Direito comparado

As sociedades simples e a busca pelo veto presidencial

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18 de agosto de 2021, 13h16

Encontra-se à espera da sanção presidencial um projeto de lei que promete tornar o Brasil mais caro, ineficiente, intervencionista e inseguro para milhares de profissionais que trabalham, pagam impostos e geram empregos.

ConJur
Como advogados e professores integrantes da Rede de Direito Civil Contemporâneo (RDCC) e do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT), organizações sem fins econômicos que colaboraram com a elaboração e a revisão de diversos projetos legislativos, pretendemos apresentar fundamentos relevantes que justificam o veto de dispositivos do PL 15/21, originado da Medida Provisória nº 1.040/21, que, entre outras impropriedades, almeja qualificar todas as sociedades como empresárias, extinguindo as chamadas sociedades simples (não empresárias).

As sociedades simples tradicionalmente servem de e ao desenvolvimento de atividades por profissionais liberais (como, por exemplo, médicos, advogados, arquitetos, engenheiros etc.).

Se virar lei o PL 15/21, esse tipo societário será extinto, majorando ainda mais o "custo Brasil": as atuais sociedades simples, transformadas em empresárias, repentinamente serão obrigadas a contratar consultorias, jurídicas e contábeis, para promover adaptações, entre as quais sublinha-se a adoção de um sistema de contabilidade empresarial, mais complexo e custoso.

O país também ficará mais ineficiente. Inesperadamente, sociedades com décadas de existência terão de deixar de concentrar esforços exclusivamente no bom desenvolvimento de suas atividades para dragá-los, permanentemente, para mudanças em suas relações com os registros públicos (do registro civil à Junta Comercial), com as suas assessorias contábeis e fiscais, com os seus clientes etc.

Sob a perspectiva tributária, por exemplo, algumas sociedades podem ser penalizadas pelo recrudescimento da carga tributária (como, v.g., o tributo ISS para as sociedades de advogados).

O PL 15/21 também destila um novo rompante intervencionista estatal nas relações entre particulares: quem quiser desenvolver uma atividade econômica por intermédio de uma sociedade necessariamente terá de ser empresário! Não há mais escolha!

Até agora no Brasil, e ao que se sabe em boa parte do mundo, ser empresário é uma escolha que envolve ônus e bônus.

O modelo das sociedades empresárias apresenta benefícios (como, por exemplo, a possibilidade de se utilizar da recuperação extrajudicial ou judicial) e custos organizacionais (tal como a escrituração contábil). O modelo da sociedade simples, em sinonímia, é mais descomplicado, porém, além de não poder lançar mão da recuperação, extrajudicial ou judicial, muitas vezes envolve a responsabilidade ilimitada dos sócios.

A mesma Presidência da República que em 2019 propôs uma Medida Provisória da Liberdade Econômica (MP 881/19) agora quer decretar o fim dessa liberdade de escolha dos modelos societários para o desenvolvimento de atividades lucrativas.

Em alguns setores, como na advocacia, até o presente momento é obrigatório que as sociedades adotem o tipo da sociedade simples com responsabilidade ilimitada dos advogados pelos eventuais danos praticados aos seus clientes. Doravante será possível aos advogados se organizarem em sociedades com responsabilidade limitada? Qual o tamanho da insegurança criada pela irrefletida mudança legislativa?

Como ficará a segurança jurídica para os inúmeros atos, contratos e atividades desenvolvidos com sociedades simples, sob o regime jurídico que é pertinente a esse tipo, diante de uma transformação do modelo jurídico societário imposto repentinamente pelo legislador. O Direito Privado exige estabilidade e previsibilidade para as relações, em sentido oposto ao que agora resta ameaçado pelo PL 15/21.

Toda essa repentina, pouco discutida e inesperada transformação tornará o país mais caro, ineficiente, intervencionista e inseguro.

Seria a culpa do estagiário? Só pode ser… Mas ainda há tempo para corrigir os rumos! O veto presidencial é a providência indispensável para se evitar mais um acréscimo de custo ao desenvolvimento de atividades econômicas no Brasil.

Autores

  • é advogado e professor associado de Direito Civil na (UFPR) Universidade Federal do Paraná, mestre e doutor em Direito pela (USP) Universidade de São Paulo, e estágio de pós-doutorado na Universitá Degli Studi do Torino.

  • é pós-doutorando e doutor em Direito Civil pela USP, coordenador e professor do programa de mestrado da Escola Paulista de Direito e presidente do IBDCONT e do IBDFAMSP.

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