Mais de dez anos depois, as debêntures incentivadas deslancham
21 de março de 2022, 9h24
Debêntures podem ser conceituadas como frações de um contrato de empréstimo, no qual a companhia emissora figura como mutuária e os debenturistas são os mutuantes. De forma bastante resumida, o titular de uma debênture possui um título que lhe assegura um direito de crédito em face da companhia emissora, nas condições constantes da escritura de emissão.[1]
Em dezembro de 2010, por meio da Medida Provisória nº 517/2010, posteriormente convertida na Lei nº 12.431/2011, foram instituídas as apelidadas debêntures "de infraestrutura" ou "incentivadas". Trata-se de debêntures emitidas por sociedades de propósito específico (SPEs) para captação de recursos com vistas à implantação de projetos na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
A grande vantagem dessas debêntures consiste no benefício fiscal proporcionado aos debenturistas. Daí o nome "incentivadas". Há, nesse sentido, duas modalidades distintas de debêntures de infraestrutura.
A primeira modalidade, referida como "debêntures do artigo 1º" (por estarem disciplinadas nesse artigo da Lei nº 12.431/2011) confere benefícios apenas a investidores (pessoas físicas ou jurídicas) residentes no exterior, reduzindo a zero a alíquota do imposto sobre a renda (IR) incidente sobre os rendimentos desse investimento e isentando-os do recolhimento do imposto sobre operações financeiras (IOF).
Por outro lado, há as debêntures incentivadas "propriamente ditas", previstas no artigo 2º da Lei, que 1) possuem critérios muito mais rígidos para serem enquadradas como tais; mas, ao mesmo tempo, 2) contemplam benefício fiscal mais amplo. Nessa modalidade, investidores brasileiros pessoas físicas são tributadas à alíquota zero de IR sobre os rendimentos das debêntures e as pessoas jurídicas na alíquota fixa de 15%. Em ambos os casos, o tributo incide exclusivamente na fonte.
A oferta de "debêntures do artigo 1º" no mercado é inexpressiva. Praticamente inexistente. Por isso, sempre que alguém se refere às debêntures incentivadas, está se referindo àquelas do artigo 2º da Lei nº 12.431/2011.
Para que as debêntures possam receber o "incentivo" fiscal, é necessário que os projetos de investimento na área de infraestrutura, ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, sejam considerados prioritários na forma regulamentada pelo Poder Executivo Federal.
Essa regulamentação consta atualmente do Decreto nº 8.874/2016, que basicamente considera prioritários projetos que 1) integrem o Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República — PPI; 2) proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes; ou que 3) sejam considerados prioritários pelo Ministério setorial responsável.
Na prática, para que o projeto seja considerado prioritário, o interessado em sua implementação deve submetê-lo à apreciação do Ministério de Minas e Energia (no caso de projetos na área de energia), do Ministério da Infraestrutura (projetos de logística ou transporte), Ministério do Desenvolvimento Regional (saneamento básico, mobilidade urbana ou irrigação) ou Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (telecomunicações ou radiodifusão).
Apenas após tramitar por um procedimento mais ou menos burocrático (a depender do Ministério a que for submetido) é que o projeto poderá ser considerado prioritário, o que se dá a partir da edição de uma portaria autorizadora pelo Ministério. Só assim os debenturistas am a ter direito ao benefício fiscal, caso invistam no projeto.
Feito esse panorama legislativo, cabe analisar os dados publicamente disponíveis de forma a entender, na prática, o que essas debêntures incentivadas representam.
Com efeito, as debêntures de infraestrutura foram instituídas como forma de incentivar o aumento da participação da iniciativa privada no financiamento dos diferentes setores da infraestrutura brasileira, especialmente em projetos de longo prazo. A própria exposição de motivos da Medida Provisória nº 517/2010 menciona que, em 2010, linhas oriundas de bancos públicos (especialmente o BNDES) respondiam por quase 90% da carteira de crédito de longo prazo, com vencimento superior a cinco anos.
Ocorre que a utilização das debêntures incentivadas teve um começo extremamente lento. Dados do Ministério da Economia apontam que, até 2016, o número de operações mal ava de 20 por ano e o volume de captação média anual girava em torno de R$ 5 bilhões [2]. Apenas a título de comparação, estudo elaborado pela Confederação Nacional da Indústria — CNI apontou que, entre 2012 e 2014, o investimento médio total na infraestrutura brasileira foi de aproximadamente R$ 120 bilhões por ano [3]. A comparação entre os dados demonstra a pouca expressividade dos valores captados com debêntures incentivadas.
