Opinião

O caso Neer v. Mexico e seus efeitos no Direito Internacional do Investimento

Autor

  • é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

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11 de novembro de 2021, 10h43

O caso Neer v. Mexico consistiu na análise se o governo mexicano atuou de forma contrária ao princípio do Direito Internacional de tratamento aos estrangeiros como os nacionais. Um cidadão norte-americano foi morto no território mexicano em 1924 e o governo dos Estados Unidos alegou negação de Justiça, em virtude da ausência de atuação do Estado em garantir a segurança dos estrangeiros (ausência de diligência) e de punir os criminosos (ausência de investigação policial).

O caso foi tratado em 1926, por meio de uma comissão bilateral para análise de reivindicações mistas (Mixed Claims Commission United States and Mexico). A comissão atual em dois pontos:

a) Se atos governamentais se estenderiam out não a todos os poderes domésticos, fincado submetidos a um padrão internacional de proteção frente à negação do o à Justiça;

b) Se a atuação da polícia e magistrado locais no México se enquadrariam em ausência de diligência na apreensão e punição dos culpados do homicídio do cidadão americano.

A interpretação do primeiro ponto envolve a avaliação se o conceito de "negação de justiça" se aplicariam somente para as cortes (entendimento ) ou também seria extensível para os poderes Executivo e Legislativo (entendimento amplo).

A comissão entende que: 1) os atos governamentais de todos os poderes se submetem a padrões internacionais; e 2) o tratamento de um estrangeiro (alienígena), para que seja considerado uma infração do padrão internacional, mediante a ocorrência de um ultraje, má-fé, negligência do dever de agir ou atos impróprios, não ocorreu no caso em tela.

O caso é paradigmático ao confrontar o princípio da soberania do Estado, inclusive do legítimo exercício da sua jurisdição em seu território. Ou seja, crimes de homicídio em território mexicano, independentemente da nacionalidade do indivíduo (autor ou réu) submete-se à corte doméstica do país e se utiliza as legislações aprovadas no Estado. A defesa da soberania estatal estaria relativizada somente em um ponto específico: quando for verificado a negação de justiça (em inglês, denial of justice). Essa negação se observa na obstrução do Estado a um indivíduo de outra nacionalidade (alienígena) quanto ao seu direito de apresentar um pleito perante um juiz, o direito de ambas as partes a um tratamento justo durante o processo e o direito de receber uma decisão apropriada ao final do processo [1].

No caso Neer, os comissários, munidos do inquérito e demais informações readas pelo governo mexicano, decidiram pela impossibilidade de se alegar negação de Justiça, uma vez que as autoridades agiram com diligência na busca dos criminosos. O princípio teria um limite que obedece à razoabilidade humana.

Outrossim, o caso é interessante ao revelar o liame entre os sistemas jurisdicionais nacionais que convergem para um único conjunto normativo, o Direito Internacional, o que a decisão se valeu do termo family of nations. A opinião separada do integrante da comissão, Fred K. Nielsen, atesta que o Direito Internacional reconhece o direito à soberania nos atos relacionados à sua competência doméstica e, além disso, acrescenta que tais regramentos domésticos devem obedecer ao Direito Internacional. Caso ocorra uma falta observação de tais regras internacionais, haveria a configuração de uma infração internacional [2].

O caso Neer é paradigmático principalmente para o Direito Internacional do Investimento, em que se remete a este julgado para apresentar a existência de um costume do Direito Internacional configurado em uma proteção mínima internacional do estrangeiro no Estado receptor do investimento. A falha do Estado em garantir o à Justiça, a condução imparcial de um processo ou mesmo o recebimento de uma decisão pela corte doméstica, constitui fundamento para que o investidor alegue negação da Justiça e recorra ao nível internacional.

Na ausência de um acordo internacional a definir uma solução de controvérsia pela via arbitral ad hoc, o investidor estrangeiro teria o seu direito de solicitar a proteção diplomática ao Estado de sua nacionalidade.

A questão que se coloca é o que se configuraria negação da Justiça? Ou seja, qual seria o nível de serviço governamental de um Estado que poderia ser considerado satisfeito ou negligente, o que se encaixaria na exigência de uma proteção no Direito Internacional?

O próprio caso Neer, ainda na opinião separada do integrante da comissão, Fred K. Nielsen, expressa a dificuldade em precisar o ato governamental doméstico, o que este entendeu que deveria ser medido conforme os padrões civilizatórios ordinários. Mesmo o integrante da comissão reconhecendo que existem diferentes civilizações, ainda defendeu a posição quando o ato governamental for reconhecidamente munido de erro, fraude ou evidente ultraje. Contudo, a defesa apresentada se sustenta em fundamentos eminentemente subjetivos. Principalmente, observa-se uma alegada divisão entre nações "civilizadas" e "não civilizadas", relativizando o princípio da igualdade soberana dos Estados e o seu direito fundamental de determinar a sua estrutura política e econômica de forma autônoma.

O termo "civilizado" também encontra-se previsto no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça [3] ao tratar das doutrinas dos indivíduos de maior renome, desde que pertençam às "nações civilizadas”. Ciente que a redação havia sido continuada do estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional, criado em 1919, observa-se ainda uma persistente herança do período do imperialismo (final do século 19 e início do século 20), em que as nações europeias se julgavam superiores aos demais povos e, consequentemente, o Direito Internacional refletiu em suas regras tais posicionamentos colonizadores.

Dessa forma, o que se entende por um tratamento mínimo internacional consiste em um tratamento reconhecido por potências europeias ou ocidentais. Essa alegação de um tratamento mínimo internacional, ou seja, expandido de uma posição local europeia, será o fundamento de vários casos arbitrais de investimento ao longo dos séculos 20 e 21, ampliando a sua interpretação, ultraando a defesa e o tratamento razoável ao estrangeiro, para a defesa da propriedade estrangeira e a necessidade do Estado receptor de capital externo garantir expectativas básicas ou legítimas. Essa ampliação gera o debate sobre a proteção do investidor frente ao direto legítimo do país em regular o interesse público.

 


[1] DOLZER Rudolf, SCHREUER Christoph. Principles of International Investment Law. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 164.

[2] UNITED NATIONS. L. F. H. Neer and Pauline Neer (U.S.A.) v. United Mexican States. Reports of international arbitral awards. 15 de outubro de 1926. vol. IV p. 60-66. Disponível em: https://legal.un.org/riaa/cases/vol_IV/60-66.pdf. o em: 30 out. 2021, p. 64.

[3] BRASIL. Decreto n.º 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm.  o em: 30 out. 2021.

Autores

  • é advogado e especialista em Direito Internacional do Investimento e em Parcerias Público-Privadas, doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, mestre em Direito Internacional e Graduado em Direito pela UFMG, graduado em istração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, professor de MBA de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas na PUC Minas e na Fundação João Pinheiro, especialista público de carreira e assessor de investimentos internacionais da vice-governadoria do Estado de Minas Gerais.

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