Processo Tributário

O direito à celeridade na inscrição da dívida ativa

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  • é advogada em São Paulo mestre e doutora (PUC-SP) professora dos cursos de pós-graduação do Ibet e PUC-Cogeae e pesquisadora do Grupo de Estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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22 de agosto de 2021, 8h00

O advento de novos instrumentos legais voltados à solução de conflitos tributários, materializados, fundamentalmente, nos institutos do negócio jurídico processual e da transação tributária, têm provocado sensíveis alterações na forma de relacionamento entre Fisco e contribuinte, ocasionando a redução da litigiosidade fiscal, a distância relacional entre os sujeitos (ativo e ivo) tributários, bem como alterando os rumos dos processos executivos fiscais.

O negócio jurídico processual, cujo regime jurídico consta do artigo 190 e seguintes do Código de Processo Civil, quando aplicado aos litígios de cunho tributário, constitui um importante instrumento de promoção da efetividade do processo de realização do crédito tributário, já que ite às partes litigantes, Fisco e contribuinte, realizar concessões mútuas sobre o procedimento segundo as especificidades do processo de cobrança, entoando a ideia de instrumentalidade trabalhada em diversos trabalhos desta coluna [1]. Além de trazer maior segurança em relação aos bens aptos a garantir os executivos em curso, dependendo do acerto desenhado entre fisco e contribuinte, se somada alguma das hipóteses do artigo 151 do Código Tributário Nacional, é possível vislumbrar a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários também.

Contudo, a viabilidade de utilização desse novel instituto pressupõe a necessária ocorrência do ato de inscrição em dívida ativa. Tal providência, outrora considerada um expediente meramente formal, atualmente ganhou contornos de destaque, representando o marco a partir do qual se torna possível a composição das partes dentro dos limites legais e regulamentares impostos [2].

A oportunidade para a realização do ato de inscrição em dívida ativa, vale lembrar, inicia-se após o crédito tributário tornar-se definitivo no âmbito istrativo, fenômeno esse que, na hipótese de lançamento de ofício [3], pressupõe o transcurso do prazo de vencimento ou para impugnação istrativa ou o encerramento do processo istrativo tributário, com decisão parcial ou totalmente desfavorável ao contribuinte. Por outro lado, em se tratando de lançamento por homologação, a inscrição do débito em dívida exige o mero vencimento da obrigação.

É preciso asseverar, contudo, que a promoção do ato de inscrição não pode ficar à mercê da vontade do ente tributante. Trata-se, como sói ocorrer de atividade istrativa de natureza vinculada, de ato a ser praticado dentro de limites, temporais inclusive, expressamente estabelecidos em lei.

Há de se observar, assim, o preceituado no Decreto-Lei nº 147, de 3/2/1967, que, em seu artigo 22 [4], estabelece o prazo de 90 dias da data em que se tornarem findos os processos ou expedientes istrativos para que as autoridades competentes encaminhem o crédito tributário à Procuradoria da Fazenda Nacional a fim de que inicie o procedimento de cobrança amigável ou judicial da dívida, que se instala (o procedimento) com a promoção do ato de inscrição em dívida ativa.

Esse dispositivo estava, por certo, com sua aplicabilidade adormecida até o advento do instrumento de composição de conflito tributário supramencionado, de sorte que, a partir do momento em que o ato de inscrição se tornou condição necessária à instauração dos procedimentos compositivos extrajudiciais tributários [5], tornou-se premente sua observância.

Trata-se, não há dúvidas, de prazo de natureza peremptória, a ser rigorosamente observado pelo ente tributante de modo a garantir, de um lado, a efetividade da cobrança dos débitos e, de outro, permitir ao contribuinte soluções alternativas de composição de seus litígios e de equalização de suas garantias.

A inobservância do prazo em comento pode dar azo, inclusive, à adoção de medidas judiciais voltadas ao cumprimento do dever de inscrição do fisco que, deveras, compreende, um direito do contribuinte [6], com vistas a permitir ao contribuinte, por exemplo, aderir aos editais de transação lançados para hipóteses e temas específicos.

