Compliance como baliza para aplicação de advertências e suspensões no trabalho
6 de julho de 2022, 17h02
O empregador, no curso da relação de trabalho, possui alguns poderes de gestão, dentre os quais se encontra o poder disciplinar, que, segundo o saudoso professor Amauri Mascaro do Nascimento, "é o direito do empregador de exercer a sua autoridade sobre o trabalho de outro, de dirigir a sua atividade, de dar-lhe ordens de serviço e de impor sanções disciplinares" (2011, p. 523).
As penalidades aplicadas aos empregados surgem como manifestação desse poder disciplinar.
Entende-se, de acordo com o costume trabalhista e a leitura da Consolidação das Leis Trabalhistas, que o empregador pode aplicar advertências, suspensões e demissão por justa causa como penalidades.
No entanto, o texto celetista aborda de forma exaustiva o rol de hipóteses de demissão por justa causa, não indicando as hipóteses em que é possível a aplicação de advertência e suspensão, que, indiscutivelmente, são penalidades mais brandas.
A CLT apenas dispõe, em seu artigo 474, que a suspensão não pode ser superior a 30 dias, sob pena de caracterizar falta grave do empregador e rescisão indireta do contrato de trabalho.
As demais balizas que norteiam a aplicação de penalidades no âmbito trabalhista, em especial advertências e suspensões, não são previstas em lei, ficando relegadas a um exame casuístico e de acordo com o bom senso do empregador, o que acaba acarretando certa insegurança jurídica na matéria.
No entanto, é certo que, em toda e qualquer punição, o empregador deve observar alguns critérios abstratos, a saber, imediatidade, proporcionalidade, unicidade da punição e isonomia.
A imediatidade diz respeito à aplicação da penalidade de forma contemporânea à conduta faltosa praticada pelo empregado. Não pode transcorrer lapso temporal desarrazoado entre a punição e a falta, o que pode conduzir à conclusão de que houve perdão tácito da conduta pelo empregador.
Inexiste óbice à realização de investigações antecedendo a punição para a lisura e justiça da penalidade. No entanto, este período deverá ser razoável para a apuração dos fatos.
Neste sentido, recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho, que trata da justa causa, mas se aplica de forma analógica às demais punições:
"(…) JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE IMEDIATIDADE ENTRE A CONDUTA FALTOSA E A DISPENSA. PERDÃO TÁCITO. MATÉRIA FÁTICA. No caso concreto, o Tribunal Regional entendeu que o tempo de uma semana decorrido entre o ato praticado pela empregada e a sua dispensa "foi razoável e compatível com os trâmites istrativos internos para a apuração dos fatos e tomada de decisão relativa à rescisão contratual ". De outro lado, o acórdão recorrido nem sequer alude à circunstância invocada no recurso de revista, no sentido de que a ausência de imediatidade entre o ato faltoso e a dispensa resulta evidente porquanto a recorrida poderia ter aplicado a justa causa logo após o ocorrido, na medida em que possuiria circuito interno de imagens. Tecidas tais considerações, observa-se que prevalece o acórdão regional no que diz que não se caracteriza o perdão tácito, na espécie, porquanto o tempo que mediou a agressão e a dispensa por justa causa foi necessário à apuração dos fatos, dado que "em se tratando da penalidade máxima imposta ao empregado, que repercute tanto economicamente quanto às verbas rescisórias, como socialmente quanto ao histórico profissional, há que ser provada de forma robusta". A adoção de entendimento em sentido oposto implicaria, pois, o revolvimento de fatos e provas, vedado pela Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. (…) (RR-1001473-32.2017.5.02.0291, 3ª Turma, relator ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 09/04/2021).
Já a proporcionalidade deve ser interpretada como a adequação entre a falta cometida e a punição aplicada.
A unicidade da punição ou vedação do bis in idem significa que a mesma situação só pode ser punida uma única vez.
Por fim, a isonomia preceitua que a mesma falta deve ser tratada com o mesmo rigor e penalidade. Assim, caso dois empregados se envolvam em uma briga, com culpas recíprocas, por exemplo, devem sofrer idêntica punição.
Além desses critérios, indicados na doutrina e na jurisprudência, a aplicação de advertências e suspensões se encontra em um limbo jurídico.
E, neste ponto, surgem os instrumentos de compliance para estabelecer padrões de conduta e critérios punitivos dotados de transparência na relação trabalhista.
Através de um código de conduta, por exemplo, o empregador pode definir diversos contornos comportamentais exigidos do seu empregado, como postura de atendimento a clientes, padrões de vestimentas e apresentação ao trabalho, vedações de atitudes no ambiente laborativo, entre outros.
Evidentemente, os critérios estipulados devem ser razoáveis e exigíveis no ambiente laborativo, respeitando os direitos de personalidade e dignidade dos colaboradores.
Ainda, os códigos de conduta poderão estabelecer quais faltas acarretam advertências ou suspensões, quais períodos para punição e critérios de apuração e investigação de condutas faltosas, trazendo balizas objetivas e facilmente aferíveis para a relação trabalhista.
A elaboração de tais balizas facilita a gestão de recursos humanos no local de trabalho, padronizando o tratamento aos colaboradores e imprime caráter de transparência na utilização do poder disciplinar.
Mais, tais ferramentas servem para demonstrar os valores éticos da empresa perante a sociedade e que não compactuam com eventuais faltas cometidas por seus colaboradores, o que aumenta seu prestígio e valor no mercado.
Inúmeras situações prejudiciais à imagem das empresas poderiam ser evitadas ou ao menos mitigadas pelo uso de ferramentas de conformidade e integridade, evitando o desperdício de recursos financeiros e sociais. Daí a necessidade de compliance nas empresas, inclusive para fins de adequação de relações de trabalho.
Referências bibliográficas
BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> o em: 23/11/2020.
_______. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> o em: 23/11/2020.
_______. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 1001473-32.2017.5.02.0291. 3ª Turma, relator ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 09/04/2021
NASCIMENTO, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. — 26. ed. — São Paulo: Saraiva, 2011.
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