Opinião

Ainda e sempre Pontes de Miranda

Autor

22 de fevereiro de 2022, 19h12

Aplausos à ConJur pelas homenagens ao grande jurista Pontes de Miranda (12 a 18 de dezembro de 2021), com a notável apreciação do grande civilista Marcos Bernardes de Mello, profundo conhecedor da obra pontiana. Pontes é inesgotável, e sempre a lembrança é importante para o mundo jurídico, a partir do monumental "Tratado de Direito Privado", em 60 volumes, obra rara, pessoal, um autor no cenário jurídico mundial.

Relembro, ainda, a precocidade pontiana, aos 20 anos de idade, com o seu "Sistema de Ciência Positiva do Direito" (1912).

Poucos conhecem o Código Civil brasileiro, em alemão, elaborado por Pontes e publicado em Berlim em 1928. Outro livro importante, hoje desconhecido, é "Fontes e evolução do Direito Civil brasileiro", em que é feito o cotejo com todas as origens de todos os artigos do Código Civil. Já enalteceram os comentários às Constituições de 1937, 1946 e 1967, os comentários ao C (1939 e 1974).

Pontes foi juiz de Direito de carreira no Rio de Janeiro, chegando a desembargador, do que apartou-se para ser embaixador na Colômbia. Diante desse valor extraordinário, o Supremo Tribunal adquiriu a biblioteca de Pontes, seu famoso fichário (expressão antiga para as anotações e referências). Consagrou-se na Academia Brasileira de Letras, recepcionado por outro notável  Miguel Reale.

Ao escrever após a Segunda Guerra sobre "Democracia, Liberdade e Igualdade", nesse volume encontrava a ligação dos três caminhos aos três sentimentos principais do homem  o sentimento do poder, o sentimento de liberdade e o sentimento de igualdade.

Manteve-se fiel à sua obra literária, já expressa a orientação da liberdade na "História e Prática do Habeas Corpus", a democracia na "Introdução à Política Científica e nos Fundamentos Atuais do Direito Constitucional" e a igualdade no "Sistema de Ciência Positiva do Direito".

Nos "Fundamentos Atuais do Direito Constitucional", publicados em 1932, sustentava que o coração do Direito Constitucional é o direito à subsistência e à educação. Se há trabalho, a ele tem direito o indivíduo e deve trabalhar. As Constituições que não asseguram como direito irredutível o direito à subsistência e à educação são folhas tênues de papel. E a Constituição, ouvindo Pontes de Miranda, aponta nesses capítulos, sustentáculos da condição humana.

Mas a obra de Pontes de Miranda aí está a desafiar os tempos e as gerações: o "Tratado de Direito Internacional Privado"; os Comentários às Constituições de 1937, 1946, 1967, 1969; o "Tratado de Direito da Família"; "de Direito Cambiário"; "de Direito Predial"; os "Comentários ao Código de Processo Civil" (15 volumes).

As homenagens vêm de longe. Já em 1926 a Faculdade Nacional de Direito, então Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, pelos mais ilustres professores e juristas (Carvalho de Mendonça, Lacerda de Almeida, Afonso Celso) outorgava-lhe o título de professor honorário. Depois, a Faculdade de Direito de São Paulo, a augusta casa de ensino jurídico, em mais de cem anos só outorgara o título de professor honorário a Rui, Clóvis, Mendes Pimentel e Carvalho de Mendonça.

Jovem, acordou Pontes de Miranda para o Direito, antes o estudo das ciências exatas. Mas ele explica o destino final:

"Cedo cheguei à convicção de que as civilizações mais dependem do Direito de que dos outros processos sociais de adaptação. É o direito que as estrutura, sem as peiar e sem as empurrar para abismos".

Encarando os sistemas jurídicos como sistemas lógicos, compostos de preposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos, não podia fugir aí a linha do sociólogo Pontes de Miranda, que em "Garra, Mão e Dedo" delineia a evolução civilizatória. A valoração dos interesses como função social do Direito.

Machado Neto, ao escrever sobre a "História das Ideias Jurídicas no Brasil", contemplava Pontes de Miranda, em 1969, como o maior jurista do século 20. E sobre a formação do jurista cabe a citação pontiana acerca da necessidade de um conhecimento universal para a ciência jurídica, afirmando, em 1924, que todas as portas das escolas de direito deveriam ter a seguinte inscrição: "Aqui não entrará quem não for sociólogo, e o sociólogo supõe o matemático, o físico, o biólogo" ("Introdução à Política Científica", pg. 20).

