Benefício social

Videoconferência garante cidadania à população e aos réus

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6 de outubro de 2004, 18h58

Em 1996, no dia 27 de agosto realizamos em Campinas o primeiro interrogatório por videoconferência em nosso País, (e em 1997 a primeira gravação em vídeo digital nos autos de um processo).

Buscávamos à época uma novíssima discussão sobre o uso de uma então embrionária tecnologia que nos permitiria realizar o interrogatório judicial, como nos permitiu, sem a proximidade física entre juiz e réu.

Não foram poucos os que tomaram a nuvem por Juno, enxergando em tal ato desde um exercício contra a Cidadania como, muitas vezes por um alheamento às coisas científicas, uma experiência que demonstrava a inviabilidade de se ter até mesmo uma correta visão da imagem do réu e do Magistrado.

Por incrível que pareça, algumas das mais severas críticas, em 1996, versavam sobre a má qualidade da imagem, como se não fosse evidente para qualquer pessoa bem informada que a qualidade rapidamente melhoraria, como melhorou, e que a velocidade de varredura da mesma imagem era mero detalhe, já que se deveria buscar rapidamente o domínio da tecnologia judicial de ouvir-se presos à distância.

Reações corporativas, a maioria delas oriunda da mais pura e simples desinformação, impediram a implementação rápida e na devida escala de tal sistema, com enormes perdas para o país e para a sociedade em geral.

Com efeito, aquela primeira experimentação destinava a colocar em discussão o uso de tal tecnologia que, como de resto toda tecnologia, pode ser usada para o bem ou para o mal, adotando-se uma postura maniqueísta tão a gosto de ferozes críticos de tal sistema.

Nesses diversos anos, inúmeras vezes nos pronunciamos sobre tal tecnologia, em congressos, faculdades, tribunais e associações e as criticas jamais ultraaram o número de poucas unidades.

Dizia-se, por exemplo, que tal ato impedia o contato próximo entre juiz e réu.

Tal crítica recebeu na arguta observação do juiz Renato Nallini o nome de “Síndrome de Maria Bethânia”, pela inexplicável necessidade dos “olhos nos olhos”.

Ora, no sistema penal brasileiro, o réu é e será inocente até que se faça prova em contrário disto. A prova longe estará de ser subjetiva, e assim a “impressão” que o juiz tem de ser o réu culpado ou inocente é “impressão” não técnica e de nada serve, a uma porque o réu já é presumivelmente inocente, a duas porque se o magistrado tiver a “impressão” de que ele é inocente, não poderá esquecer-se da demais prova produzida, e a três, porque seria monstruoso que o magistrado condenasse alguém apenas pela “impressão” que teve.

Críticas ainda mais superficiais foram feitas, como de que o réu poderia estar sendo ameaçado por trás da Câmara de vídeoconferência.

Lembro ao leitor que na realidade brasileira o réu vem ao Fórum acompanhado por policiais e permanece numa sela guardado por carcereiros, e jamais se teve qualquer preocupação em se dizer que ele estaria sendo ameaçado no meio deste caminho, imaginando-se, porém, as férteis mentes que tanto criticam que eles seriam ameaçados apenas por estar de frente a uma câmera de vídeo conferência, mesmo que na presença de advogado e servidores do judiciário dentro do Presídio.

Tais críticas não têm qualquer peso intelectual, tanto que a grande maioria de países altamente industrializados fizeram firme opção pela vídeoconferência, sobrelevando-se o exemplo português, que a constou no próprio Código de Processo.

O que perdeu nosso país e a sociedade com tanta demora para a implementação de tal sistema é muito mais que temores que não am da falta de informação. A tecnologia acaba com o transporte de presos perigosíssimos por vias públicas, gastando para isto rios de dinheiro, colocando para isto a vida de inocentes nas ruas em perigo, e exigindo por isto o uso de policiais, que já são muito poucos, em detrimento da normal segurança pública.

Mais que isto, perdeu-se a chance de usar tal tecnologia a favor de toda a sociedade, incluindo-se aí o próprio preso.

Realmente, o preso hoje no Brasil terá um o pessoal ao magistrado na média nacional apenas após mais de quarenta dias de sua prisão.

Evidentemente que um sistema assim implantado permitiria, como permite em paises civilizados, um pronto o do magistrado ao preso, de forma quase que imediata à sua prisão, até mesmo para a concessão de eventual benefício ou de fiscalização de sua integridade pessoal.

Tais “detalhes” sequer são examinados por muitos, e são na verdade a verdadeira questão de fundo.

O pronto o do magistrado ao preso que dele esperará julgamento torna a Justiça evidentemente mais célere, permite a garantia à incolumidade do preso de forma muito mais efetiva e possibilita, enfim, um ato de jurisdição melhor, por mais rápido e mais abrangente.

Nos diversos anos em que se perdeu tampo em nosso país discutindo-se trivialidades deixou-se, por exemplo, de se determinar que em vinte e quatro horas, ou menos, como em alguns estados norte-americanos, o preso se aviste por meio de vídeoconferência com o magistrado responsável.

Resumindo, até mesmo o preso-interrogando tinha muito a ganhar com a rápida implementação de tal sistema, e inclusive ele, como toda a sociedade, muito perdeu com tal demora.

Outras críticas, mais técnicas, também não resistem a qualquer análise, incluindo-se aí réus ouvidos em outras Comarcas através do instrumento chamado Carta Precatória, quando um Juiz ouve pessoalmente o preso para que outro o julgue.

Fácil de ver que a implementação da vídeoconferência judicial permitiria que o mesmo magistrado que proferirá a sentença tenha contato praticamente pessoal com seu réu, algo muito melhor que a mera leitura de um depoimento.

Vê-se assim, em suma, que ados quase dez anos da pioneira experiência, continua o país a sofrer absurdos atrasos no final de processos pela não apresentação dos réus em juízo, lembrando ao leitor leigo que no Brasil existe um prazo legal de oitenta e um dias, muito menor que na maioria dos paises europeus, para que o processo se encerre quando o réu estiver preso, e a demora em sua apresentação poderá levar pura e simplesmente à liberdade sem julgamento, o que, em casos de perigosíssimos criminosos, são a única saída para evitar que longas penas sejam cumpridas.

Aquela experiência realizada em uma tarde em Campinas destinava-se a demonstrar ao Judiciário e a toda a Sociedade que o uso racional da tecnologia, além de inevitável, somente trará ganhos e visava, como visa, garantir a cidadania a todos, inclusive àqueles que a ofenderam.

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