Opinião

Companhia securitizadora de créditos imobiliários e o AREsp nº 2.159.312/SP

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15 de dezembro de 2022, 6h38

A companhia securitizadora de créditos imobiliários não responde pelos danos ocasionados pelo originador ao consumidor, na entrega das unidades imobiliárias, não integrando, portanto, a cadeia de fornecimento/consumo. Essa tese foi fixada recentemente, em decisão proferida pela ministra Maria Isabel Gallotti, no julgamento do AREsp nº 2.159.312/SP, que deu provimento a recurso especial interposto pela companhia securitizadora.

A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) veio em boa hora e é um importante balizador para as atividades no ramo de securitização de créditos imobiliários, conferindo segurança jurídica à sua atividade.

As companhias securitizadoras de créditos imobiliários têm o importante papel de viabilizar alternativas de captação de recursos às empresas incorporadoras e responsáveis pela construção de empreendimentos.

De maneira resumida, a operação de securitização de créditos imobiliários funciona com a companhia securitizadora emitindo Certificados de Recebíveis Imobiliários — que são títulos de crédito, os chamados "CRI" — no mercado de valores mobiliários, com lastro nos recebíveis oriundos do empreendimento. Os CRIs, então, são comprados pelos investidores, sendo este dinheiro destinado à empresa responsável pela construção dos imóveis.

A essência da operação de securitização, na realidade, é a transformação dos créditos originários de algum setor do mercado, em títulos íveis de emissão no mercado de valores mobiliários. Os títulos são lastreados em créditos imobiliários que o originador detém. No caso de uma construtora responsável por determinada obra, os créditos detidos junto aos compradores (que, a depender da relação, podem ser considerados consumidores) é que lastreiam os títulos emitidos pela securitizadora.

O lastro da operação é formalizado através da cessão definitiva dos créditos, que a originadora detém junto aos adquirentes, em favor da companhia securitizadora, a qual destina o recebimento desses créditos aos investidores, compradores dos CRIs, a fim de amortizar o valor destinado à obra. Assim, todos os valores da compra das unidades imobiliárias que os adquirentes vão pagando são reados aos compradores dos CRIs, que adiantaram os recursos para que o empreendimento pudesse "sair do chão".

A Lei nº 9.514/97 (parcialmente alterada pela recente 14.430/22) cercou-se de cuidados para que os créditos cedidos e as garantias instituídas em favor da operação, tão importantes para incentivar o investimento no ramo da construção civil, não fossem atingidos pelas dívidas do originador. Deste modo, eles formam um patrimônio segregado da operação de securitização, que não se confunde com o patrimônio da companhia securitizadora.

Importa notar, ainda, que a nova lei de securitização (Lei nº 14.430/22), de edição extremamente recente, dentre outras mudanças, ampliou o rol de créditos sujeitos à securitização. E, ainda, foi clara em manter e reforçar as regras de preservação do patrimônio segregado das operações de securitização (artigo 27 da Lei 14.430/22).

No caso julgado pelo STJ, o tribunal de origem havia entendido que pelo fato de a companhia securitizadora ter recebido os créditos dos consumidores em cessão, essa integraria a cadeia de fornecimento (artigos 3º, 7º, parágrafo único, 18, 19, e 25, § 1º, do CDC), condenando-a solidariamente pelos danos causados pela originadora (verdadeira empresa responsável pelo empreendimento). No julgamento, todavia, olvidou-se que a cessão dos créditos não se destina à companhia securitizadora, que apenas detém os créditos de maneira provisória e em favor dos interesses dos investidores. Ao final, todos esses créditos são destinados a amortizar o investimento dos adquirentes do CRI.

De forma simples e resumida, responsabilizar a companhia securitizadora pelos danos causados aos consumidores pela originadora (responsável pela obra) seria o mesmo que responsabilizar um banco que financiou a obra e integrá-lo na cadeia de fornecimento/consumo. Como bem lembrado pela ministra Isabel Gallotti no julgamento do referido recurso:

"Com efeito, destaco que é incontroverso que a parte recorrente não integrou a cadeia de consumo, visto que não participou em momento algum do fornecimento do objeto do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, não tendo sequer prestado serviço ório ao promissário comprador. De igual maneira, é incontroverso o fato de que o contrato de cessão/antecipação de créditos (securitização de recebíveis) é estranho ao contrato de promessa de compra e venda (…) Noutros termos, depreende-se que o objeto do contrato de cessão/antecipação de créditos é não somente estranho à relação consumerista e ao próprio objeto do contrato de promessa de compra de venda em debate, mas também independente, sendo incabível a responsabilização do recorrente pelos vícios na entrega do imóvel. A manutenção do entendimento esposado pelo Tribunal de origem implicaria, por via transversa, a própria desconstituição do contrato regularmente firmado de antecipação de crédito celebrado entre duas pessoas jurídicas, visto que a responsabilização solidária pela restituição dos valores invalidaria a alocação de riscos feita pelos participantes da operação, ínsita e essencial à natureza do contrato mencionado. A propósito: 'AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO JURÍDICA. SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS. CESSÃO DE CRÉDITO DO PROMITENTE VENDEDOR. RESCISÃO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. RESPONSABILIZAÇÃO DO CESSIONÁRIO IMPOSSIBILIDADE. NÃO INTEGRAÇÃO DA CADEIA DE CONSUMO. PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência já consolidada desta Corte, a análise do recurso especial não esbarra nos óbices previstos nas Súmulas 5 e 7, do STJ, quando se exige somente o reenquadramento jurídico das circunstâncias de fato e cláusulas contratuais expressamente descritos no acórdão recorrido. 2. O objeto do contrato de cessão/antecipação de créditos (securitização de recebíveis) firmado entre cedente, construtora, e o cessionário é não somente estranho à relação consumerista e ao próprio objeto do contrato de promessa de compra e venda em debate, mas também posterior e independente, sendo incabível a responsabilização do cessionário pelo atraso na entrega do imóvel. Precedentes 3. Agravo interno a que se nega provimento" (AgInt no AgInt no REsp n. 1.769.501/SE, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 21/6/2022)" (STJ-4ª T., AREsp. nº 2.159.312/SP, min. rel. Maria Isabel Gallotti, j. 19/9/2022).

Reconhecendo essa sistemática e o equívoco na interpretação da Lei Federal (artigos 11 e 17, da Lei nº 9.514/97, então vigentes) o STJ reformou o acórdão do tribunal originário, de maneira favorável à companhia securitizadora, extinguindo o processo por ilegitimidade iva e reconhecendo que ela não integra a cadeia de consumo/fornecimento, como preconizam os artigos 3º, 7º, parágrafo único, 18, 19, e 25, § 1º do CDC.

É importante que o STJ defina teses sobre o assunto, uma vez que o tema da securitização não é tão difundido na praxe jurídica, e, muitas vezes, há dificuldade em se uniformizar a aplicação da lei federal.

Dessa forma, a decisão é um o importante para a estruturação de crédito no setor do mercado de imóveis, pois incentiva os investidores a aportarem recursos nas securitizações de créditos imobiliários, proporcionando circulação de riquezas e geração de empregos no setor da construção civil, o que é de extrema relevância para a economia brasileira.

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