Tecnologia eólica offshore, o Decreto nº 10.946/2022 e o consensualismo
6 de fevereiro de 2022, 8h00
O Brasil é um país com matriz elétrica diversificada. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia e responsável por prestar serviços na área desenvolvimento do setor energético, o Brasil possui matriz elétrica majoritariamente renovável, com o percentual de 85% e predominância da energia elétrica gerada por usinas hidrelétricas.
Em que pese o impacto expressivo da energia elétrica produzida pelas usinas hidrelétricas na oferta de energia para o sistema, a escassez de seus reservatórios frequentemente se apresenta como um problema que impacta diretamente a vida dos cidadãos.
No ano ado, por exemplo, em meio ao cenário pandêmico, discutiu-se a possibilidade de se estabelecer alguma forma de restrição ao consumo de energia elétrica e os consumidores sentiram em seus bolsos o aumento do custo da energia, com a implementação da bandeira vermelha nas faturas.
Eventos desse tipo intensificam a necessidade de manutenção da segurança energética em nosso país, razão pela qual o setor é incentivado a buscar a consolidação de alternativas também renováveis, como a energia eólica e a energia solar.
Nesse sentido, o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, documento elaborado pela EPE com o intuito de traçar premissas para o desenvolvimento energético decenal, aponta a tecnologia eólica offshore como uma candidata de recurso para a expansão da oferta de energia elétrica no país.
Referido plano de expansão de energia assinala que os custos para o investimento, operação e manutenção de parques eólicos offshore são mais elevados que a opção onshore, atualmente presente na matriz brasileira, contudo, o aproveitamento dessa tecnologia já tem atraído investidores no país.
Por esse motivo, o setor elétrico recebeu com entusiasmo o Decreto nº 10.946, publicado no último dia 25 (Decreto nº 10.946/2022), responsável pela regulamentação da "cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore".
O Decreto nº 10.946/2022 apresenta as modalidades da cessão, planejada ou independente, e descreve o procedimento para de obtenção de cada uma delas.
Independentemente da modalidade adotada, ainda que a energia eólica possa ser considerada uma fonte de energia "limpa", é certo que o empreendimento deverá contar com a obtenção do licenciamento ambiental emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O Ibama, por sua vez, desde 2019 se debruça sobre as características da implementação de um empreendimento eólico offshore. No ano mencionado, o instituto participou do Workshop Internacional de Avaliação de Impactos Ambientais em Complexos Eólicos Offshore, quando, junto a outros órgãos interessados, como a própria EPE e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), obteve o conhecimento e experiência de especialistas de países europeus que adotam essa tecnologia de produção de energia eólica.
A partir da troca de experiências, o Ibama recebeu trabalho elaborado por perito vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte a respeito do planejamento e licenciamento ambiental dos países europeus, propiciando à instituição a identificação de potenciais impactos no território brasileiro, o que resultou no Termo de Referência (TR) Padrão para Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) de Complexos Eólicos Marítimos, lançado em novembro de 2020.
O documento orienta a atuação de investidores interessados na implantação de empreendimentos eólicos offshore no âmbito do licenciamento ambiental e, desde esse momento, impõe aos particulares interessados o dever de analisar os impactos ambientais do projeto apresentado, bem como o de apontar alternativas e medidas para evitar, minimizar e/ou remediar os impactos negativos desse tipo de fonte energética.
Pode-se dizer que o processo do licenciamento ambiental que identifica os impactos do empreendimento offshore, confere segurança ao futuro cessionário, na medida em que define a matriz de risco, pelo menos de caráter ambiental, a ser enfrentado por ele.
Ocorre que o Direito não se presta aos fenômenos estáticos. A ciência do Direito busca trazer respostas para as situações mutáveis da vida cotidiana e ainda que o arcabouço normativo se preocupe em antecipar os riscos de qualquer negócio, a exceção e o imprevisível sempre estarão à espreita.
