Opinião

Fazenda vence disputa no TIT/SP contra a Zona Franca de Manaus

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11 de abril de 2022, 15h03

Em sessão temática realizada no último dia 24 de março, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT/SP) decidiu, por maioria, pela legitimidade da glosa de créditos de ICMS pelo fisco paulista em operações interestaduais cujos remetentes se localizam na Zona Franca de Manaus (ZFM), que receberam incentivos sem a autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

O julgamento era um dos mais aguardados há alguns anos e a tese firmada pela instância máxima do tribunal será aplicável para todos os demais processos istrativos que tratam sobre a matéria.

O ponto central da discussão é a recepção, pela Constituição Federal de 1988, do artigo 15 da Lei Complementar nº 24/75 (LC 24/75), que confere um tratamento específico para benefícios de ICMS no âmbito da ZFM.

O tema foi amplamente debatido entre os juízes durante a sessão temática, com um placar final acirrado, em sentido favorável à Fazenda Estadual.

Apesar de algumas divergências de interpretação, um ponto comum entre os votos favoráveis à Fazenda Estadual parece ser o entendimento de que o mencionado dispositivo legal foi recepcionado pela Constituição Federal, contudo, deveria ser conferida uma interpretação sistemática ao benefício de ICMS concedido à ZFM de acordo com a nova ordem constitucional — o que, na prática, implica afastar a sua aplicação nos casos concretos em julgamento, por suposta inobservância à Constituição Federal e à necessidade de autorização do Confaz.

Contudo, esse posicionamento é questionável, considerando que em julgamento istrativo "é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade" (artigo 28, da Lei nº 13.457/2009, que trata sobre o processo istrativo tributário paulista).

Como se não bastasse, a mesma interpretação sistemática sustentada pelos votos vencedores deveria conduzir, a nosso ver, à conclusão contrária que prevaleceu no julgamento, isto é: à legitimidade dos créditos de ICMS apropriados pelos contribuintes paulistas em tais operações, em decorrência da expressa previsão do próprio artigo 15 da LC 24/75.

Ainda, nos votos favoráveis à Fazenda Estadual também foi levantada a questão de que a Câmara Superior do TIT já teria se manifestado em sessão temática anterior quanto à possibilidade da glosa de créditos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos por outras Unidades da Federação, sem aprovação pelo Confaz, em operações interestaduais de compra e venda.

Esse ponto, na nossa visão, também merece ressalvas, já que a questão que estava em discussão nessa sessão temática é diferente daquela anteriormente analisada, pois, neste caso, trata-se de benefícios concedidos no âmbito da ZFM, que possui um tratamento específico e constitucionalmente protegido em prol do desenvolvimento da região.

Tanto se trata de situações fático-jurídicas distintas que a controvérsia sobre os créditos de ICMS decorrentes de operações na ZFM foi objeto de sessão temática própria, realizada agora. Essa diferenciação ("distinguishing") entre as duas situações foi levantada por alguns dos juízes que votaram favoravelmente à tese dos contribuintes, mas infelizmente não prevaleceu.

Justamente sob essa ótica, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou pela singularidade da ZFM e a necessidade de fomentar o desenvolvimento da área mediante a concessão de benefícios fiscais (ADI nº 310/MT).

A diferenciação de tratamento à ZFM também foi adequadamente realizada em julgamento envolvendo o direito ao crédito do IPI em operações isentas, provenientes daquela região (RE 592.891); naquele julgamento, o STF entendeu que diferentemente das operações isentas de IPI provenientes das demais regiões do país, aquelas provenientes da ZFM deveriam garantir o direito ao crédito do imposto como forma de viabilizar o fomento do desenvolvimento da área.

Diante desse cenário, caberá aos contribuintes buscar o Poder Judiciário para a defesa da legitimidade dos créditos. Destaca-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo analisou o tema em poucas oportunidades, mas já se manifestou de forma favorável à tese dos contribuintes (Processos nº 4019801-26.2013.8.26.0114 e nº 9132812-77.2005.8.26.0000).

Mais um detalhe que vale ser analisado: o placar final da sessão temática e suas possíveis implicações na discussão judicial que se seguirá sobre o tema. A Câmara Superior do TIT é um órgão paritário, composto por oito juízes representantes da Fazenda e 8 juízes representantes dos contribuintes. É presidida pelo presidente do tribunal, representante da Fazenda, cabendo a ele o voto de desempate. Na sessão temática foram proferidos nove votos favoráveis à Fazenda Estadual e sete votos favoráveis aos contribuintes.

Caso o placar tivesse sido de 8 x 8, o voto do presidente, que foi favorável aos interesses da Fazenda Estadual, desempataria o julgamento e o resultado final seria o mesmo. Entretanto, nessa hipótese os contribuintes poderiam discutir, na esfera judicial, a legitimidade do chamado "voto de qualidade" — que atualmente se encontra sob o escrutínio da Corte Especial do TJ-SP (arguição de inconstitucionalidade n.º 0033821-63.2021.8.26.0000) — além de todos os argumentos que certamente serão suscitados para demonstrar a regularidade dos créditos de ICMS nas operações com a ZFM.

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