Nas colunas anteriores desta série sobre regulação cripto, iniciamos a análise das propostas do Banco Central do Brasil para o setor. Na parte 1, dissecamos a Consulta Pública BCB 109/2024, que delineia as categorias de serviços de ativos virtuais e os requisitos para autorização e funcionamento das Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Vasps). Em seguida, na parte 2, aprofundamos no detalhamento do processo de autorização dessas entidades perante a autarquia, um o crucial para a formalização do mercado.

Agora, analisamos a Consulta Pública BCB nº 111/2023, com minuta para regular a atuação das PSAVs no mercado de câmbio e na regulação de capitais internacionais. O pano de fundo da proposta é o reconhecimento, pelo regulador, de que stablecoins e outras formas de ativos virtuais já estão inseridos nas dinâmicas do mercado financeiro internacional e precisam ser incorporados ao aparato normativo que rege os fluxos transfronteiriços.
As stablecoins são instrumentos centrais da criptoeconomia, atuando como uma ponte entre os ativos digitais voláteis e as moedas fiduciárias tradicionais. Projetadas para manter paridade com moedas como o dólar americano, elas permitem que usuários preservem valor de forma mais previsível e realizem transferências com menor custo e maior agilidade, especialmente em operações transfronteiriças.
No entanto, apesar da aparente estabilidade, tais ativos não estão isentos de riscos. Casos como o colapso da stablecoin algorítmica Terra (UST) demonstram que mecanismos de estabilização mal calibrados ou lastros frágeis podem comprometer severamente a confiança no sistema. Além disso, a possibilidade de movimentação irrestrita para carteiras de autocustódia levanta preocupações regulatórias relevantes, principalmente no que se refere à prevenção à lavagem de dinheiro, à proteção ao consumidor e à supervisão prudencial. Nesse sentido, a regulação proposta pelo BC busca criar salvaguardas compatíveis com o uso crescente das stablecoins nas operações de câmbio e no contexto dos fluxos de capitais internacionais.
Destaques da proposta 1m712u
De acordo com a norma proposta, as atividades que configuram atuação nesse mercado são: (i) pagamentos e transferências internacionais por meio da transmissão de ativos virtuais; (ii) a compra, venda, troca ou custódia de ativos virtuais denominados em reais que sejam de propriedade de não residentes; e (iii) operações envolvendo ativos virtuais denominados em moeda estrangeira.
Na prática, isso amplia significativamente o escopo do que pode ser considerado uma operação de câmbio, exigindo que tais atividades sejam realizadas por instituições autorizadas.
O artigo 25 da minuta determina que tais operações sejam reportadas ao Banco Central pelo seu valor integral, mesmo que a liquidação financeira ocorra de forma líquida. Isso visa assegurar que o Banco Central tenha visibilidade sobre os volumes efetivamente movimentados e possa mensurar com precisão os fluxos cambiais, algo que se tornaria impraticável caso apenas os saldos líquidos fossem informados.
Por sua vez, o artigo 76-N proíbe a transmissão de ativo virtual denominado em moeda estrangeira para carteira autocustodiada e o artigo 76-F proíbe a transmissão de ativos virtuais para carteiras autocustodiadas pertencentes a não residentes. As medidas são inspirada nos debates internacionais sobre a dificuldade de aplicar as regras de “conheça seu cliente” (KYC) e de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLD/FT) quando as transações ocorrem em carteiras fora do alcance das instituições reguladas. A restrição à autocustódia, nesse caso, visa impedir que ativos transitem para fora do escopo de supervisão estatal, o que poderia comprometer os esforços de rastreabilidade e responsabilização.
O artigo 76-G complementa essa lógica ao exigir que a PSAV implementem processos específicos para verificar a origem dos ativos provenientes de carteiras autocustodiadas de não residentes. Trata-se de uma tentativa de mitigar os riscos de entrada de ativos contaminados no sistema financeiro nacional e assegurar que tais fluxos estejam em conformidade com os padrões internacionais de compliance.
Tomada de subsídios 6f3l2q
A minuta também busca obter subsídios sobre diversas questões técnicas, entre elas a necessidade de impor limites adicionais às PSAVs nas operações cambiais, os mecanismos mais adequados para converter o valor dos ativos virtuais em moeda soberana, e os procedimentos para verificação da conformidade regulatória de contrapartes estrangeiras. Ainda, questiona como deve ser tratado, no âmbito da regulação de capitais, o uso de ativos virtuais com propósito de investimento, inclusive em operações de empréstimo, dação em pagamento e estruturações semelhantes.
Polêmica envolvendo stablecoins e autocustódia 5533k
A vedação à transmissão de stablecoins a carteiras autocustodiadas gerou teve uma reação negativa do mercado. Críticos apontaram uma certa inconsistência, pois seria permitido sacar outros tokens e Bitcoin para carteiras autocustodiais, mas não stablecoins.
Outros comentários foram no sentido de que a proibição geraria um incentivo para que os usuários de stablecoins evitem utilizar empresas brasileiras em suas operações. Ainda, argumenta-se que, se é possível guardar dólares físicos em um cofre, também deveria ser possível armazenar stablecoins para carteiras autocustodiadas.
O Banco Central, no entanto, itiu que pode recuar sobre a proibição se forem descobertas soluções que tornem essas transações mais transparentes e reduzam a desconfiança acerca de evasão de divisas, uma vez que se trata de uma consulta pública aberta a sugestões.
Próximos os ot2z
Enquanto o mercado aguarda a edição da norma a partir da consolidação das contribuições à consulta, encerrada em fevereiro, discute-se o futuro do mercado de stablecoins no Brasil.
O desafio principal está em compatibilizar os ganhos de eficiência e a autonomia tecnológica trazidos pelas stablecoins com os imperativos regulatórios de segurança, rastreabilidade e estabilidade financeira.
Fique à vontade para enviar comentários e críticas nas minhas redes sociais. Obrigado pela leitura!