O Decreto nº 10.946/2022, calcado na teoria da responsabilidade civil do Estado, impõe ao cessionário o dever de indenizar os danos decorrentes das atividades de geração e transmissão de energia elétrica objeto da outorga e de ressarcir à União os ônus que esta venha a ar em consequência de eventuais demandas motivadas por atos de responsabilidade do cessionário (artigo 19, inciso XV).
O dispositivo não contém surpresa para os interessados em empreender com a istração Pública.
No entanto, tecnologia de exploração de energia renovável é nova no país. É incerta a dimensão dos riscos que possa apresentar, como o impacto dos ruídos e vibrações na fauna aquática, bem como a criação de campos eletromagnéticos. Nessa seara, não cabe a velha dinâmica de autuação e penalização do empreendedor pelas autoridades públicas, até porque elas próprias terão dificuldades em seu poder fiscalizatório.
Veja-se que a Resolução Normativa Aneel nº 846/2019 determina que os danos ao serviço, aos consumidores ou aos usuários causados pelos agentes do setor, incluindo-se os concessionários, permissionário e autorizados, deverão estar concretamente caracterizados para fins de fixação do valor das multas no caso do cometimento de infrações. Não resta dúvida, assim, que perante a agência reguladora o dano provocado pelo agente deverá estar bem caracterizado para fins de sanção.
Nesse cenário, o uso de instrumentos consensualistas para construção da dinâmica entre istração-empreendedor deve ser cada vez mais buscado. Isso porque, de um lado, deve-se evitar atuação impositiva e unilateral da istração Pública, que invariavelmente resultará em atecnias quando se trata de tecnologia eólica offshore. De outro lado, a solução concertada servirá de incentivo para os investimentos possíveis com a implementação de nova tecnologia no setor.
A prática consensualista não é desconhecida no setor elétrico. A Resolução Normativa Aneel nº 63/2004 prevê a celebração de termo de compromisso de ajuste de conduta, aprovado pela diretoria da Aneel, como alternativa de imposição de penalidade com vista à adequação da conduta irregular às disposições regulamentares e/ou contratuais aplicáveis ao agente.
Contudo, pode-se interpretar que o instrumento da resolução normativa representa solução consensual quando a irregularidade, ou o dano, já estão consumados, tratando-se de medida mais remediadora do que preventiva.
Por essa razão, o compromisso previsto no artigo 26 da Lindb se apresenta como instrumento apto a propor a resolução de conflitos, inclusive no caso de expedição de licença.
A norma não impõe momento único para a celebração dessa espécie de acordo istrativo, de forma que, olhando-se para os empreendimentos eólicos offshore, o compromisso pode ser celebrado inclusive previamente ao ato da outorga, contemporâneo ao momento da obtenção das licenças necessárias, para evitar que incertezas prejudiquem a execução da atividade e conferir segurança ao serviço de geração de energia.
Eventual pactuação do compromisso não corresponde à desoneração permanente de dever do cessionário, como prevê o Decreto nº 9.830/2019, mas lhe garante a oportunidade de dialogar com a istração Pública e solucionar imes que eventualmente impactem a atividade a ser prestada, a qual será novidade no país.
Ainda que o Decreto nº 10.946/2022 tenha sido muito bem recebido pelo setor, existem aspectos técnicos que ainda demandam normatização e pronunciamento dos órgãos envolvidos na execução dos projetos offshore, e nessa tarefa, o consensualismo deve contribuir para a construção de relação sólida e eficiente com os interessados e propiciar segurança no desenvolvimento energético do país.
Referências bilbiográficas
https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-490/PDE%202030_RevisaoPos_rv2.pdf.
https://www.epe.gov.br/pt/abcdenergia/matriz-energetica-e-eletrica.
http://www.ibama.gov.br/laf/consultas/mapas-de-projetos-em-licenciamento-complexos-eolicos-offshore.
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