Saldo do uso de câmeras nas fardas da PM é positivo, diz presidente do TJM-SP
17 de abril de 2022, 9h50
A iniciativa de acoplar câmeras de monitoramento é apontada como uma das principais razões para a queda da letalidade da Polícia Militar de São Paulo em 85% nos últimos sete meses de 2021. O dado foi divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo. Essa redução, contudo, não pode ser atribuída apenas ao monitoramento, porque a letalidade policial aumenta ou diminui conforme os problemas criminais se apresentam. O diagnóstico é do presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, Orlando Eduardo Geraldi.
Em entrevista à ConJur, o presidente do TJM-SP — que tomou posse em março deste ano — avalia que o saldo da implantação das câmeras é positivo. "Já houve identificação de excessos e os policiais foram condenados por eles. Também já foi possível identificar casos em que o policial agiu estritamente dentro dos limites de sua atuação", explica.
O magistrado, contudo, faz a ressalva de que as câmeras só mostram um ângulo de atuação e não conseguem mostrar o ambiente em que o PM está agindo. Geraldi também pondera sobre como o desconhecimento da sociedade civil sobre os limites da competência policial prejudica os trabalhos da PM. "Muitas vezes cidadãos que foram vítimas de um roubo ou tiveram parentes assassinados acreditam que a chegada da polícia militar tem que resultar na morte de algum criminoso", diz.
Geraldi tem como meta de sua gestão a implantação do processo judicial eletrônico na área criminal do TJM-SP, tanto em primeiro como em segundo grau. A implantação do PJe no âmbito do tribunal representa um desafio, já que a Justiça Militar tem algumas peculiaridades processuais em relação à Justiça comum.
Ele também defendeu a manutenção da polícia militarizada, exaltou a celeridade da Justiça Militar e se mostrou contrário à criação de uma quarentena eleitoral para policiais. Por fim, ele se opôs à criação de um regramento para o uso de redes sociais por parte de agentes de segurança pública, que muitas vezes atuam como influencers.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
ConJur — É necessária uma Justiça Militar? Qual a sua importância?
Orlando Eduardo Geraldi — É um trabalho constante de todos que compõem a Justiça Militar como um todo demostrar a importância da Justiça especializada para as instituições militares. Nossos jurisdicionados em São Paulo são todos os policiais militares e bombeiros militares. É importante enfatizar que Justiça Militar como Justiça especializada tem como principal objetivo manter os princípios de hierarquia e disciplina da instituição militar. Ela tem um efeito preventivo, corretivo e, dada a sua celeridade, fornece uma resposta rápida ao cometimento de qualquer crime ou problema istrativo e disciplinar.
ConJur — Nos últimos anos diversos tribunais têm feito esforço notório para dialogar com a sociedade e atender a demanda de informações sobre o funcionamento do Poder Judiciário. O senhor acredita que esse movimento deve também pautar os esforços do TJM-SP?
Orlando Eduardo Geraldi — Não tenho dúvida disso. Precisamos demonstrar que a resposta rápida do TJM-SP à Polícia Militar e à sociedade tem efeito imediato na tropa. E isso resulta em aperfeiçoamento constante do trabalho praticado pela Polícia Militar. Não é por acaso que a PM hoje tem uma série de procedimentos operacionais que balizam a conduta do policial militar. Quando isso é descumprido ou algum agente incorre em crime, a resposta rápida acaba tendo efeito preventivo.
ConJur — Quais os principais desafios do TJM-SP, e como deseja que sua gestão seja marcada?
Orlando Eduardo Geraldi — No TJM-SP hoje o nosso foco é na informatização e na implantação do processo judicial eletrônico. Já implantamos na área cível e estamos focados em implantar no processo criminal. Enfrentamos alguns desafios porque o próprio julgamento da Justiça Militar tem peculiaridades em relação à Justiça comum. O foco principal da minha gestão é implantar o PJe na área criminal de primeiro e segundo grau no TJM-SP.
ConJur — Quais peculiaridades o senhor gostaria de ressaltar para as pessoas entenderem?
Orlando Eduardo Geraldi — Alguns julgados são da competência originária da Justiça Militar. Um exemplo disso é o Conselho de Justificação. Ele existe porque todos os oficiais da PM-SP que detêm a vitaliciedade só podem ser demitidos após julgamento desse conselho. Quando o policial comete algum crime ou transgressão de natureza grave, a própria PM pede a instauração desse conselho e, após as investigações, esse processo é remetido para análise do tribunal. Só assim o oficial da PM de tenente a coronel pode ser demitido da corporação.
Outro processo de competência originária é o de representação para indignidade. Quando um oficial é condenado criminalmente, ele também será julgado eticamente pelo TJM-SP para verificar se ele terá condições de seguir na corporação. Também existe a representação para perda da graduação que envolve especificamente as praças da corporação após representação do Ministério Público e pode resultar na perda da graduação.
