Opinião

Análise do PL que pretende extinguir o julgamento ampliado do artigo 942 do C

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  • é procurador do estado de São Paulo especialista em Direito Constitucional mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e integrante do grupo de pesquisa C Democracia e Sociedade da PUC-SP.

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  • é advogada doutoranda e mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e integrante do grupo de pesquisa C Democracia e Sociedade da PUC-SP.

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22 de fevereiro de 2022, 12h08

O julgamento ampliado ou estendido, inserido no C de 2015 no artigo 942, inovou ao criar uma técnica de julgamento em que, de ofício, para as situações em que haja voto divergente no julgamento de recurso de apelação, em julgamento de agravo que reforme a decisão de origem e também de ação rescisória, o colegiado seja ampliado a fim de se obter decisões estáveis daquela câmara ou turma julgadora.

Quando da edição do novo C, substancial parte da doutrina elogiou os termos em que estabelecido o artigo 942, destacando que a ampliação do quórum de julgamento em caso de voto vencido estimularia o debate entre os julgadores e traria aprofundamento das matérias levadas aos tribunais, até em razão da extinção do recurso dos embargos infringentes que, em parte, cumpria esse papel.

Não faltaram também críticas à criação da técnica do julgamento ampliado ou estendido no sentido de que essa técnica traria mais complexidade ao processo, destacando as considerações trazidas por Teresa Arruda Alvim:

"A nosso ver, a inclusão dessa técnica de julgamento, que consiste na ampliação da colegialidade, não foi uma boa ideia. Isso porque, como se viu, tem gerado muitos problemas na prática, o que deveria ter sido evitado pelo legislador. Da exposição de motivos, consta a intenção da comissão originária, no sentido de simplificar o processo, evitando, assim, que este seja a principal preocupação do juiz: fonte de polêmicas, de grandes discussões! Mas não foi o que prevaleceu, em muitos pontos, na versão final do NC" [1].

Junto aos tribunais, também houve grande esforço para o ajuste dos regimentos internos para regulamentar a forma de composição, integração ou composição do colegiado ampliado, demandando um esforço adicional e ajuste nas rotinas internas e que, agora, ados alguns anos da vigência do C de 2015 já foram internalizadas no cotidiano dos tribunais e também na rotina dos advogados.

Não obstante, em 2/6/2020, foi apresentado o Projeto de Lei nº 3.055, com a proposta de revogação integral do artigo 942 do C, expurgando, assim, a técnica do julgamento ampliado da sistemática processual.

O Projeto de Lei nº 3.055, de autoria do deputado federal Reinhold Stephanes Junior, integrante do PSD, encontra-se para análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, mas é interessante refletir sobre as justificativas apresentadas no projeto.

Na exposição de motivos, o autor do projeto pontua que o julgamento ampliado ou estendido traria muitas controvérsias e supostos inconvenientes relacionados à possibilidade de os magistrados que já votaram alterarem seus votos, reagendamento de nova sessão de julgamento para continuidade, possibilidade de ampliar o objeto da matéria objeto da discussão e que haveria também violação ao princípio da celeridade processual, uma vez que, não se tratando de recurso, o julgamento ampliado, se presentes os requisitos legais, sempre deverá ser realizado.

Se porventura o projeto de lei prosseguir e for aprovado, e não mais existindo previsão de cabimento do recurso de embargos infringentes, o voto vencido continuará tendo seu valor e ficará expresso, como parte integrante do julgamento e certamente sustentará as razões da parte que ainda pretender interpor os recursos cabíveis, não se vislumbrando qualquer inconstitucionalidade ou mitigação de direito das partes, mas o sistema processual deixará de ter um mecanismo específico para continuidade de julgamento que pressupõe a existência do voto vencido.

Nessa hipótese, deixaria de existir qualquer distinção entre um julgamento colegiado em que há voto vencido e outro concluído por unanimidade, trazendo, sob esse aspecto, um ponto favorável de simplificação do sistema que seria único para ambas as hipóteses.

Os fundamentos apresentados na exposição de motivos do PL, todos de ordem prática, poderiam sensibilizar os tribunais com vistas a uma eventual redução de sessões ou prolongamentos de julgamentos, mas não identificamos movimentação expressiva da comunidade jurídica neste momento se opondo à manutenção do julgamento estendido ou ampliado entre nós, de modo que talvez a proposta de reforma do C expressa no PL 3.055/2020 não encontre espaço neste ambiente.

