No dia 3 de fevereiro deste ano, pelas mãos do senador Rodrigo Pacheco, o anteprojeto voltado à revisão e atualização do Código Civil foi convertido em projeto de lei, tendo recebido o número 04/2025. O PL corresponde exatamente ao texto que a Comissão de Juristas presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) entregou ao então presidente do Senado.
A Comissão de Juristas, da qual honrado fiz parte como membro consultor, foi orientada pelo seu presidente e pelos ilustres relatores-gerais, Flávio Tartuce e Rosa Nery, a seguir algumas premissas para o trabalho.
A comissão foi imbuída de rever e, naquilo que fosse necessário, atualizar o Código Civil. Inovações, portanto, só se justificariam quando demonstrada a necessidade de atualização do texto.
A comissão — formada por seis ministros do Superior Tribunal de Justiça, juízes, desembargadores, advogados e professores — buscou positivar no texto legal as interpretações vinculantes oriundas de decisões do Supremo Tribunal Federal e do STJ.
Artigos cuja redação suscita possibilidades interpretativas que não tenham sido objeto de uniformização jurisprudencial deveriam ser reescritos de modo a refletir o posicionamento doutrinário dominante, o qual não raro não era aquele defendido pela maioria dos membros da Comissão.
Críticas 5gn1a

Embora a comunidade jurídica e a opinião pública de modo geral tenham recebido muito bem o resultado do trabalho da comissão, tem havido por parte de alguns juristas duas críticas mais ou menos constantes: a de que, dada a extensão do trabalho, o que se apresentou foi, na verdade, o projeto de um novo Código Civil e a de que a comissão não teria tido tempo suficiente para desempenhar a missão de que foi incumbida.
São ambas — seja-nos permitida a franqueza — críticas superficiais e sem mérito.
Analisar o projeto a partir de critério quantitativo, isto é, a partir do número de artigos alterados para, então, alegar que está a tramitar um novo Código Civil não é correto.
Se compararmos o Código Civil de 1916 com o Código Civil vigente veremos que as alterações relevantes são antes qualitativas que quantitativas. O Código Civil de 2002 é estruturado a partir dos princípios da eticidade, operabilidade e socialidade; positivou os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva e, entre tantas outras alterações, unificou o direito das obrigações.
Qualquer uma dessas alterações isoladamente seria suficiente para que o Código Civil de 2002 fosse considerado radicalmente diverso do Código Civil de 1916.
Ora, o estudioso de boa vontade que ler o PL 04/2025 verá que não houve nenhuma ruptura com a estrutura presente no Código Civil de 2002. Ao contrário, os princípios da eticidade, operabilidade e socialidade são observados e prestigiados; não se positivam outros princípios contratuais para além da função social e da boa-fé objetiva; a unificação do direito das obrigações é rigorosamente mantida, não obstante sejam positivadas regras já consagradas que reconhecem a distinção inegável entre a fonte contrato de direito comum e a fonte contrato empresarial.
Pode-se afirmar que a maioria das alterações são redacionais ou fruto da positivação de normas jurídicas que já haviam sido postas pela jurisprudência vinculativamente.

Cito como exemplos, a substituição das palavras “homem” e “mulher” para “pessoas” ao tratar do casamento e da união estável de modo a refletir no Código Civil a decisão do Supremo Tribunal Federal que, com efeito vinculante e erga omnes, itiu a união estável e o casamento de pessoas do mesmo sexo; ainda, a adequação do texto do Código Civil ao reconhecimento pelo STF da inconstitucionalidade do artigo 1.792 do Código Civil; o reconhecimento da formação do vínculo de filiação por socioafetividade e, consequentemente, o reconhecimento da multiparentalidade etc.
Não se trata, portanto, de projeto de novo Código Civil, mas verdadeiramente de revisão e atualização.
Com relação ao tempo do qual dispôs a comissão, é comum que se diga que o trabalho foi feito a “toque de caixa”, pois, segundo afirmam, “não é possível, em oito meses, apresentar um projeto adequado de reforma”.
O Código Civil de 2002 tem duas décadas de existência e, pelo menos desde o período de sua vacatio legis, vem sendo estudado intensamente. A partir do Código Civil de 2002, foi produzida fartas doutrina e jurisprudência.
Desde o ano de 2002, o Conselho da Justiça Federal, sempre sob a coordenação de ministros do Superior Tribunal de Justiça, vem organizando as chamadas Jornadas de Direito Civil, evento que congrega advogados, magistrados, defensores e professores de todo país para discutir propostas de interpretação do Código Civil e, mais recentemente, enunciados de conformação do texto do Código Civil à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Sem nenhum exagero, portanto, pode-se afirmar que a revisão do Código Civil vem sendo feita desde antes mesmo de ele entrar em vigor.
A tarefa da comissão, embora ingente, foi a de organizar e discutir o material já de há muito existente. Para tanto, o prazo de oito meses foi mais do que suficiente.
Quanto às poucas alterações efetivas, como as relativas à responsabilidade civil extracontratual, toda comunidade jurídica tem o dever moral de apresentar suas sugestões, seja em textos, seja em palestras, seja diretamente ao parlamento.
O importante é que as críticas sejam fundamentadas para que possam ser aproveitadas.
Como palavras finais, informo aos leitores desta ConJur que procurarei publicar textos curtos tratando de cada uma das alterações sugeridas pela Comissão de Juristas.