Consultor Jurídico

Depoimento extrajudicial como prova: instituto do deposition no direito processual 4a1n52

21 de maio de 2025, 7h05 3r2y39

Por Lucas Gabriel dos Santos

imprimir

É comum encontrar, em filmes norte-americanos, alguma cena em que uma parte ou testemunha é interrogada por um grupo de advogados, todos sentados em uma sala de reunião de escritório, acompanhados por um terceiro cujo único propósito é anotar tudo o que é dito no depoimento. O cenário em questão trata-se do “deposition”, um meio de prova pré-processual no direito norte-americano.

Freepik
Pinheiro Neto recebe inscrições para o seu programa de estágio até o próximo domingo

O deposition caracteriza-se como um procedimento em que uma parte ou testemunha presta depoimento sob juramento, fora de audiência, perante os advogados litigantes e um taquígrafo representante do Poder Judiciário, responsável por registrar a integralidade do testemunho [1]. Sua fundamentação jurídica encontra-se na Regra 30 do Federal Rules of Civil Procedure [2] (uma espécie de código processual), que dispõe sobre uma série de normas a serem cumpridas no ato, como a obrigatoriedade de intimação da parte contrária para participar do ato, métodos de requerimento junto à jurisdição competente, diretrizes para a condução do depoimento e condutas a serem observadas após a produção da prova.

Mas qual a função do deposition? Conta com a mesma força probante de uma prova testemunhal ou depoimento pessoal colhidos em audiência? A resposta é não. Conforme prevê o item ‘a’, da Regra 32, do Federal Rules of Civil Procedure, este depoimento extrajudicial serve para impugnar eventual depoimento contraditório que venha a ser colhido posteriormente em audiência, sendo importante para garantir a preservação de testemunhos e evitar que ocorram surpresas no decorrer do processo. Da mesma forma, por se tratar de ato pré-processual, pode ter um papel essencial na iniciativa para composição de acordos.

Prova oral 6l1267

Sob a ótica do direito brasileiro, a prova oral, seja testemunhal ou depoimento pessoal da parte, é produzida obrigatoriamente em audiência perante o juiz competente, conforme depreende-se dos artigos 385 e 453 do Código de Processo Civil [3]. Dito isso, por óbvio, não existe fundamentação legal permitindo a utilização deste meio estrangeiro de prova.

Inclusive, o juízo da 16ª Vara Cível de Brasília [4] negou o valor provatório de depoimento gravado juntado pela parte ao processo, entendendo que “a prova não foi produzida em juízo, perante magistrado (art. 449 do C); não houve contraditório em sua produção (art. 5º, LV, da CR/88), ou oportunidade de questionamento pela parte contrária; o ordenamento jurídico pátrio não prevê a figura do “deposition” do direito norte-americano, produzido fora de juízo”.

O direito processual brasileiro possui uma espécie de “carta coringa” no que diz respeito a atos e normas processuais, que é o artigo 190 do Código de Processo Civil [5], que permite às partes modificarem o procedimento, dentro dos limites ali estabelecidos. Então, por amor ao debate — e ao tempo depreendido neste artigo —, as partes poderiam, por meio de um negócio jurídico processual, tentar acordar sobre uma nova espécie de prova envolvendo a oitiva extrajudicial de testemunha.

Spacca

Seria, contudo, impossível conferir o mesmo valor probatório de um testemunho, na medida em que o depoente não prestaria compromisso perante um magistrado, de modo que seria ineficaz para contraditar o depoente caso este viesse a ser ouvido como testemunha posteriormente no processo. No máximo, o depoimento poderia ser utilizado como um incentivador de autocomposição, antes do ajuizamento da demanda.

Diferença cultural 1r4x

No geral, existe uma imensa diferença cultural entre os Estados Unidos e o Brasil, sendo que o último é reconhecido por sua alta litigiosidade e ajuizamento de ações judiciais, de modo que conduzir um depoimento extrajudicial acompanhado da outra parte seria apenas entregar as “armas” ao adversário, podendo ser visto como uma desvantagem no inevitável processo judicial.

Para a utilização do depoimento extrajudicial como prova, seria necessária uma evolução no ordenamento jurídico. Porém, caso isto viesse a ocorrer, poderia ser um meio de prova interessante, uma vez que desoneraria o magistrado de obrigatoriamente ter de estar presente para colher o depoimento — desde que se tenha outro membro do Poder Judiciário presente, pois demandaria a prestação de compromisso — e permitiria às partes um controle maior sobre a produção da prova, bem como poderia ser um fator extremamente relevante para a composição de acordos.

 


[1] Conforme definição apresentada pela Universidade Cornell em seu website: aqui

[2] aqui

[3] Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício.

Art. 453. As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto:

[4] 0700755-47.2019.8.07.0001, 16ª Vara Cível de Brasília, julgado em 26/11/2021, magistrado Cleber de Andrade Pinto

[5] Art. 190. Versando o processo sobre direitos que itam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.