ConJur — Qual o volume dos casos julgados pelo TJM-SP? Críticos afirmam que a manutenção da Justiça Militar é cara em relação à sua demanda.
Orlando Eduardo Geraldi — Quanto mais processos a Justiça Militar tiver, consequentemente, a instituição militar que ela tem competência para julgar estará comprometida. A própria sociedade não teria interesse que as instituições militares estivessem tão comprometidas ao ponto de termos uma demanda muito grande na Justiça Militar.
A Justiça Militar tem a função primordial de exercer controle e fiscalização e, principalmente na resposta rápida, para manter a instituição militar dentro da sua função, que é prover um serviço de qualidade para a sociedade. A Justiça Militar é a mais célere do Poder Judiciário também em razão do número de processos ser menor.
O TJM-SP tem uma estrutura enxuta e que tem dado respostas rápidas. Para se ter ideia julgamos em segundo grau todas em apelações em no máximo 150 dias. Isso é o que se desejaria para todos os ramos de Justiça. Não há condições de estabelecer comparativos com a Justiça comum, que tem um leque muito maior de ramificações e um número muito maior de jurisdicionados.
ConJur — A Lei 13.491/2017, que aumentou a competência da Justiça Militar, até hoje é bastante questionada por juristas. Qual a sua opinião sobre o tema?
Orlando Eduardo Geraldi — O aumento de competência sempre é bem-vindo e eu nunca vi nenhum problema gerado por essa lei. Os crimes que foram adicionados à competência da Justiça Militar foram prontamente analisados e julgados.
Em 2004 a Emenda Constitucional 45 trouxe um fortalecimento da Justiça Militar e muita discussão. Na época, quando a competência sobre os crimes dolosos contra a vida ou para o tribunal do júri se dizia que havia certo corporativismo da Justiça Militar para julgar esses crimes. Posteriormente, foi possível constatar que o número de condenações na Justiça Militar era muito maior do que ocorre atualmente no tribunal do júri.
ConJur — As Forças Armadas devem fazer segurança pública?
Orlando Eduardo Geraldi — Toda instituição deve ser empregada para aquilo que foi treinada. O uso das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro não foi provocado por falhas da PM daquele estado, mas por problemas sociais e aumento da criminalidade que obrigaram um aumento exponencial de efetivo, e o que existia na época foi o emprego das Forças Armadas. Não é que eu veja isso com maus olhos, mas é não existe um treinamento específico para atuação em segurança pública nas Forças Armadas. E isso acabou gerando problemas.
ConJur — O que o senhor acha da desmilitarização da PM?
Orlando Eduardo Geraldi — Sou oriundo da Polícia Militar de São Paulo. É uma instituição idônea, correta e que tem como a principal característica a transparência em demonstrar tudo que ocorre internamente. Hoje tem uma profissionalização muito grande no trabalho de prevenção da prática de crimes.
Eu costumo dizer que a Polícia Militar não varre nada para debaixo do tapete. A PM apura toda e qualquer informação. Até qualquer denúncia anônima é apurada em riqueza de detalhes pela corporação.
Esse estigma da PM e de outras instituições militares foi criado por pessoas que tiveram em algum momento um problema com um militar ou alguma instituição militar. Eu não entendo que a sociedade como um todo veja como um problema termos uma polícia militarizada. O estigma da ditadura e de outras coisas relacionadas ao militarismo já está um tanto ultraado.
ConJur — O presidente do Tribunal Superior Militar, Luis Carlos Gomes Mattos, declarou em entrevista à ConJur que o desvio de atribuições das Forças Armadas aumenta corrupção. Qual a sua opinião?
Orlando Eduardo Geraldi — O emprego das Forças Armadas no trato direto com a criminalidade é complicado porque os militares não foram treinados para esse contato e também para ações policiais.
O contato direto com marginais pode sim potencializar o problema da corrupção e, por isso, eu destaco a importância da justiça especializada para julgar os agentes envolvidos em crimes de corrupção. O principal objetivo dos comandantes e do TJM-SP é expurgar do seio da tropa aqueles que cometem qualquer tipo de crime.
Não há nenhum corporativismo por parte de nenhuma instituição ou do TJM-SP. Alguns costumam dizer que isso é cortar da própria carne. Nem a PM e nem o tribunal têm qualquer problema em expurgar aqueles que cometem crime. Infelizmente, já chegamos a ter no TJM-SP muitos julgamentos de conselhos de justificação que resultaram na demissão de mais de um oficial por mês. Isso mostra para a tropa que ninguém, absolutamente ninguém recebe nenhum tipo de benefício ou acobertamento.
ConJur — O senhor acredita que é preciso criar novos padrões ou adaptar o treinamento dos policiais militares para evitar a corrupção de agentes militares?