De fato, a omissão injustificada em praticar o ato que deve ser efetivamente promovido pelo fisco, de modo a impedir o contribuinte de quitar seus débitos de forma menos onerosa ou, ainda, promover a calendarização de suas garantias, constitui ofensa flagrante a direito subjetivo do sujeito ivo, legitimando a insurgência do sujeito ivo.

Atenta a isso, a Fazenda Nacional editou, em 26/5/2021, a Portaria PGFN/ME nº 6.155, que reforça a necessidade de observância do prazo de noventa dias para a promoção do ato de inscrição do débito tributário em dívida ativa, sendo certo que o fundamento legal da citada portaria é, justamente, o Decreto-Lei 147/1967.

A despeito do acerto quanto à fixação do prazo para a prática do ato de inscrição, o mesmo dispositivo infralegal acima referido estabeleceu que a inscrição do débito deve ser realizada por intermédio do sistema "Inscreve Fácil", cujo prazo de implementação e adaptação para utilização é de um ano.

Nesse contexto, parece-nos evidente que eventual demora na realização da inscrição em dívida ativa decorrente das dificuldades na implementação do sistema "Inscreve Fácil" pode ser extremamente prejudicial ao sujeito ivo, sobretudo no atual contexto da pandemia decorrente da Covid-19, em que muitos contribuintes se encontram inadimplentes ou em mora em relação às suas obrigações tributárias.

O direito do sujeito ivo de aderir aos vigentes programas de composição alternativa de conflitos tributários não pode ser tolhido em razão de expedientes que são de responsabilidade exclusiva dos órgãos fazendários. É direito subjetivo do contribuinte não só que essa inscrição se dê de maneira célere, e dentro do prazo há muito fixado, mas também que eventual omissão das autoridades fiscais não lhe seja prejudicial.

Uma vez que a inscrição em dívida ativa dos débitos tributários materializa verdadeiro direito subjetivo do contribuinte e, em virtude da imprescindibilidade da celebração do ato formal como condição para o exercício de direitos pelo contribuinte, é cabível a adoção de medidas judiciais para fazer cumprir o prazo de 90 dias insculpido no Decreto-Lei 147/67.

 


[2] Como, por exemplo, a Lei 13.988/20 e a Portaria 742/2018 da PGFN

[3] A expressão inclui a lavratura de auto de infração, por se tratar de providência conduzida pela autoridade istrativa.

[4] "Artigo 22 – Dentro de noventa dias da data em que se tornarem findos os processos ou outros expedientes istrativos, pelo transcurso do prazo fixado em lei, regulamento, portaria, intimação ou notificação, para o recolhimento do débito para com a União, de natureza tributária ou não tributária, as repartições públicas competentes, sob pena de responsabilidade dos seus dirigentes, são obrigadas a encaminha-los à Procuradoria da Fazenda Nacional da respectiva unidade federativa, para efeito de inscrição e cobrança amigável ou judicial das dívidas deles originadas, após a apuração de sua liquidez e certeza".

[5] A expressão está no plural integrando a transação como mecanismo alternativo de solução de conflito de interesse, o qual será objeto de posterior trabalho.

[6] A esse respeito, leciona Paulo Cesar Conrado: "De todo modo, se é fato, no mundo vivo, que a inércia (processualmente lícita) da istração projeta efeitos prejudiciais (materialmente falando) em relação a esse outro sujeito, não é possível negar que o processo de execução fiscal, tal como vínhamos falando, ostenta um "duplo viés": representa, para a istração, um direito e um dever; vista como dever da istração, execução representa, por outro lado, um direito do contribuinte-istrado (o de ser executado e, com isso, garantir o cumprimento da obrigação exequenda, com todas as consequências materiais que daí derivam — inclusive a preconizada pela combinação dos arts. 205 e 206, já copiados, do Código Tributário Nacional)." — in Antecipação de garantia tendente à satisfação de crédito que esteja por ser executada: o que muda (se é que muda) com o novo C?; in Processo Tributário Analítico, volume III, CONRADO, Paulo Cesar, coord., São Paulo: Noeses, 2016, ps. 247/263.

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  • é advogada em São Paulo, mestre e doutora (PUC/SP), professora dos cursos de pós-graduação do Ibet e PUC-Cogeae e pesquisadora do Grupo de Estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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