Diversas foram as razões apontadas para esse começo decepcionante, desde o apelo mais tradicional do BNDES, ando pela baixa liquidez dos títulos, burocracia e morosidade dos Ministérios na aprovação de projetos e ausência de regras claras para o enquadramento de projetos como prioritários. Não se pode ignorar, ainda, a crise político-econômica vivenciada pelo Brasil principalmente entre os anos de 2014 e 2016, com reflexos negativos nos investimentos em infraestrutura.
A despeito desse cenário inicial, fato é que, a partir de 2017, a situação mudou completamente. Já naquele ano, o volume de operações com debêntures incentivadas mais do que dobrou em relação a 2016, atingindo o montante de R$ 9,145 bilhões. Esse volume viria a dobrar novamente em 2018, quando alcançou o montante de R$ 23,890 bilhões.
Os números de 2021,[4] recentemente divulgados pelo Ministério da Economia, impressionam. Foram 124 operações com debêntures de infraestrutura, totalizando um volume de R$ 47,198 bilhões. Em 2020, tinham sido "apenas" 58 operações e R$ 18,625 bilhões em volume. Lembrando-se do estudo da CNI acima referido, é notável a relevância que as debêntures aram a ter no financiamento da infraestrutura brasileira.
O gráfico a seguir foi elaborado pelo autor a partir de informações extraídas da base de dados do Ministério da Economia e demonstra o notável aumento na utilização de debêntures incentivadas nos últimos cinco anos. Os valores estão indicados em milhões de reais (id est, onde se lê abaixo R$ 1 mil, leia-se R$ 1 bilhão):

Não se pode atribuir a uma ou outra causa essa mudança no rumo da utilização do instituto. Fato é que, a partir de 2017 1) o PIB brasileiro voltou a subir, ainda que timidamente; 2) a Lei nº 12.431/2011 e os normativos elaborados pelos Ministérios aram por reformas, tornando mais claros os processos para enquadramento dos projetos; e 2) no geral, o instituto deixou de ser uma "novidade" para o mercado brasileiro, consolidando-se como uma verdadeira alternativa privada ao financiamento de projetos de infraestrutura.
2) Por sua vez, a Comissão de Valores Mobiliários — CVM teve importante participação na ampliação do uso das debêntures incentivadas ao regulamentar os Fundos Incentivados de Infraestrutura – FI-Infra, por meio da Instrução CVM nº 606/2019. Tanto é assim que, em fevereiro de 2019 (mês anterior ao da entrada em vigor da referida Instrução), os fundos de investimento representavam 14,9% dos titulares das debêntures de infraestrutura [5]. Em dezembro de 2021, já representavam 21,55% dos titulares.
Tudo isso demonstra que as perspectivas para os próximos anos, no que diz respeito às debêntures incentivadas, são as melhores possíveis. A recuperação econômica do Brasil das crises vivenciadas na década anterior — cujos efeitos se estendem até hoje — a necessariamente por um amplo investimento na infraestrutura do país. A participação da iniciativa privada nesse processo é extremamente necessária e os últimos dados demonstram que as debêntures incentivadas terão papel fundamental para auxiliar a atingir esse objetivo.
[1] Para maiores detalhes sobre o conceito de debêntures, recomenda-se BORBA, José Edwaldo Tavares. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P. 11-14.
[2] MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas (E demais instrumentos da Lei 12.431/2011). 97. ed. Brasília, dez. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-de-debentures-incentivadas/2021/spe-me-boletim-debentures-lei-12-431-dez-2021.pdf. o em: 6 fev. 2022.
[3] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. O financiamento do investimento em infraestrutura no Brasil: uma agenda para sua expansão sustentada. p. 38. Brasília, 2016. Disponível em: http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2016/07/18/11404/1807-EstudoFinanciamentodoInvestimentoemInfraestrutura.pdf. o em: 6 fev. 2022.
[4] Mesmos dados do Ministério da Economia mencionados na nota 1 acima.
[5] MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas (E demais instrumentos da Lei 12.431/2011). 63. ed. Brasília, fev. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-de-debentures-incentivadas/2019/boletim-de-debentures-fevereiro-2019/view. o em: 6 fev. 2022.
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