herman é diferenciada, porquanto caracterizada por diversos predicamentos que inspiram a todos que acreditam numa justiça distributiva e igualitária, num país que ocupa desconfortável posição na classificação mundial de desigualdades sociais.

É de destacar após a conclusão da Faculdade de Direito na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1980, o ministro Herman se notabilizou como membro do Ministério Público de São Paulo. Nesta instituição, ao tempo da constituinte e, posteriormente, da Constituição, o então promotor de Justiça e depois procurador de Justiça, “‘transformou” a qualidade de vida de muitos brasileiros.

Diante do recente modelo constitucional responsivo assumido na época pelo Ministério Público soube, como poucos, garantir a concretude e efetividade de inúmeros direitos fundamentais. Logo tornou-se conhecido pelos excelentes trabalhos e resultados obtidos na tutela do meio ambiente, dos direitos dos consumidores, das comunidades excluídas, garantindo, o a o e com paciência, a dignidade de tantos invisibilizados num país em que o conservadorismo era ponto a ser vencido pela Constituição humanitária recém promulgada.

Ministro Herman Benjamin, do STJ

Para nós que ingressávamos nos Ministérios Públicos estaduais, a pessoa de Antônio Herman Benjamin tornou-se modelo, exemplo, padrão de promotor de Justiça a ser seguido, muitas vezes inatingível, considerando a substância e talento do múnus desenvolvido a serviço da população. Além do insuperável conhecimento do Direito, havia (e há) a intelectualidade imbatível, o espírito crítico, capaz de interpretar o fato posto na pauta das realizabilidade jurídicas. O “drama humano” era (e é) o tema a ser enfrentado.

Engajado nas questões sociais mais importantes, também se fez absurdamente reconhecido no âmbito acadêmico. As matérias então ligadas aos direitos difusos e coletivos, ou seja, aquelas disciplinas voltadas aos conteúdos de empoderamento humano e comunitário, tornaram-se sua pertinência temática e projetos de pesquisa.

Conceito do consumidor 1n1144

Nos idos de 1988, quando já mestre em Direito pela University of Illinois-EUA, introduziu na literatura acadêmica brasileira o reconhecido texto “O conceito jurídico de consumidor” (RT, v. 628). Nesta época do CDC não estava em vigência, conquanto o “Mestre Herman” concedia luz à matéria transportando para nossa doutrina a verificação comparatista com os sistemas estrangeiros, com destaque ao projeto legislativo francês, cujo conceito de consumidor restaria ligado ao uso não profissional de produtos e serviços.

Em 1991, quando presidente da comissão de instalação do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) publicou o multicitado artigo o “Direito do consumidor” (RT, vol. 670), diferenciando com argúcia peculiar o “direito do consumidor” do “direito do consumo”, porque enquanto no primeiro se faz a promoção do vulnerável, no segundo corre-se o risco de proteger o mercado.

As percepções e pesquisas na matéria de direito do consumidor são extremamente significativas. Não apenas o então membro do Ministério Público paulista dava início à sólida carreira doutrinária com produção de manuais em coautorias profícuas (com destaque a coordenação de livros-referência com Claudia Lima Marques, Bruno Miragem e Leonardo Roscoe Bessa), mas também com os autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor.

Neste exato ponto, cabe mencionar que por duas oportunidades diferentes compôs comissões de juristas perante o parlamento nacional na matéria de “direito do consumidor”. Na primeira, quando do projeto do Código de Defesa do Consumidor que entraria em vigor em 1991, destacou-se, aliado aos demais componentes de referida comissão, em diversos pontos inseridos no microssistema, com proposições sobre direitos básicos, práticas abusivas e significativa contribuição no capítulo da responsabilidade introduzindo a teoria da qualidade do produto e serviço e os vícios de segurança e inadequação.

Na segunda oportunidade a partir de 2010, compôs nova comissão de juristas, nesta senda para atualização do CDC, em matéria de superendividamento, comércio eletrônico e processo coletivo. Apenas o primeiro tema restou votado, aprovado e sancionado, com vetos (infelizmente).

De qualquer forma, o engajamento político e a cultura jurídica invejável do eminente ministro Herman fizeram com que o microssistema de promoção, proteção e defesa do consumidor (nosso CDC) fosse reconhecido como um dos melhores do mundo, fulcrado que é nos sólidos valores fundamentais, com especial atenção à dignidade humana. Enfim, todos nós sendo consumidores, devemos ser muito gratos à árdua luta por ele desencadeada.

