2º grau não pode julgar pedido de mérito improcedente em petição já indeferida
2 de setembro de 2022, 16h10
No Direito Processual Civil brasileiro, as liminares (decisões antecipadas de cognição superficial) sempre foram um campo fértil para ricas discussões acadêmicos.
Trata-se de um tema delicado, pois, na prática, essas decisões implicam em uma antecipação do direito perseguido de forma total (as vezes irreversível). Vejamos:
O Código de Processo Civil de 2015, a partir do artigo 294, de forma organizada e esquematizada, disciplina o instituto processual da tutela provisória.
Essa espécie regulamenta as decisões na fase embrionária do processo, em regra, quando sequer foi exercido o regular direito ao contraditório e a ampla defesa.
Em primeira instância, três são as modalidades de tutela provisória, quais sejam, de urgência: antecipada e cautelar, além da tutela da evidência. Vale dizer que as tutelas podem ser requeridas em caráter antecedente ou incidental.
A tutela antecipada é a própria antecipação do pedido final de mérito, caso satisfeitos os requisitos legais.
A cautelar diz respeito a garantia do direito e ao resultado útil do processo, ou seja, visa assegurar, preservar aquele direito até o julgamento final do mérito.
Já a tutela da evidência consiste em um rol de hipóteses legais nos quais o direito se mostra evidente, não fazendo sentido o processo se estender em tais casos [1].
Antecedente é o pedido realizado pela parte antes mesmo do início do processo devido a extrema urgência de perecer o direito em questão.
Já o pedido incidental ocorre quando já há processo em curso, não sendo necessário o recolhimento de custas nesse caso.
Feita essa pequena e necessária introdução, vamos ao debate da questão principal: seria possível o tribunal de segundo grau julgar improcedente liminarmente, em sede de apelação, os pedidos de mérito nos casos de indeferimento liminar da inicial em primeira instancia, no caso de estar apto para tanto?
O enunciado sugerido, adotado como tema central do presente artigo, é interessante e complexo, e, em minha opinião sempre despertará o saudável debate.
O C nos diz que, se a causa estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal de segundo grau, em sede de apelação, dentre outras hipóteses, poderá julgar o mérito da demanda de sentença fundada no artigo 485, hipótese em que sequer a análise do mérito [2].
Ocorre que, na situação em questão, o tribunal teria de prover a apelação, pois o recurso que ataca sentença que indefere liminarmente a petição inicial busca a anulação daquela para posterior retorno dos autos a instância de origem [3].
Pois bem. Ora, o C nos diz que o julgamento de improcedência liminar do pedido apenas pode ser realizado pelo magistrado de primeiro grau, tendo em vista o dispositivo se encontrar topologicamente no espaço atribuído ao processo que corre em primeiro grau, além de adotar a palavra "o juiz" [4].
Em razão disso, caso o tribunal de segundo grau acolha a apelação, receba a inicial e julgue liminarmente improcedentes os pedidos lá realizados com base na teoria da causa madura, estaria suprimindo o direito de recorrer da parte, pois pra onde seria possível recorrer desse acórdão? Apenas para os tribunais superiores.
Seria uma espécie de sentença recorrível por meio de recurso especial/extraordinário. O tribunal de origem proferiria uma decisão exclusiva do juiz, extirpando da parte o direito a interpor o recurso de apelação cabível contra sentença que julga improcedentes liminarmente os pedidos.
Além disso, outro fato que causaria estranheza seria que, no caso de apelação contra improcedência liminar do pedido, a lei prevê o juízo de retratação pelo magistrado singular.
Na hipótese de julgamento do tribunal desacolhendo liminarmente os pedidos iniciais, como se viabilizaria o direito de retratação pela corte? E como o processo tramitaria no segundo grau em caso de retratação? São situações inviáveis pela lógica processual vigente. Isso tudo acarretaria supressões de instância sucessivas.
Em que pese posições em sentido contrário, que defendem a possibilidade do julgamento liminar negando os pedidos iniciais pelo tribunal em prol da duração razoável do processo e segurança jurídica [5], entendo, com máximo respeito, não ser esse o melhor caminho.
Todo e qualquer jurisdicionado tem direito aos chamados recursos ordinários, como o é a apelação.
Em razão disso, mesmo que se julgue pelas hipóteses taxativas de improcedência liminar do pedido, a parte tem o direito de, invariavelmente, recorrer dessa sentença.
Não se mostraria adequado, que em prol da duração razoável do processo e da segurança jurídica se suprimisse um direito recursal, legalmente garantido.
Concluindo, entende-se, respeitando as opiniões contrárias, que não seria possível o tribunal de justiça de segundo grau julgar improcedentes liminarmente os pedidos iniciais em caso de indeferimento da petição inicial, em sede de apelação.
Chegou-se a esse desfecho, pois, dessa maneira se estaria suprimindo um direito recursal do jurisdicionado, além de ser permitido, à letra da lei, apenas ao magistrado de primeiro grau o julgamento de improcedência liminar dos pedidos.
Também pelo fato de se tornarem inviáveis alguns institutos processuais decorrentes dessa hipótese de julgamento, como o juízo de retratação em segunda instância.
E no caso de rejeição liminar pelo tribunal dos pedidos de mérito contidos em inicial indeferida, não poderia o tribunal sequer fazê-lo com base nos incisos do artigo 332 (precedentes vinculantes)?
Da mesma maneira entende-se que não, pois sequer dessa maneira poderia se ultraar o óbice da supressão recursal do jurisdicionado. Teríamos uma espécie de sentença proferida por órgão colegiado da qual não caberia o recurso de apelação, danificando a lógica processual vigente.
Dessa maneira, o tribunal de segundo grau não poderá julgar liminarmente improcedentes os pedidos de mérito contidos em petição inicial indeferida liminarmente, em razão das irregularidades insanáveis apontadas.
___________
[1] Art. 311 do Código de Processo Civil de 2015
[2] Art. 1.013, 3°, I, do Código de Processo Civil de 2015
[3] Art. 331, 2°, do Código de Processo Civil de 2015
[4] Art. 332 do Código de Processo Civil de 2015
[5] NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Julgamento antecipado do mérito pelo tribunal de segundo grau mediante aplicação da teoria da causa madura: uma proposta em favor de sua viabilidade. In: NUNES, Jorge Amaury Maia; NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Processo e procedimento: migalhas de direito processual. São Paulo: Migalhas, 2019.
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