Opinião

STF confirma incidência do ISS sobre licenciamento de uso de software

Autor

  • é coordenador tributário no FNCA Advogados mestre em Direito Econômico e integra a Comissão Especial de Contencioso Tributário da OAB/SP.

    Ver todos os posts

23 de fevereiro de 2021, 15h43

Na última semana, o STF realizou a continuidade do julgamento iniciado no começo de novembro de 2020 das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5659 e 1945, ajuizadas contra normas federais e dos Estados de Mato Grosso e Minas Gerais para afastar a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre software, em especial naquelas operações em que houver o licenciamento ou a cessão do direito de uso desses programas de computador.

Na última sessão, após o voto vencido do ministro Nunes Marques,

restou consolidado entendimento externado pelo voto do ministro relator Dias Toffolli, de forma a reconhecer a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), e não ICMS, tanto para os softwares padronizados quanto para aqueles produzidos por encomenda. Porém, ficou para a próxima sessão decidir a partir de quando o entendimento a a valer para todos os contribuintes. No voto vencedor, resta consignando que a decisão deveria valer somente após a publicação da ata de julgamento, situação que impede os municípios de cobrar ISS de quem já pagou ICMS sobre operações de softwares, e os contribuintes não poderiam pedir ressarcimento.

Na ADI 1945, a discussão foi sobre a constitucionalidade da Lei 7.098/1988 do Estado de Mato Grosso, enquanto na ADI 5659 o debate foi acerca da incidência do ICMS sobre o software com base no Decreto 46.877/2015, na Lei 6.763/1975 de Minas Gerais e no artigo 2º da Lei Complementar 87/1996. No entanto, o final do julgamento da Corte Suprema teve impacto em todos os casos que envolvem a mesma discussão (ICMS) e extravasarão para o ISS.

O ministro Dias Toffoli, relator da ADI 5659 proposta pela Confederação Nacional de Serviços (CNS), quando do início do julgamento da questão, em 4/11/2020, entendeu pela não incidência do ICMS nas operações envolvendo o fornecimento de software mediante licenciamento ou cessão do direito de uso, ainda que se trate de "software de prateleira" (customizado ou não) e independentemente do meio utilizado para a transferência (por exemplo, por meio de para própria máquina do consumidor ou mediante o via cloud computing).

Vale salientar que, embora o relator na ocasião tenha manifestado o entendimento de que o conceito de mercadoria pode abranger bens incorpóreos (imateriais), destacou que na licença de software não há transferência da propriedade do software ("circulação jurídica"), o que afasta definitivamente a incidência do ICMS.

Importante rememorar que Toffoli naquela sessão destacou que no caso do software as a service (SaaS), além do serviço previsto no item 1.05, poderia ficar caracterizada a prestação de outros serviços sujeitos ao ISS, como o armazenamento em nuvem, previsto no item 1.03.

Votaram no mesmo sentido de Toffoli os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. E, na conclusão, pelo afastamento da incidência do ICMS sobre o licenciamento e a cessão de direito de uso de software, apenas o ministro Marco Aurélio.

A ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI 1945, e o ministro Edson Fachin divergiram do entendimento de Toffoli sob o argumento de que programas de computador só não são considerados mercadoria quando se contrata o serviço para desenvolvê-los. Quando a criação intelectual é produzida em série e há atividade mercantil, deve incidir o ICMS, e não o ISS.

O ministro Gilmar Mendes divergiu em parte ao itir a incidência do ISS sobre os softwares desenvolvidos de forma personalizada e do ICMS sobre os softwares padronizados, comercializados em escala industrial e massificada.

Na retomada do julgamento agora em fevereiro, conforme explicitado, o ministro Nunes Marques proferiu voto vencido pela incidência do ICMS no licenciamento e na cessão de direito de uso dos softwares, valendo como voto condutor a decisão do ministro Toffoli.

Ainda cumpre registrar que o ministro Marco Aurélio, apesar de concordar com a não incidência do ICMS, votou desde já contra a modulação dos efeitos da decisão, devendo, na sua visão, ter efeitos retroativos.

Modulação de efeitos do julgamento
Foi discutida na sessão de novembro de 2020 a possibilidade de modulação de efeitos dessa decisão, postergando sua eficácia para os fatos geradores ocorridos após a sessão que concluir o julgamento, situação em que mesmo as empresas que tiverem ingressado com ação judicial não poderão se aproveitar dos efeitos dessa decisão para o ado.

Agora, quando da sessão de julgamento realizada na semana ada, o STF decidiu no dia 18 que os softwares serão tributados apenas pelo ISS, considerando os de prateleira (ofertados no varejo) e por encomenda (personalizados de acordo com as necessidades das empresas), em uma decisão de sete votos a três, deixando a questão da modulação de efeitos para a próxima sessão.

No entanto, desde já temos dois cenários registrados. O primeiro posicionamento do ministro relator Dias Toffoli, o qual expressou no voto condutor que a decisão deveria valer somente após a publicação da ata de julgamento, situação que impede os municípios de cobrar ISS de quem já pagou ICMS sobre operações de softwares, e os contribuintes não poderiam pedir ressarcimento. A segunda posição é do ministro Marco Aurélio, que defende a não modulação dos efeitos da decisão, ou seja, de que a norma já nasceu morta e, portanto, a decisão deve ter efeitos retroativos.

Não obstante, importante registrar que ainda aguardam julgamento a ADI 5576/SP de 2016, ajuizada pela Confederação Nacional de Serviços (CNS), e a ADI 5958/SP de 2018, levada ao STF pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), em relação às leis paulistas que tratam do tema, as quais devem seguir os mesmos parâmetros do julgamento com repercussão geral no STF.

Impacto do julgamento
Ante o exposto, constatamos que as razões de decidir do STF ultraaram a discussão sobre a incidência do ICMS sobre o de softwares padronizados, conhecidos como "de prateleira", e afetam a regra matriz de incidência deste imposto também sobre os softwares padronizados vendidos em e físico, bem como aqueles padronizados disponibilizados na nuvem, além dos disponibilizados por ou e físico, ainda que padronizado e o ISS sobre SaaS.

Antes do julgamento, o entendimento da corte foi dicotômico por décadas. Como resultado, agora, tanto softwares de prateleira quanto os personalizados deverão pagar apenas ISS.

Em casos como o presente, no qual há nítida alteração de jurisprudência pacificada, a Corte Suprema tem procedido com a modulação de efeitos sugerida pelo ministro Dias Toffoli, sendo esse, inclusive, o entendimento esperado pela maioria das entidades do setor.

Portanto, apesar do reconhecimento da não incidência do ICMS na sessão de julgamento de fevereiro de 2021, resta um capítulo fundamental a ser enfrentado definitivamente pelo STF, qual seja, a modulação dos efeitos de tal decisão no tempo (retroage ou não e em quais casos), isso porque possui o potencial de atingir situações já consolidadas e recolhimentos já efetuados pelas empresas.

Autores

  • é coordenador tributário no FNCA Advogados, mestre em Direito Econômico e possui mais de 17 anos de atuação no mercado, com grande atuação na área, em questões consultivas e de contencioso.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!