Demurrage e a responsabilidade solidária do despachante aduaneiro
20 de agosto de 2022, 17h11
O presente trabalho busca abordar um problema que atormenta a categoria dos despachantes aduaneiros, que é a taxa de sobreestadia de contêineres, conhecida como demurrage. Ao final, refletiremos sobre possíveis soluções à coação sofrida pela categoria, ante a exigência de que conste a do despachante aduaneiro no termo de responsabilidade para devolução de contêineres.

Pois bem, o cerne da questão é o da responsabilidade solidária que os despachantes aduaneiros assumem em documento formulado previamente por representantes dos armadores, de natureza adesiva, o que é decisivo pelo nosso ordenamento jurídico, a se ver da jurisprudência reiterada emanada de nossos tribunais e de todas as instâncias. Segundo entendimento jurídico, referido termo é interpretado como um aditivo contratual do conhecimento de embarque (contrato de transporte marítimo), e caso o despachante aduaneiro assine, representando o importador, anui com as tarifas de demurrage praticadas pelo armador sendo responsabilizado solidariamente pela eventual indenização na hipótese de ocorrência de sobreestadia.
Não é incomum, principalmente levando em consideração a imprevisibilidade na fiscalização realizada pela aduana brasileira, que o importador atrase a devolução do contêiner, fazendo surgir uma dívida de demurrage que acaba por se alastrar no tempo, perfazendo um montante incompatível com qualquer critério de razoabilidade e proporcionalidade.
Diferente do frete marítimo, que permite ao transportador bloquear a entrega da carga ao consignatário, a taxa de sobreestadia inadimplida pelo importador não é motivo suficiente para o bloqueio. Na prática, o importador paga o frete ao armador (ou agente de carga), desembaraça a mercadoria e posteriormente quita a taxa de sobreestadia gerada.
Importante destacar que o despachante aduaneiro atua como mero intermediário e não deve assumir nenhuma responsabilidade no termo de devolução de contêiner, tendo em vista que não é parte legítima para figurar no polo ivo de ação de cobrança que tem por finalidade a cobrança de valores decorrentes do atraso na devolução do contêiner.
Via de regra, o despachante aduaneiro não guarda relação jurídica com o contrato de transporte, sendo ele apenas um profissional mandatário para executar atividades de despacho aduaneiro do importador ou exportador.
O que se observa hoje, é a exigência imposta pelas agências marítimas, mediante redação padronizada de termo de responsabilidade com cláusula de cobrança direta de valores por eventual descumprimento de devolução tempestiva do contêiner pelo usuário e/ou consignatário, causando uma das mais graves situações de injustiça que se tem notícia na área aduaneira. E por mais absurda que pareça, a previsão contratual de tornar o despachante aduaneiro responsável solidário pelo pagamento de demurrage, atualmente, o judiciário possui entendimento uníssono no sentido de responsabilizar solidariamente o despachante aduaneiro que assina o termo de responsabilidade.
Outra normativa que corrobora com essa questão é a Resolução Normativa nº 18, de 21/12/2017, Antaq revogada pela Resolução nº 62-Antaq, de 30 de novembro de 2021, cujo artigo 13 dispõe o quanto segue:
"Art. 13 – Os transportadores marítimos e os agentes intermediários SOMENTE poderão COBRAR VALORES do embarcador, CONSIGNATÁRIO, endossatário ou portador do conhecimento de carga — BL —, SENDO VEDADA A COBRANÇA DIRETA A TERCEIROS ESTRANHOS À RELAÇÃO JURÍDICA" (Destacou-se).
Essas são apenas algumas questões que exacerbam as ilegalidades que se referem à cobrança dos valores a título de sobreestadia ou demurrage.
Como se observa, não há, portanto, explicação jurídica plausível para a responsabilização do despachante aduaneiro por dívidas de demurrage geradas em operações de comércio exterior.
Conclusão
Por todo o exposto, foi possível notar a flagrante ilegalidade que incorre a responsabilidade solidária que os despachantes aduaneiros assumem em documento formulado previamente por representantes dos armadores, de natureza adesiva. Preocupados com o cenário exposto, alertamos aos despachantes que não assinem o termo, pois quando o documento de responsabilidade não é assinado pelo despachante aduaneiro, fica evidenciado que ele não expressou sua vontade de assumir a responsabilidade solidária, e o armador não poderá cobrar a dívida do despachante aduaneiro, mesmo que o importador venha por ventura a responder ação de cobrança de demurrage.
É fundamental os importadores contarem com especialista profissional despachante aduaneiro, pois o processo de importação não acaba quando a carga chega ao porto. Assim é imprescindível o acompanhamento do despachante aduaneiro, que estará sempre atento ao free time contratado, e, na hipótese de ter alguma complicação na restituição dentro do prazo acordado, tomará as medidas cabíveis tempestivamente, agindo sempre de forma preventiva.
Nos casos em que é instaurado um procedimento aduaneiro especial para apuração de eventual irregularidade da carga ou greve dos servidores da Receita Federal ou de órgãos relacionados ao desembaraço, recomendamos que os importadores façam inicialmente um requerimento formal pedindo a desova do contêiner, já que ele não é considerado como embalagem da carga pela legislação vigente. Não sendo atendidos, os importadores devem buscar as vias legais para tal fim, minimizando assim a incidência de demurrage no respectivo processo de importação.
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Referências
MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de direito marítimo: Contratos de Transporte, Afretamento e Seguros Avarias Marítimas e Incidentes da Navegação Inquéritos e Processos Marítimos. Barueri/SP: Manole, 2015.
SCHOFIELD, John. Laytime and Demurrage. 6. ed. Nova Iorque: Routledge, 2011. 536 p. (Lloyd's Shipping Library).
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