Ganha destaque, outrossim, a expressiva aderência do presidente do Superior Tribunal de Justiça com a disciplina ambiental. Não seria raro ouvir que talvez seja o melhor jurista desta matéria no mundo. A atuação como promotor e procurador de Justiça no meio ambiente em São Paulo foi bastante exitosa, entrelaçando conteúdos próprios do ecossistema coordenados com a questão urbanística.

Um capítulo especial deve ser rememorado quando da tutela ambiental da Serra do Mar com ativa participação do então procurador Herman Benjamin. Também vale o registro da pioneira proposição de defesa do meio ambiente pelos modelos de bacias hidrográficas que repercutiram inicialmente em São Paulo e depois no Brasil. Como a diversidade ambiental se atraca com os cursos d’água a atuação funcional do Ministério Público pelas bacias facilitava não apenas o melhor controle e fiscalização, senão o planejamento institucional.

Não sem razão, por alguns instantes, avançando na agem da perspectiva antropocentrista para ecocentrista do meio ambiente. E nisso não somente nas anteriores atuações como membro do Ministério Público, mas igualmente na condição de ministro do STJ a partir de 2006, abordando tópicos relevantíssimos: proteção constitucional das florestas; responsabilidade ambiental; estudo de impacto ambiental; áreas de preservação permanente; direito fundamental das águas; matriz energética e proteção ambiental; crises climáticas.

Produção acadêmica 686u4

A produção acadêmica em temas ambientais é exuberante, rica, densa e profunda. Entre tantos escritos, permite-se apontar o memorável artigo “O Estado teatral e a implementação do Direito Ambiental” (Congresso Internacional de Direito Ambiental. Direito Água e vida — Law, Water and the web of life. São Paulo, 2003). Neste clássico, o autor explora com ineditismo em termos nacionais balizas como enforcement para assegurar o respeito ou cumprimento legal (compliance). Gize-se, neste ponto, que a matéria ‘compliance’ fora tão somente introduzida no Brasil pela Lei 12.846/13 e seu decreto 8.420/15. Portanto, um jurista de vanguarda.

Entre tantas posturas humanísticas relativas a direitos humanos, sobressai-se igualmente a preocupação com os povos originários. Ministro Herman soube, como poucos, associar a proteção legal das florestas com a promoção dos invisibilizados: os índios. Reprimidos continuamente pelo avanço desenfreado do setor agrícola em matas que deveriam ser preservadas trouxe a consciência necessária para a ‘sustentabilidade originária’: o respeito às culturas tão devastadas pelo tecnicismo indolente.

Conhecedor profundo sobre a idas e vindas do sistema legislativo, nunca abdicou do ‘efeito cliquet’ para os direitos humanos, contestando medidas de retrocesso às garantias fundamentais, o que é muito comum em tempo de ‘globalização das diferenças’. Por isso, sempre orientou ser necessária a participação popular em meios políticos e judiciais. Prova disso, é o nosso Brasilcon do qual foi fundador e presidente por dois mandatos. Assim como do Instituto Direito por um Planeta Verde. As entidades civis, como tais institutos, melhoram e fiscalizam os árduos caminhos do “jogo” democrático.

Dele se reconhecem avanços enormes na jurisprudência brasileira. Soube (e sabe) cumprir como muita fundamentabilidade o papel da hermenêutica e interpretação. Julgados e textos que se referem ao “macrobem”, “in dubio pro natureza”, “vulnerabilidade agravada”, “reexame necessário da sentença que julga improcedente a ação civil pública”, são contribuições de enorme repercussão na “marcha evolutiva da jurisprudência brasileira”.

Sem sombra de dúvidas, um jurista além de sua época. Incansável. Ancorado em valores fundamentais e na legalidade constitucional. Técnico no Direito, sem prejuízo de ser um humanista primaz. Solidário com os vulneráveis. Inabalável na ética.

Em homenagem ao ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, celebramos não apenas sua ascensão ao cargo de presidente do STJ, mas também sua carreira exemplar e a incansável luta por um Brasil mais justo. Temos a certeza de que a inerente liderança inspirará não apenas os membros do Judiciário, mas todos os brasileiros a perseguirem um futuro com justiça, dignidade humana e respeito aos direitos, especialmente dos mais vulneráveis e invisíveis.

Trata-se de magnífica história a deixar os melhores rastros. Verdadeiro farol de esperança e igualdade em momento em que o Brasil necessita de vozes firmes e comprometidas com a lealdade e equidade. Parabéns, ministro Herman, por sua nova missão e por todo o legado que você representa.