Interesse Público

STF e a concessão de serviço de transporte rodoviário mediante autorização

Autores

  • é professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) diretora jurídica da Cemig e presidente do IBDA (Instituto Brasileiro de Direito istrativo).

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  • é advogado especialista em Direito istrativo (tendo recebido o Prêmio de Direito istrativo Professor Júlio César dos Santos Esteves) em Direito Tributário e em Direito Processual pela PUC Minas em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (Ucam) e em Advocacia Pública pelo Instituto para o Desenvolvimento Democrático (Idde) — conjuntamente com o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Ius Gentium Conimbrigae) e com a Faculdade Arnaldo.

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6 de abril de 2023, 8h00

Na última quarta-feira, dia 29/3/2023, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a concessão do serviço público de transporte rodoviário mediante autorização. Por maioria, a Corte Suprema compreendeu que, para além da mencionada constitucionalidade, o processo simplificado da autorização, sem um prévio processo licitatório propriamente dito, aumentaria a eficiência na prestação do dito serviço público.

Spacca
A questão foi decidida no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.549 e nº 6.270, ajuizadas, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário Interestadual de ageiros (Anatrip). Questionaram os autores os dispositivos da Lei nº 12.996/2014 que, justamente, afastam a licitação para a delegação daqueles serviços públicos, bastando a autorização.

Em síntese, o ministro relator Luiz Fux, pela improcedência das mencionadas ações diretas, e para além da menção à valorização do princípio da eficiência istrativa, concluiu que a interpretação sistêmica do texto constitucional ite a autorização da prestação do serviço público em comento — desde que seja desvinculada da exploração da infraestrutura —, sem que seja necessário um preliminar processo licitatório. Ressaltou o ministro relator, contudo, que o procedimento simplificado necessário para tanto teria que respeitar os princípios da istração Pública constantes do artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, quais sejam, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

A maioria da Corte Suprema, acompanhando o ministro relator Luiz Fux, ressaltou também que o Poder Executivo e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) devem atuar no sentido de garantir que o ressaltado processo simplificado cumpra requisitos de ibilidade, de segurança e de capacidade técnica e operacional-financeira. Essas exigências têm respaldo na Lei nº 14.298/2022 e já eram demandadas pelos entendimentos firmados pelo Tribunal de Contas da União [1].

De qualquer modo, deve ser salientado que houve no Supremo Tribunal Federal votos divergentes, coordenados pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Rosa Weber, no sentido de que o serviço de transporte rodoviário interestadual de ageiros exige licitação prévia e, logo, na esteira da insuficiência da simples autorização.

O Ministério Público Federal, ao emitir o seu parecer [2] na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.270, compreendeu de forma semelhante à divergência; o que, em verdade, já era esperado, na medida em que o procurador-geral da República foi o autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.549, que, por sua vez, possui impugnação similar, pela impossibilidade da mera autorização para os fins da concessão do serviço público de transporte rodoviário.

Nesse sentido, segundo o MPF, a "Constituição Federal, ao disciplinar a ordem econômica e financeira, estabeleceu caber ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou, quando outorgada a particulares, sob regime de concessão ou de permissão, e sempre precedida de licitação"; e que, por isso, "para a prestação de serviços de transporte interestadual e internacional de ageiros, de interesse público e da coletividade, é imprescindível, à luz de interpretação sistemática da Constituição, a observância de regime que exige prévio procedimento licitatório".

O tema, de fato, é controverso.

De um lado, em uma interpretação literal, o artigo 175, caput, da Constituição da República determina que, quando da delegação de serviços públicos, a transferência da prestação dar-se-á "sempre através de licitação". Nesse sentido, é possível advogar, sem que sejam cometidos absurdos, pela impossibilidade de se desconsiderar a literalidade constitucional, em respeito ao estipulado pelo poder constituinte.

De outro lado, não é um total despautério defender que o artigo 175, caput, do texto constitucional, deve ser objeto de uma interpretação sistemática — que, inclusive, para a maioria da doutrina, é mais pertinente que a interpretação meramente gramatical —, que leve em consideração o mandamento da eficiência, sobretudo quando não são desconsiderados os demais princípios da istração pública quando do procedimento seletivo da autorização. Assim, a licitação, não sendo um fim em si mesma, poderia, no caso específico, ser afastada, porquanto as suas finalidades — e é o que importa, ao fim e ao cabo — estariam incólumes.

De todo modo, claro, prevalece o entendimento da Suprema Corte. Resta-nos aguardar se a posição prevalecerá ou se, em outras ocasiões, o STF modificará a sua compreensão inicial.

 


[1] Assim consta do sítio oficial do Supremo Tribunal Federal o extrato da decisão: "O Tribunal, por maioria, conheceu integralmente da ação direta e julgou-a improcedente, e, em obiter dictum, entendeu que o Poder Executivo e a ANTT devem providenciar as formalidades complementares introjetadas no acórdão do Tribunal de Contas da União e na Lei 14.298/2022, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Rosa Weber (Presidente), que acompanhavam o Relator quanto ao conhecimento, mas julgavam procedente o pedido. Plenário, 29.3.2023". Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/Texto.asp?id=5739239&ext=RTF. o em: 5/4/2023.

[2] Parecer SFCONST/PGR nº 107563/2020. Íntegra do parecer do Ministério Público Federal em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752481911&prcID=5820876&ad=s. o em: 5/4/2023.

Autores

  • é advogada, visiting scholar pela George Washington University, doutora em Direito istrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em mediação, conciliação e arbitragem pelo Instituto para o Desenvolvimento Democrático (Idde), professora da graduação, mestrado e doutorado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora do mestrado da Faculdade Milton Campos, professora Visitante da Università di Pisa e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito istrativo (IBDA).

  • é advogado, especialista em Direito istrativo (tendo recebido o Prêmio de Direito istrativo Professor Júlio César dos Santos Esteves), em Direito Tributário e em Direito Processual pela PUC Minas, em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (Ucam), e em Advocacia Pública pelo Instituto para o Desenvolvimento Democrático (IDDE) — conjuntamente com o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Ius Gentium Conimbrigae – IGC) e com a Faculdade Arnaldo.

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