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Processo tributário como garantia constitucional 6e5864

13 de abril de 2025, 8h00 1ui3p

Por Cristiano Cury Dib, João Rafael Arnoni Lanzoni, Pedro Henrique Siqueira de Moraes

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Nas lições de Eduardo José da Fonseca Costa [1], o conceito de processo como garantia constitucional reflete sua função instrumental como mecanismo efetivo de proteção e efetivação de direitos fundamentais.

Entendimento esse que norteia a tomada de posição dos artigos produzidos nessa coluna [2] no sentido de que o processo não deve ser tomado apenas como um instrumento para solucionar conflitos, mas sim um meio pelo qual se garante que a jurisdição seja materializada, assegurando que os direitos havidos nas relações jurídicas sejam respeitados e protegidos.

Essa ideia causa uma ruptura com a corrente tradicional da processualística nacional que reconhece no processo um instrumento das partes, mas destinado ao juiz. Isso porque, ao ser alçado ao patamar de garantia constitucional, o processo a a ser uma garantia de proteção das partes na busca dos seus direitos, assim como limitador do juízo ao analisar a demanda, forçando-o a cumprir com os ritos estabelecidos na legislação sob pena violar o devido processo legal.

O reconhecimento do processo como uma garantia constitucional decorre do conteúdo do artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal que prescrevem, respectivamente, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e que “aos litigantes, em processo judicial ou istrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa”.

Esses dispositivos reforçam a necessidade de uma prévia definição das regras da sistemática processual para assegurar aos litigantes a sua participação no processo decisório, como também limita a atuação do julgador, evitando a arbitrariedade no exercício da atividade jurisdicional.

Esse entendimento transforma as regras do rito processual em algo para além de uma simples formalidade, que am a assumir a função de verdadeira proteção contra o arbítrio, pois evitam que a autoridade julgadora opte por não realizar atos processuais necessários, como por exemplo a produção de provas para dar celeridade ao julgamento, forçando-o a se ater à estrutura processual fixada pela legislação.

Nesse ponto é muito importante afastar qualquer alegação de que a visão do processo como garantia processual representa um engessamento do processo judicial ou uma usurpação de competência do juízo, pois ainda se ite que o juízo afaste dos autos atos que sejam prejudiciais ou atentem contra o bom andamento da ação, exercendo a sua capacidade de avaliação sobre os atos abusivos praticados pelas partes, ou seja, cabe a ele julgador negar um pedido de realização de um ato processual de maneira fundamentada, mas nunca impedir que um ato seja praticado sem previa solicitação ou oposição das partes.

No âmbito tributário, isso significa que o contribuinte deve ter a oportunidade de se contrapor às cobranças do Fisco da forma mais ampla possível, produzindo todas as provas que reputa legítimas para confirmar seu direito; isso porque, no ambiente do processo, seja ele judicial ou istrativo, compete ao contribuinte apresentar os elementos necessários para afastar a presunção de legitimidade do trabalho realizado pelas autoridades fiscais, dentro dos limites fixados na legislação para cada ambiente processual.processo tributário

Cumpre lembrar, que as relações jurídicas entre entes públicos e sujeitos privados não são relações horizontais, mas verticais, onde o contribuinte se encontra em uma situação de hipossuficiência perante o ente tributante, seja pelas prerrogativas legais que a istração pública possui, seja pela estrutura a disposição dos seus agentes ou pela capacidade de expropriação que detém a istração pública.

Justamente porque o litígio tributário pode culminar na invasão ao patrimônio do contribuinte, na hipótese de inadimplemento, o reconhecimento de um processo constitucional nada mais promove do que um controle da efetivação dos direitos individuais.

Esse viés do processo, destacado aqui, nada mais ressalta do que o devido processo legal sob seu aspecto material, verdadeiro instrumento de busca de direitos pelas partes de forma equilibrada e nos limites estabelecidos pelo direito constitucional e implementados pelas normas infraconstitucionais.

Salvaguarda de direitos 61455m

As implicações da visão do processo como garantia constitucional material é o reconhecimento da necessidade de manutenção do equilíbrio entre o poder estatal e os direitos individuais.

Não se pode olvidar que o reconhecimento do processo como garantia constitucional reforça a ideia de democratização do o à justiça, que deve ser pleno e efetivo. Isso significa, que as partes envolvidas em um litígio não só têm o direito de provocar a jurisdição judicial para resolver sua questão, mas também devem ter assegurado o direito de que suas demandas sejam julgadas de maneira imparcial, com o a todos os meios de prova necessários e com a possibilidade de revisibilidade das decisões.

Sob essa perspectiva, o direito processual adquire uma dimensão muito mais rica, deixando de ser um conjunto de normas técnicas que regulamentam a atuação do Judiciário para ser verdadeira salvaguarda dos direitos em estado de conflito, posto que somente através de uma estrutura processual que proteja o direito amplo das partes de apresentarem seus argumentos, será possível atingir a solução mais fundamentada sobre o direito material posto.

A postura teorética a que nos referimos, mais moderna, ou Escola Garantista, posiciona o processo como uma garantia constitucional fundamental, enfatizando seu papel como instrumento de proteção dos direitos individuais e como meio de assegurar a aplicação justa e equitativa da lei.

Do que não escapa o processo qualificado de tributário que, segundo as lições de Rodrigo Dalla Pria, deve ser veículo de concretização da defesa da segurança jurídica, assegurando a previsibilidade e estabilidade nas relações jurídicas, aspectos esses cruciais para legitimar as decisões judiciais e garantir a confiança dos cidadãos no sistema jurídico tributário [3].

Em ambiente processual tributário, o devido processo legal material não só assegura que o contribuinte tenha o direito de contestar a validade de atos de imposição tributária, mas também garante ao Estado os meios para cobrar os tributos que sejam efetivamente devidos.

Essa visão garantista do processo pode ser entendida como a busca da valorização do aspecto processual diante do aspecto jurisdicional, buscando sempre obter como resultado da tutela jurisdicional o produto daquilo que foi amplamente discutido e apresentado no corpo do processo com foco no direito material, uma vez que seria fruto do debate dos litigantes sem a influência demasiada da autoridade julgadora na condução da produção dos elementos que buscam demonstrar a legitimidade do direito material almejado.

 


[1] Costa, Eduardo José da Fonseca. Processo e garantia. Londrina: Thorth, 2021 (3ª reimpressão).

[2] Remetemos o leitor ou leitora para os seguintes artigos sobre essa tomada de posição instrumental do processo:

/2021-mar-02/paulo-conrado-processo-tributario-instrumentalidade

/2021-mar-09/opiniao-processo-positivacao-acoes-conflitos-tributarios/

/2021-mar-16/camila-vergueiro-processo-tributario-tutela-provisoria/

/2021-abr-13/cantanhede-tutela-jurisdicional-executiva-inadimplencia/

/2021-abr-20/saliba-jurisdicao-tributaria-instrumentalidade

/2021-abr-27/opiniao-exigibilidade-exaurida-tutela-jurisdicional-reparadora/

[3] Pria, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário (Portuguese Edition) (p. 134). Noeses. Edição do Kindle.