Tente outra vez

Justiça do Rio envia a MP estadual ação contra advogados anulada pelo STF

23 de fevereiro de 2022, 21h13

Após a ação envolvendo a Fecomercio do Rio de Janeiro ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal, a 1ª Vara Criminal Especializada do Rio enviou o processo ao Ministério Público estadual, para análise e corroboração, segundo o site O Antagonista. A investigação voltou à fase de análise da denúncia. E caberá ao MP-RJ decidir se apresenta a denúncia ou não.

Cauê Diniz
STF anulou medidas ordenadas por Marcelo Bretas contra advogados
Cauê Diniz

Contudo, a delação premiada na qual se baseiam as investigações, de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomercio-RJ, é fraudulenta. E a denúncia foi construída segundo a premissa de que a entidade seria uma entidade pública, sendo que o STF reafirmou que a instituição é privada. Além disso, a Fecomercio, apontada como vítima, não fez qualquer representação contra os advogados nem tomou qualquer iniciativa para dizer que não recebeu os serviços jurídicos contratados.

Em novembro de 2021, a 2ª Turma do STF declarou a incompetência da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro para julgar um processo envolvendo a Fecomercio do Rio de Janeiro. A decisão ainda anulou as buscas e apreensões promovidas, por determinação do juiz Marcelo Bretas, em 75 endereços ligados a advogados.

Na ocasião, a maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, Gilmar Mendes, que destacou a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e a impossibilidade de fishing expeditions — medidas extensas ou não relacionadas ao processo, com o objetivo de obter provas para fundamentar novas ações.

A decisão do STF já foi cumprida por Bretas, que em agosto enviou os autos à Justiça estadual do Rio. O juiz ainda determinou o levantamento dos bloqueios de bens e valores dos advogados, retidos a título de indenização por dano moral coletivo — o que, segundo o Supremo, não pode ser feito em ação penal. A Polícia Federal deve devolver todo o material apreendido nas buscas.

Histórico do caso
A denúncia aceita por Bretas foi formulada com base na delação de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomercio-RJ. Preso duas vezes entre 2007 e 2011 por supostos desvios de verbas, ele vinha tentando emplacar uma delação por dois anos, até concordar em acusar advogados que estavam na mira da "lava jato" por defender clientes acusados de corrupção. Diniz ganhou a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior.

Como mostrou a ConJur, o Ministério Público Federal dirigiu as respostas de Orlando Diniz. Além disso, o então presidente da Confederação Nacional do Comércio, Antônio Oliveira Santos, estava em litígio com Diniz pelo controle da entidade. Santos era um grande apoiador das "10 medidas de combate à corrupção" e patrocinou inúmeras palestras do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores da "lava jato". 

As buscas e apreensões tiveram início em setembro do último ano. A OAB ajuizou reclamação constitucional contra a investida de Bretas. Em outubro, Gilmar Mendes suspendeu liminarmente a decisão do juiz.

Entendimento do relator
Gilmar lembrou que a Fecomercio é uma entidade privada, e por isso deveria ser investigada pela Justiça Estadual, mesmo que receba recursos da União. Por isso, afastou a competência da Justiça Federal. De qualquer forma, o processo não poderia ser atraído por prevenção à vara de Bretas pela delação de Diniz, já que, segundo o STF, acordo de colaboração premiada não fixa competência.

Ainda segundo o ministro, os mandados de busca e apreensão foram genéricos e amplos, sem explicação sobre o que motivaria cada medida. Além disso, Bretas aceitou a denúncia contra parte dos alvos praticamente ao mesmo tempo em que ordenou o cumprimento dos mandados.

"Percebe-se que não houve a observância aos requisitos legais e nem às prerrogativas da advocacia, com a ampla deflagração de medidas que buscaram 'pescar' provas contra os denunciados e possíveis novos investigados, inclusive, nesse ponto específico, em desrespeito às regras do foro por prerrogativa de função", ressaltou.

Para Gilmar, a atuação do MPF na delação de Diniz e a proximidade com Antônio Oliveira Santos demonstrariam indícios de "pescaria probatória e da adoção de comportamentos estratégicos de persecução penal, em conflito de interesses, por parte de agentes públicos e privados que pretendiam investigar Orlando Diniz e seus defensores".

Por fim, Bretas teria invadido a competência do Superior Tribunal de Justiça ao determinar o cumprimento de mandados na casa de três desembargadores. Um deles com mandato no TRE de Alagoas; outro, do TRF-2, casado com uma advogada; e ainda uma terceira, do TRF-3, também casada com um advogado.

Decisão importante para a advocacia
Em seu voto, Gilmar ainda lembrou que as prerrogativas dos advogados não são "indevido privilégio profissional, mas sim garantia à própria istração da Justiça, de defesa da ordem jurídica e das liberdades fundamentais". Afinal, segundo a Constituição, "o advogado é indispensável à istração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

O relator também lembrou que o STF já decidiu que a atividade profissional do advogado é "prática inestimável de liberdade", e que é indispensável a imunidade profissional "para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público".

"Eventuais excessos acusatórios ou a tentativa de se criminalizar, de forma ampla, a advocacia, de forma semelhante ao que se tem verificado em relação à política, possui efeitos normativos e sistêmicos extremamente perniciosos, em especial por desequilibrar a garantia da paridade de armas em detrimento dos cidadãos e de seus defensores, fazendo com que o processo se torne um instrumento de injustificável perseguição", afirmou.

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