Práticas de ESG no setor de infraestrutura a partir da nova Lei de Licitações
4 de setembro de 2022, 6h34
Nos últimos anos, é notável a força que a sigla ESG vem ganhando. Tamanha repercussão tem como ponto de partida a compreensão de que o setor privado desempenha um papel fundamental na construção de um futuro social, econômico e ambientalmente mais sustentável. ESG é a sigla para Environmental, Social and Governance, e em português, ASG é a sigla para Ambiental, Social e Governança. Esse termo tornou-se uma referência para que as empresas começassem a repensar suas condutas com o objetivo de torná-las mais sustentáveis, mas muitas dúvidas ainda cercam aquelas pessoas que buscam colocá-las em prática.
Para tornar o termo mais palpável, é importante compreender, em primeiro lugar, que não é possível listar de modo exaustivo um rol mínimo de medidas que devam ser observadas por todas as empresas. O conceito-chave para o ASG é a materialidade: deve-se identificar quais questões são mais relevantes em determinado contexto operacional (aquelas que são questões materiais) e priorizá-las. A materialidade, portanto, varia a depender dos diferentes perfis existentes de empresas, indústrias, locais de operação, entre outros.
O setor de infraestrutura, ao mesmo tempo em que é fundamental para o desenvolvimento econômico e social, também é responsável por diversos impactos socioambientais. Assim, o desenvolvimento de uma agenda ASG para o setor contribui para maximizar impactos positivos e minimizar impactos negativos.
É necessária uma análise individualizada para a definição das questões materiais de determinado player. Ainda assim, é possível identificar algumas questões que permeiam recorrentemente o setor. A letra A frequentemente abrange temas como manejo de resíduos sólidos, desmatamento, emissão de gases de efeito estufa, emprego de recursos hídricos, entre outros. Sobre a letra S, direitos dos trabalhadores e a relação com as comunidades no entorno, incluindo povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, são algumas das temáticas relevantes. Por fim, a letra G abrange aspectos como benefícios fiscais, condutas istrativas, relações com o governo, entre outros [1].
O Poder Público desempenha um papel fundamental nesse contexto, seja por meio da edição de atos normativos que regulem a conduta de atores privados em relação a questões de ASG, seja na incorporação de aspectos de ASG nas suas próprias atividades. Nessa toada, a Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de Licitações) é um reflexo do esforço do Poder Público de inserir práticas mais sustentáveis em licitações e contratos istrativos.
Pode-se verificar a inserção de diferentes critérios de ASG no decorrer de todo texto normativo. Alguns deles são relevantes para as práticas de todas as empresas que participem de processos licitatórios, outros são aplicáveis de forma mais específica ao setor de infraestrutura, como aqueles que dizem respeito às obras e serviços de engenharia.
Dentre os dispositivos gerais, o artigo 5º da lei estabelece que o desenvolvimento nacional sustentável é um dos princípios que deverão ser observados na aplicação da norma [2]. Ao erigir o desenvolvimento sustentável ao patamar de princípio legal, a a ser exigível da istração Pública o dever de efetivá-lo na maior medida possível [3]. Apesar de ser um termo abrangente e de caráter principiológico, o dispositivo já indica qual deve ser o norte na aplicação da lei, incluindo na interpretação dos demais dispositivos legais [4].
No que tange à fase preparatória do processo licitatório, artigo 18, inciso I, da lei prevê a elaboração de um estudo técnico preliminar, que deverá conter uma descrição de possíveis impactos ambientais e suas medidas mitigadoras, incluindo o requisito de baixo consumo de energia e de outros recursos naturais, logística reversa e reciclagem (artigo 18, §1º, inciso XII). Como mencionado, essas são questões relevantes para o setor de infraestrutura. A ausência de tal descrição deverá ser justificada (artigo 18, §2º).
Além disso, a lei dispõe que o julgamento por menor preço, maior desconto ou, quando couber, o julgamento por técnica e preço considerará o "menor dispêndio para a istração" (artigo 34). Para tanto, a lei ite que sejam levados em conta os custos indiretos da contratação, desde que objetivamente mensuráveis, o que inclui o impacto ambiental e outros fatores do ciclo de vida do objeto licitado (artigo 34, §1º). O dispositivo ainda se encontra pendente de regulamentação, mas denota uma preferência do legislador por medidas de mitigação do dano ambiental, em detrimento de medidas de restauração e reparação, além de uma preocupação com impactos que possam vir a ser observados apenas após a conclusão do contrato. A adoção de práticas mais sustentáveis pode, portanto, ser um diferencial competitivo para as partes licitantes.
