O dinamismo do processo civil contemporâneo exige que as partes e o próprio magistrado busquem a verdade dos fatos de maneira eficiente e racional. Nesse contexto, a utilização da prova emprestada, isto é, a utilização, em um processo, de elemento probatório produzido em outra relação processual, surge como instrumento que visa a economia de atos processuais e a efetividade da prestação jurisdicional.
O Código de Processo Civil de 2015, inovando em relação ao diploma anterior, ou a tratar expressamente da prova emprestada em seu artigo 372, exigindo um critério central: a observância do contraditório. Vejamos:
“Art. 372. O juiz poderá itir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.”
Validade da prova emprestada, portanto, não é automática. Ao contrário, exige o cumprimento de três requisitos essenciais, consolidados pela doutrina e jurisprudência: 1) a licitude da prova; 2) a observância do contraditório no processo de destino; e 3) a pertinência entre as causas.
A prova emprestada só será issível se tiver sido produzida por meios lícitos. A jurisprudência é pacífica ao considerar inissível a transposição de provas produzidas com violação de direitos fundamentais ou obtidas de forma ilícita. O aproveitamento, por exemplo, de interceptações telefônicas sem autorização judicial em outro processo pode contaminar a nova demanda em razão do vício de origem.
Em relação à observância do contraditório no processo de destino, mais do que ter sido contraditada no processo de origem, a prova emprestada deve ser submetida ao crivo do contraditório no processo em que será utilizada. Isso significa garantir às partes o direito de se manifestar, impugnar, contextualizar e — se for o caso — requerer a sua renovação.
A doutrina majoritária reconhece a validade da prova emprestada na atual sistemática do processo civil, mas também alerta que a utilização do instituto deve preservar a essência do contraditório – elemento indispensável para que o ato processual produza efeitos válidos.
Como bem leciona Daniel Amorim Assumpção Neves 2016, p. 1.246), a possibilidade de utilização da prova emprestada decorre da busca pela economia processual, mas seu limite instransponível é o respeito ao contraditório. Vejamos:
“(…)
Apesar da inegável importância da possibilidade aberta às partes de se aproveitarem de prova já produzida em outro processo, há corrente doutrinária que afirma ser imprescindível que a prova tenha sido produzida entre as mesmas partes, sob pena de infração ao princípio do contraditório.”
A ausência de contraditório no processo de destino compromete a validade da prova e pode acarretar nulidade, especialmente quando a parte adversa não participou da formação originária do elemento probatório.

Além disso, a prova emprestada deve guardar coerência temática e fática com o processo de destino. Provas sobre fatos completamente distintos ou em contextos jurídicos incompatíveis tendem a ser irrelevantes ou até prejudiciais à formação do convencimento judicial.
Malgrado a prova emprestada apresente um atalho para a fase probatório do processo, o seu uso inadequado pode provocar graves distorções, como indução ao erro, quebra da imparcialidade e até o cerceamento de defesa. Além disso, pode gerar decisões baseadas em elementos alheios à dinâmica da causa em julgamento.
A prova emprestada não pode ser utilizada de forma automática ou irrefletida, para que esteja apta a produzir efeitos válidos no processo de destino, a doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores estabelecem que, para ser válida, três requisitos básicos devem ser cumulativamente atendidos.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reforça que o contraditório precisa ser garantido no processo em que a prova será utilizada, sob pena de nulidade. E mais: já há decisões reconhecendo a necessidade de oportunizar às partes manifestação específica sobre a prova antes de sua valoração. Senão, vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA EM AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. IDENTIDADE PARCIAL DE PARTES. UTILIZAÇÃO A TÍTULO DE PROVA EMPRESTADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA. OPORTUNIDADE DE INSURGÊNCIA E INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. Ação de reintegração de posse ajuizada em 9/11/2004, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 14/12/2022 e concluso ao gabinete em 23/08/2023 .2. O propósito recursal consiste em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e se a issão de prova pericial a título de prova emprestada configurou cerceamento de defesa. 3. A issão de prova produzida em outro processo prestigia os princípios da celeridade e da economia processual e tem como objetivo precípuo otimizar a prestação jurisdicional. Evita-se a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo, a qual tende a ser lenta e dispendiosa, notadamente em se tratando de provas periciais na realidade do Poder Judiciário brasileiro. Há, também, incremento de eficiência, à medida em que proporciona a obtenção do mesmo resultado útil em menor tempo. 4. O art. 372 do C ite a utilização de prova emprestada e impõe, como única exigência, a observância do contraditório. Conforme precedente da Corte Especial, em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, ela não se restringe a processos em que figurem partes idênticas, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório (EREsp n. 617.428/SP).” (…) (STJ – REsp: 2123052 MT 2023/0227675-8, relator.: ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 14/5/2024, T3 – 3ª Turma, data de publicação: DJe 17/5/2024) (grifo nosso)
A prova emprestada é compatível com a lógica da cooperação e da eficiência processual, desde que respeitados os limites constitucionais e legais. Senão, vejamos:
“CRFB/88
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou istrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
C/15
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
Como proceder 225e6
O advogado que se depara com prova emprestada utilizada de forma irregular deve agir imediatamente, mediante:
- Petição de impugnação específica, requerendo o desentranhamento da prova dos autos ou sua desconsideração;
- Embargos de declaração em face da decisão que tenha valorado prova emprestada sem contraditório;
- Agravo de instrumento ou apelação, se a prova ilícita for utilizada para fundamentar decisão interlocutória ou sentença;
- Memoriais, despacho e sustentação oral, se oportuno, com vistas a expor oralmente as razões do vício processual que inquina os atos processuais de ilicitude.
Está claro que o advogado diligente não deve simplesmente “aceitar” a prova anexada: é dever profissional zelar pela higidez do processo, inclusive para prevenir nulidades que possam prejudicar a parte representada.
Assim, resta concluir que a prova emprestada é uma realidade incontornável do processo civil brasileiro contemporâneo, surgindo como importante instrumento de celeridade, economia processual e efetividade jurisdicional. Contudo, seu uso exige rigor técnico e respeito absoluto aos princípios constitucionais que informam o devido processo legal.
O advogado atento deve, portanto, saber não apenas utilizar provas emprestadas de forma técnica, mas também vigiar rigorosamente sua issibilidade e validade, garantindo que o processo civil permaneça fiel a seus princípios fundantes.
No processo civil atual, celeridade e segurança jurídica andam juntas, e o uso responsável da prova emprestada é mais um capítulo dessa necessária harmonização.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível aqui
BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). Disponível aqui
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 2.123.052/MT, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/05/2024, DJe 17/05/2024.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.246-1.248.