Lei 14.365/2022 contraria normativa da ONU: a imunidade profissional em risco
10 de junho de 2022, 21h28
No último dia 2 de junho foi publicada a Lei Federal n° 14.365/2022, que alterou a também Lei Federal n° 8906/1994, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, incluindo disposições sobre a fiscalização do exercício da advocacia, os limites de seu ofício, trazendo igualmente, como já ocorre com o processo civil desde a promulgação do Código de processo Civil de 2015, a suspensão dos prazos processuais penais no período do recesso forense que transcorre de vinte de dezembro a vinte de janeiro, além de aumento de pena para atos que tipificam a violação a prerrogativas da advocacia.
Contudo, apesar de muito festejada pela classe, a novatio legis trouxe em seu bojo um detalhe que parece ainda não vislumbrado e que apresenta grande retrocesso ao direito de defesa: ela revogou o §2º do art. 7° da Lei Federal n° 8906/1994[2], que previa a imunidade da advocacia e afastava a incursão em injúria e difamação quando do exercício de manifestação da advogada e do advogado, na defesa dos direitos de seus constituintes, em Juízo ou ainda mesmo fora dele. Esta norma ordinária, como se sabe, era complementar ao artigo 133 da Constituição que dispõe que o "advogado é indispensável à istração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações". A questão que se impõe no momento é que a regra constitucional condiciona a imunidade a regulamentação infraconstitucional, entretanto, com a novatio, tivemos o afastamento da regulamentação legal da imunidade profissional, e a advocacia ficará, em tese, ainda mais à mercê de construção doutrinária e jurisprudencial para ter segurança jurídica para exercer o seu ofício.
Porém, é preciso advertir que a novatio legis in pejus desacompanha os Padrões Básicos para a Função da Advocacia (PBFA)[3], que foram estabelecidos no 8º Congresso Internacional de prevenção contra o crime e tratamento do delinquente das Nações Unidas (ONU) em 1990, em Havana, Cuba, que, em seu artigo 20, estabelecem que "lawyers shall enjoy civil and penal immunity for relevant statements made in good faith in written or oral pleadings or in their professional appearances before a court, tribunal or other legal or istrative authority" (grifos nossos).
Neste ponto, é indispensável acentuar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em diversas oportunidades, manifestou-se sobre a importância do livre exercício da defesa no processo penal para a devida existência e configuração do processo penal acusatório na região, adotando, conforme ensinam os professores Binder et al, os referidos padrões básicos da ONU em suas sentenças condenatórias contra países que violaram o exercício do direito de defesa[4]. Desse modo, é permitido afirmar que, nos termos do quanto assentado pela referida Corte Internacional[5] no julgamento do Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile[6] — e outros julgados —, os padrões básicos da ONU são, atualmente, normativas também obrigatórias ao Poder Judiciário brasileiro, jus cogens portanto, pois a Corte Interamericana afirma que devem os magistrados e magistradas dos países signatários realizarem não somente o "controle de convencionalidade" a partir dos tratados e convenções internacionais ratificados, como também à partir da própria jurisprudência do referido órgão internacional.
Portanto, neste momento de revogação do § 2° do artigo 7° da Lei n° 8906/1994, que, de fato, representa grande retrocesso ao exercício da advocacia e ao direito de defesa, recomenda-se que deve, o Poder Judiciário, utilizar-se do Direito Internacional dos Direitos Humanos e manter a imunidade profissional da advocacia, para fins penais e civis, nos termos recomendados pelas Nações Unidas e determinados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
[2] PBFA, ONU, 1990. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/basic-principles-role-lawyers. Visualizado em 07.06.2022.
[3] BINDER, Alberto. CAPE, Ed. NAMORADZE, Zaza. Defesa Criminal na América Latina. P. 72. ADC, CERJUSC, CONECTAS, DEJUSTICIA ICG, IDDD, IJPP, INECIP
[4] a qual o Brasil ratificou o reconhecimento de sua jurisdição por meio do Decreto n° 4463/2002.
[5] CORTE INTERAMERICANA. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnj.jus.br/wp-content/s/2016/04/7172fb59c130058bc5a96931e41d04e2.pdf. Visualizado em: 07.06.2022.
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