Orlando Eduardo Geraldi — Nenhum componente da corporação vem de outro mundo. Ele é um reflexo da sociedade em que ele vive. Se nós amos a identificar alguma conduta errada, ele acaba por agir como muitos outros da sociedade civil.
Quando ocorre qualquer tipo de problema na rua, a principal atitude da vítima ou testemunha é chamar a Polícia Militar. Quando a PM chega, todos costumam ter o mesmo comportamento que é o de confiar na atuação da polícia. Por causa desse respeito, não podemos tolerar nenhum desvio de conduta.
ConJur — É comum ver-se viaturas em São Paulo ando no farol vermelho, andando em faixas exclusivas de ônibus, estacionados em calçadas, praças e locais proibidos. As leis de trânsito não valem para a polícia? Como coibir abusos?
Orlando Eduardo Geraldi — Qualquer componente da PM sabe que qualquer desvio de conduta será exemplarmente apurado e punido. Ele sabe que isso afasta a indisciplina. Quando a PM estaciona na calçada, por exemplo, aquilo é identificado como ponto de estacionamento. O agente tem que se colocar de forma visível para qualquer cidadão que possa necessitar da PM. Muitas vezes esses pontos de estacionamento são usados para aumentar a sensação de segurança daquele local em que os agentes patrulham.
Sobre outros desvios, como andar na contramão ou em faixa de ônibus: se o policial não estiver em momento de ocorrência e isso for comprovado, ele paga multa e sofre uma sanção disciplinar por isso. Quando o PM colide uma viatura e é apurado que houve uma falha, o policial terá que pagar o conserto da viatura e punido istrativamente.
ConJur — O uso de câmeras de monitoramento no fardamento de policiais militares tem provocado muita discussão. Os críticos afirmam que elas limitam a atuação do agente de segurança. Já outros sustentam que elas proporcionam mais segurança ao policial militar, já que podem comprovar a atuação destes dentro da legalidade. Qual a sua opinião?
Orlando Eduardo Geraldi — As câmeras trouxeram um debate interessante não só no meio militar como na própria sociedade civil. Muita gente não tem qualquer entendimento sobre até onde vai o limite de atuação de um policial militar. Muitas vezes, cidadãos que foram vítimas de um roubo ou tiveram parentes assassinados acreditam que a chegada da polícia militar tem que resultar na morte de algum criminoso.
Para a instituição, houve um saldo positivo que pode ser dividido em dois aspectos principais. O primeiro diz respeito ao aumento do controle sobre a atuação do policial militar em qualquer nível. Alguns dizem que houve redução da letalidade da PM por conta das câmeras. A letalidade oscila conforme os problemas criminais que se apresentam. Já houve identificação de excessos e os policiais foram condenados por eles. Também já foi possível identificar casos em que o policial agiu estritamente dentro dos limites de sua atuação.
Um problema é que a câmera só mostra um ângulo de atuação e não consegue mostrar o ambiente em que o PM está atuando. O policial militar tem que agir ou reagir em frações de segundo e muitas vezes isso não é compreendido pela pessoa que tem o resultado da ação na família ou em uma pessoa próxima. Mas ele é muito respeitado e entendido por aqueles que precisam dessa sensação de segurança. Vejo com bons olhos a questão das câmeras, já que é um bom elemento de produção de prova para condenar ou inocentar agentes de segurança.
ConJur — O senhor é a favor de uma quarentena eleitoral para militares?
Orlando Eduardo Geraldi — A pessoa que saiu da sociedade civil para ingressar na PM ou nas Forças Armadas tem que ter os mesmos direitos. Se essa pessoa tiver algum impedimento para se candidatar a cargos públicos, o próprio partido ou a Justiça Eleitoral vai se encarregar disso.
A partir do momento em que se cria uma quarentena só porque se trata de um militar se faz uma distinção e um pré-julgamento. Por que fazer essa distinção?
O que não pode, tanto para agentes de segurança como para membros do Judiciário e do MP, é se utilizarem de suas funções para aparecem mais que qualquer cidadão.
ConJur — É cada vez mais comum agentes de segurança atuando como influencers digitais. O senhor é a favor de um regramento para disciplinar isso ou acredita que cada caso deve ser analisado individualmente?
Orlando Eduardo Geraldi — As redes sociais trouxeram muitos benefícios, mas também prejuízos. Hoje, qualquer cidadão que detém um celular, por menor que seja, tem o a todas as redes sociais e é preciso considerar o direito da livre manifestação. O que deve ser combatido é a divulgação de notícias falsas. Mas a liberdade de expressão, seja para policiais ou membros do MP e do Judiciário, deve ser a mesma de qualquer pessoa da sociedade.
Cada pessoa que se manifesta em uma rede social tem total responsabilidade sobre aquilo que falou. É preciso vedar o anonimato e coibir abusos conforme a lei. A liberdade de expressão é o que nós temos de melhor e não deve ser coibida de forma nenhuma.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!