A extensão do voto vencido em julgamentos colegiados também é objeto de outro projeto de lei, este de nº 4.311/2021, apresentado pelo senador Rodrigo Cunha, e que pretende inserir novos parágrafos no artigo 941 do C para estabelecer um critério para formação da maioria quando houver divergência qualitativa e quantitativa.

Da justificativa desse Projeto de Lei nº 4.311/2021 extrai-se que, para a solução da divergência quantitativa, a proposta é adotar o sistema da continência, pelo qual o presidente da sessão de julgamento disporá os diversos votos, com as quantidades que cada qual indicar, em ordem decrescente de grandeza, prevalecendo a quantidade que, com as que lhe forem superiores ou iguais, reunir votos em número suficiente para constituir a maioria (novidade incrementada com o §4º ao artigo 941 do C).

Para o desenlace da divergência qualitativa, a proposta é a adoção do sistema da exclusão, pelo qual o presidente da sessão de julgamento porá em votação, primeiramente, duas quaisquer entre as soluções sufragadas, sobre as quais terão de se manifestar obrigatoriamente todos os votantes, eliminando-se a que obtiver menor número de votos. Em seguida, serão submetidas a nova votação a solução remanescente e outra das primitivamente sufragadas, procedendo-se de igual modo; e assim sucessivamente, até que todas tenham sido votadas, considerando-se vencedora a solução que obtiver a preferência na última votação (inovação com o acréscimo do §5º ao artigo 941 do C).

Esses critérios serviriam igualmente, segundo o senador Rodrigo Cunha, para regular a questão envolvendo os fundamentos determinantes na formação de decisões de observância obrigatória.

Quando se analisa esses dois projetos de lei em tramitação, o que se constata é que ambos procuram enfrentar, um excluindo e outro tentando aprimorar, o julgamento colegiado não unânime, a demonstrar a complexidade dessas sessões.

Quer nos parecer que qualquer que seja o desfecho de tais projetos, a divergência de entendimentos sempre existirá, seja em razão da formação do julgador, seja em razão dos fatos concretos da causa levarem a entendimentos distintos e outros fatores e isso, a nosso ver, não é um mal em si dentro do processo, cabendo ao sistema jurídico acolher da melhor forma possível o entendimento vencido, mas sem que esse ponto também traga maior complexidade e expanda a duração do processo.

E a propósito de saber o que pensam os integrantes dos tribunais, vale destacar as reflexões apresentadas pelo desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, integrante do TRF-4, no artigo "Limites e possibilidades do âmbito cognitivo e decisório na técnica do julgamento não unânime (colegiado ampliado) do artigo 942 do C/2015" [2].

Segundo o autor, nesse curto espaço temporal da inovação legislativa não lhe parece estar demonstrada a concretização dos objetivos que levaram o legislador a inserir a técnica do julgamento não unânime.

O artigo parte da experiência e observação forense do próprio autor que aponta que os tribunais não teriam reagido bem à técnica de ampliação do julgamento e que teria havido, inclusive, uma certa recusa de haver julgados divergentes, a fim de se evitar o colegiado estendido. Os novos membros no novo julgamento frustrariam a expectativa de realizar debates aprofundados. Acrescenta, ainda, que os advogados não teriam aproveitado para realizar sustentação oral no prosseguimento do julgado, visando a influir na decisão dos novos integrantes da turma julgadora.

Trata-se de um ponto de vista que reflete a visão de um dos integrantes dos diversos tribunais do país e, certamente, poderemos encontrar opiniões em sentido diverso, mas é certo que se trata de uma técnica de julgamento controversa na comunidade jurídica.

Assim, considerando a diversidade de ideias, o pouco tempo da reforma implementada no julgamento colegiado em que haja voto vencido e o impacto que qualquer alteração processual trará ao rito processual e de rotina aos tribunais, convém que ambos os projetos sejam amplamente discutidos com as comunidades jurídica e acadêmica e sejam ouvidos também os representantes dos tribunais locais, a fim de conferir o melhor e mais democrático encaminhamento a essa matéria.

 


[1] "Ampliar a colegialidade: a que custo">https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao077/Teresa_Arruda_Alvim.html. o em: 15/2/2022.

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  • é procurador do estado de São Paulo, especialista em Direito Constitucional, mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e integrante do grupo de pesquisa C Democracia e Sociedade, da PUC-SP.

  • é advogada, doutoranda e mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e integrante do grupo de pesquisa C Democracia e Sociedade, da PUC-SP.

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