Medo e constrangimento

Retirar réu de sala virtual durante oitiva da vítima não anula sentença, diz TJ-SP

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18 de fevereiro de 2022, 21h51

A simples transposição das audiências presenciais para as telepresenciais não é, por si, suficiente para afastar os estados de medo, constrangimento e humilhação da vítima.

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Dollar Photo ClubRetirada de réu de sala virtual durante oitiva da vítima não anula sentença, diz TJ-SP

Com base nesse entendimento, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem acusado por roubo majorado pelo emprego de faca. A pena foi fixada, em segundo grau, em 7 anos, 3 meses e 3 dias de reclusão, mantido o regime inicial fechado.

A defesa contestou, entre outros, a retirada do réu da sala virtual da audiência durante a oitiva da vítima, que pediu para ser depor sem a presença do acusado. A defesa pediu que a imagem fosse desligada, mas mantendo o áudio do depoimento para o réu acompanhar, o que foi negado pelo juízo de origem. Para o relator, desembargador Marcos Alexandre Coelho Zilli, não houve ilegalidade na decisão.

De acordo com o magistrado, a questão envolve conflitos de interesses diferentes: "De um lado, o resguardo da esfera de dignidade da vítima e da eficaz atuação persecutória, manifestada pelo desenvolvimento de atividade instrutória propícia para uma acurada reconstrução processual dos fatos; de outro, a garantia da ampla defesa, manifestada pelo direito de presença do acusado aos atos e termos do processo e de sua participação na atividade instrutória".

Ele disse que a nova redação do artigo 217 do Código de Processo Penal buscou garantir a efetividade do exercício da autodefesa quando a vítima demonstrar temor, humilhação ou constrangimento de depor na presença do acusado. Porém, prosseguiu o relator, o dispositivo não foi elaborado para uma realidade de predomínio das audiências virtuais, como tem acontecido em decorrência da pandemia da Covid-19.

"O cenário transformou-se rápida e radicalmente. A imersão das atividades judiciárias no modo telepresencial foi compulsória diante das medidas de isolamento impostas para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. Impôs-se, em caráter urgente, uma nova realidade de realização de atos processuais para os quais não havia, como ainda não há, regulamentação processual adequada", afirmou.

Conforme o desembargador, as plataformas de apoio trouxeram novas dinâmicas para as audiências e, dessa forma, o pleito defensivo seria, a princípio, "coerente e razoável": "Bastaria, segundo a defesa, a exclusão da imagem para que se conferisse um quadro de segurança e tranquilidade para a produção probatória. Muito embora o argumento se mostre sedutor, à primeira vista, creio que não equaciona de maneira razoável algumas situações-limite".

Zilli considerou que o temor, a humilhação e o grave constrangimento da vítima não são totalmente afastados pelo fato de se realizar uma audiência virtual. "Ou seja, a simples transposição das audiências presenciais para as telepresenciais não é, por si, suficiente para afastar os estados de medo, constrangimento e humilhação. Daí a necessidade de ponderação judicial", explicou.

Ou seja: na visão do relator, cabe ao juiz avaliar, a cada caso, a pertinência e a possibilidade de adoção dos recursos para resguardo da imagem da vítima ou, do contrário, adotar a medida extrema de retirada do réu do ambiente da audiência virtual caso constate a insuficiência da primeira opção.

"No caso dos autos, a ponderação dos interesses em conflito realizada pela autoridade judiciária atendeu aos critérios da razoabilidade. De fato, a ação criminosa envolvia roubo com emprego de faca. A vítima, desde logo, afirmou o desejo de prestar declarações sem a presença do réu, em clara indicação de seu constrangimento. Apurou-se, ademais, que ela teria sido ameaçada pelo próprio acusado em sede policial quando da lavratura do auto de prisão em flagrante. O temor da vítima era, portanto, fundado", concluiu. A decisão foi unânime.

1500315-67.2020.8.26.0546

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