Pontes de Miranda, em seu primeiro livro, em 1912, "À Margem do Direito", salientava "que há um aspecto sociológico, entre psicólogo, na vida jurídica; ou melhormente, como por vezes tenho dito, que, como a linguagem, cuja ciência se divide em fisiologia, psicologia e história (sociologia), também se lhe deve descobrir, ao direito, os mesmos aspectos que as relações com a estrutura, com a função e com os fatos psíquicos lhe determinam e entretecem".

A Constituição de 1934 foi rica na fixação dos novos direitos, principalmente dos direitos sociais, ao lado de direitos fundamentais, como herança da Constituição de Weimar, de 1919, e da Constituição espanhola. Voltou à doutrina com a Constituição de 1946, de grande significado político, porque após o período ditatorial (1937-1945) seguiu-se o fim da 2ª Guerra Mundial, e a abertura de novos direitos fundamentais, uma antecipação daquelas gerações de direitos tão bem estudados por Norberto Bobbio. De 1946 a 1967 amos 20 anos sob a mesma Constituição, atropelados 1964, os atos institucionais, e uma série de instrumentos legais repressivos, mas em 1967, nova Carta Magna, e Pontes de Miranda trouxe fulgurante colaboração, em 1969 da mesma forma.

Volvemos a 1932, quando Pontes de Miranda editou profundo trabalho intitulado "Os Fundamentos Atuais do Direito Constitucional". Ali, mostra as transformações advindas com a Revolução Russa de 1917, a 1ª Guerra Mundial, com traço fundamental do novo Estado que deixou de ser a forma político-jurídica vazia de substância, procurando alcançar unidade de fim, unidade concreta, portanto, a política integra em si outros processos sociais de adaptação, principalmente a Economia.

É importante o desfile de teses constitucionais, sustentadas por Pontes ao longo de sua obra. Vejamos o princípio do federalismo, tão discutido antes, porque mal adaptado ao Brasil, mas ainda rico de discussões, por isso é bom abrirmos essas veredas pontianas, e suas palavras.

Pontes de Miranda trouxe grande luz aos debates sobre normas de eficácia plena e de eficácia contida.  Assim,  a partir de normas programáticas, necessitadas de legislação adequada à sua regulação e  impositividade, em relação a regras assaz obscuras e vagas. E explica: quando a regra se basta, por si mesma, para sua incidência, ela é autoexecutável. Quando precisa de regras jurídicas de regulamentação não podem incidir, pois não bastam em si, e necessitam de normas jurídicas que as completem ou suplementem. Aqui nas normas de eficácia contida trouxe à nomenclatura, na distinção entre regular e regulamentar. A Constituição é regulada, e a lei é regulamentada, tanto que a Constituição sinala que a lei dispõe (artigo 61, §2º) e a Constituição será implementada, na norma programática, pela regulação.

Não foi sem tempo que Pontes construiu expressões jurídicas e levantou outras. Hoje, discute-se sobre o alcance das cláusulas pétreas, derivadas do §4º do artigo 60 da atual Constituição  a impossibilidade de emenda constitucional tendente a abolir, entre outros, os direitos e as garantias fundamentais. Isso já fora discutido por Pontes de Miranda, como norma pétrea, aquela que não ite alteração ou revogação.

Ao mandado se segurança levantou a sua natureza jurídica, para assentar o que hoje já está consagrado como ação.

Invocou ao longo de seus escritos de Direito Constitucional tema muito atual: a judicialização da política e a politização da Justiça. A política, por seu dinamismo, por suas peculiaridades, não se submete a regras jurídicas e legais ortodoxas, porque ela é fruto do voto, da vontade popular, e não de uma imposição da justiça. Esta não pode estar impregnada da política.

Pontes de Miranda entende a existência de direitos fundamentais absolutos e relativos. Aqueles existem a despeito das leis, como exemplo: liberdade pessoal, os relativos existem segundo a lei (contratos, direito de propriedade etc.).  É claro que há crítica a essa distinção, porque Pontes parte da existência de direitos supraestatais.

Pregou o princípio da igualdade, na busca de melhores condições para os economicamente inferiores. 

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!