Em sentido semelhante, o artigo 60, §1º, IV, prevê que, em igualdade de condições, se não houver desempate, será dada preferência a empresas que comprovem a prática de mitigação das mudanças climáticas, conforme a definição da Lei nº 12.187/2009 [5] [6]. Os critérios de desempate, por sua vez, incluem o desenvolvimento, pelo licitante, de ações de promoção da equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho e de programas de integridade (artigo 60, incisos III e IV) [7].
A nova Lei de Licitações também estabelece regras para a contratação de obras e serviços de engenharia que envolvem os aspectos de ASG, presentes no artigo 45. Segundo o mencionado dispositivo, esse tipo de licitação deve respeitar as normas relativas 1) à disposição final dos resíduos sólidos, de uma forma que não prejudique o meio ambiente; 2) a medidas de mitigação e compensação ambiental, que devem ser definidas por meio do processo de licenciamento ambiental; 3) a utilização de produtos, equipamentos e serviços que reduzam o consumo de energia e de recursos naturais; 4) a proteção do patrimônio histórico e cultural; e, por fim, 5) a ibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Ainda para a contratação de obras de engenharia, é relevante mencionar a possibilidade de uma remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado (artigo 144). Tal desempenho será com base em metas e critérios que levam em conta a sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato. Essa previsão, se colocada em prática, servirá de incentivo ao envolvimento da alta hierarquia das empresas contratadas no cumprimento de critérios ASG, o que é tido como uma boa prática por especialistas no assunto. É importante ressaltar, ainda, que a lei não estabelece quais critérios de sustentabilidade devem ser levados em conta, sendo necessária a definição de critérios adequados no edital de licitação e nos contratos.
Outro importante avanço em matéria social é vedação da participação, no processo licitatório, de empresas que, nos cinco anos anteriores ao edital, tenham sido condenadas por exploração de trabalho infantil, por submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo ou por contratação de adolescentes nos casos vedados pela legislação trabalhista (artigo 14, VI).
Como se vê, a nova Lei de Licitações apresenta importantes incentivos para que o setor de infraestrutura adeque suas práticas a critérios ASG. As inovações trazidas pela nova legislação, em sua maioria, dizem respeito a questões ambientais. Assim, é importante que os players do setor ajam para fazer frente a outras questões materiais no contexto das suas operações. Além disso, há diversas lacunas a serem preenchidas por meio de regulamentação específica. A edição de uma regulação adequada é fundamental para que possamos afirmar que a Lei nº 14.133/2021 é de fato capaz de contribuir para um desenvolvimento social, econômico e ambientalmente mais sustentável.
[1] VALOR INVESTE. ESG e investimentos em infraestrutura. Disponível em: <https://valorinveste.globo.com/blogs/rodrigo-de-losso/coluna/esg-e-investimentos-em-infraestrutura.ghtml>. o em: 7 ago. 2022.
[2] O desenvolvimento nacional sustentável também é um dos objetivos do processo licitatório (artigo 11, IV), na linha do que já dispunha o artigo 3º da Lei nº 8.666/93, após a alteração da Lei nº 12.349/2012.
[3] BERTOCELLI, Rodrigo de Pinho. ESG na nova lei de licitações e seu impacto no setor de infraestrutura. In: NASCIMENTO, Juliana (org.). ESG: O Cisne Verde e o Capitalismo de Stakeholder: a Tríade Regenetariva do futuro global. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, 693-701.
[4] DA SILVA, Caroline Rodrigues. A sustentabilidade na nova lei de licitações como princípio e objetivo: um breve estudo a partir de sua base histórica. Disponível em: <https://abrir.link/LO26p>. o em: 18 ago. 2022.
[5] A lei instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e, em seu artigo 2º, VII, define como mitigação as "mudanças e substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e aumentem os sumidouros".
[6] Antes disso, dar-se-á preferência a empresas localizadas no território do órgão licitante, empresas brasileiras e empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento da tecnologia no país, nessa ordem.
[7] Antes disso, o desempate levará em conta 1) uma disputa final, em que os licitantes podem apresentar nova proposta; e 2) avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes (artigo 60, I e II).
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