Opinião

Lei 13.245 representa busca por processo mais justo e transparente

Autores

  • é advogado professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) pós doutor em Direito Penal pela USP doutor em Direito pela UFPE e membro das comissões de Reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro do Código Penal e da Lei de Execução Penal nomeado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

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  • é pós-graduando em Ciências Criminais (Faculdade Baiana de Direito). Graduado em Direito (Universidade Federal da Bahia. 2015.1). Técnico istrativo Ministério Público da Bahia (2012-2015).

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14 de janeiro de 2016, 14h26

A Lei 13.245, publicada em 13 de janeiro de 2016, representa, verdadeiramente, a busca por um processo e procedimento mais justo, mais transparente. Enfim, cuida-se de tentar, aos poucos, transformar o Estado de Direito, em Estado Democrático de Direito. Contudo, é digno de tristeza e lamentação o fato de o legislador infraconstitucional ter de dizer o patente, o óbvio. Explica-se: tudo quanto previsto na novel lei já existia no ordenamento jurídico pátrio, já deveria ser respeitado. Em outras palavras: se o direito penal e processual fossem interpretados sempre à luz dos desígnios constitucionais, jamais precisaria o legislador se dar ao trabalho de asseverar o óbvio ululante.

A nova lei altera o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, dispondo ser direito dos advogados:

Art. 7°.
“XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.”

Percebem-se significativas mudanças em relação à previsão anterior do aludido inciso, Isso porque ampliam-se os direitos não só dos advogados, mas, sobretudo, dos cidadãos, na medida em que, anteriormente, a lei somente fazia menção à “repartição policial”. Na nova lei se fala em “qualquer instituição”. É dizer, toda e qualquer instituição responsável por conduzir investigação deve respeitar o direito conferido aos advogados.

Em boa hora previu a lei a possibilidade de se tomar apontamentos também em meio digital, ao o em que, o dispositivo ado não deixava clara a abrangência da norma (muito embora, repita-se, isso fosse inquestionável). Ademais, a novel lei se refere a investigações de qualquer natureza, findas ou em andamento. Muito importante tal previsão, uma vez que a norma anterior consagrava tão-somente a expressão inquérito. Ou seja, qualquer que seja o procedimento investigativo, deverá ser oportunizado ao advogado a prerrogativa de ter o aos autos, não importando se tratar de investigação criminal, istrativa etc..

A alteração no inciso XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil foi, induvidosamente, benéfica ao projeto democrático previsto em sede Constitucional. Contudo, a mais importante novidade trazida pela nova lei se traduz na inclusão do inciso XXI no rol dos direitos dos advogados. Transcreve-se o dispositivo:

“XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos.”

De há muito vinha se enfraquecendo a fascista tese de que em sede de inquérito policial não existiria defesa e contraditório em algum grau. Ledo engano. Ao menos, à luz dos princípios e garantias insculpidos no projeto democrático consagrado na Constituição da República de 1988. É dizer. Se o advogado é sujeito essencial à justiça, conforme o texto Constitucional, evidentemente, constitui direito de o causídico assistir a seus clientes no bojo de investigação policial.

A consequência para o descumprimento de tal direito é a declaração de nulidade (fatal) de todos os atos que decorram, direta ou indiretamente, do ato que dispensara o defensor (teoria dos frutos da árvore envenenada). A lei, pois, torna incontroversa a possibilidade de ser declarado nulo ato praticado no procedimento investigatório.

Ponto nevrálgico da lei em comento é a consequência de sua inobservância para além da fase policial. Explica-se. Se o procedimento policial não respeitar os direitos consagrados (pela Constituição e, agora, pelo EOAB) tudo que tenha origem no aludido inquérito (peça investigativa) deverá ser considerado nulo. Não se pode aceitar a cínica e conveniente tese de que defeitos no bojo do procedimento investigativo são sanáveis. Ora, de nada adiantaria o legislador positivar tais direitos, se a judicialização do caso penal tivesse o condão de eliminar os graves atentados aos direitos fundamentais — do acusado e do defensor.

Insta salientar que o espírito da nova lei (democrático) leva a crer na acepção ampla da expressão “assistir a seus clientes investigados”. Isso porque, a lisura e eficácia do direito à defesa vão além do acompanhamento tão-somente do investigado. A “assistência ao investigado” para ser real, não pode se limitar ao acompanhamento de sua oitiva.

Necessário que se permita a formulação de quesitos quando da oitiva de testemunhas e/ou suposta vítima, que se possibilite ao causídico o acompanhamento pormenorizado do quanto investigado. É preciso advertir aos leitores que, inacreditavelmente, ainda persistem autoridades policiais (minoritariamente, registre-se que são casos esparsos) que seguem o Direito Penal dos Estados Totalitários, e pensam que o Processo Penal ainda é ditado pelas normas ditatoriais.

Evidentemente, a novel lei prevê como consequência ao embaraço dos direitos dos defensores, a responsabilidade criminal e istrativa do responsável que dificultar ou impedir o o do advogado. Cita-se o dispositivo:

“§12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o o do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer o aos autos ao juiz competente.”

Por óbvio, restarão resguardados os procedimentos sigilosos, os quais serão revelados após apresentação de procuração. O sigilo, neste caso, é para resguardar o interesse do investigado (relacionado, no mais das vezes, a dados relacionados à sua intimidade), razão por que a ele não pode ser oposto. Ademais, a autoridade competente poderá delimitar o o dos advogados aos elementos referentes às diligências em andamento, por exemplo, interceptação telefônica somente enquanto estiverem em curso. Findas, o o é obrigatório, independentemente de qualquer tipo de conclusão por parte do investigador. Mais uma vez, cuida-se de norma a ser interpretada restritivamente, sob pena de fazer letra morta às garantias aqui apresentadas.

Por fim, chama-se atenção para o veto à alínea “b” do inciso XXI, artigo 7° do EOAB. O dispositivo insculpia como direito dos advogados a requisição de diligências. A mensagem de veto dispõe que “o dispositivo poderia levar à interpretação equivocada de que a requisição a que faz referência seria mandatória, resultando em embaraços no âmbito de investigações e conseqüentes prejuízos à istração da justiça”. Nada mais equivocado. Isso porque, o pleito de diligências faz parte do livre exercício da advocacia, além de constituir-se como verdadeira manifestação da ampla defesa, consagrada constitucionalmente. Importante destacar ainda, que interpretação da Constituição e do próprio Código de Processo Penal já permite a formulação de diligências por parte do investigado. O veto, inclusive, contraria a possibilidade de assistência integral ao investigado…

De fato, a positivação de leis, por si só, não possui a força para a necessária mudança político-social. Faz-se mister a mudança (estrutural e de pensamento) dos diversos atores do processo. A nova lei não é salvação, mesmo porque tais garantias já poderiam ser extraídas de interpretação sistemática do texto de 1988. Contudo, em tempos de delações e degradações, em tempos que se escreve que “o problema é o processo”, não deixa de ser alentador ver o Brasil, ao menos uma vez, escolher o caminho de sua Lei Maior, ou seja, escolher a democracia e justiça. Isso porque, não há resultado final justo, se os caminhos são tortuosos e secretos.

Autores

  • é advogado e professor. Doutor em Direito Penal Econômico (UFPE). Membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Penal e da Comissão de Juristas para atualização da Lei de Execuções Penais.

  • é pós-graduando em Ciências Criminais (Faculdade Baiana de Direito). Graduado em Direito (Universidade Federal da Bahia. 2015.1). Técnico istrativo Ministério Público da Bahia (2012-2015).

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