Opinião

Decisão do TAS-CAS é gol para Fifa e de seu regulamento de agentes de futebol

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  • é doutorando em Direito Civil e mestre em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito Constitucional ambos pela Universidade de Coimbra (Portugal) e com linha de investigação relacionada ao Direito do Desporto professor de cursos de Direito Desportivo e áreas correlatas coorganizador da obra coletiva Direito Econômico Desportivo (São Paulo: LTr 2019. 146 p.) autor de diversos artigos jurídicos publicados no Brasil e no exterior e advogado desportivo em Ambiel Manssur Belfiore Gomes e Hanna Advogados.

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  • é estudante de Direito na Universidade de São Paulo (USP) coordenador do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da USP e estagiário da equipe de Societário Fusões e Aquisições de Ambiel Belfiore Gomes e Hanna Advogados.

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8 de agosto de 2023, 18h17

No último dia 24 de julho, o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS-CAS) tornou público o seu laudo arbitral [1] acerca da legitimidade e legalidade das determinações impostas pela Fifa ao mercado desportivo com a recente aprovação e entrada em vigor de seu Regulamento para Agentes de Futebol.

O mundo do esporte é regulamentado por uma série de regras e normativas, as quais vão desde o nível nacional ou supranacional até o âmbito das próprias entidades em si. Algumas delas visam a garantir direitos laborais dos profissionais dessa área, outras almejam manter o equilíbrio competitivo e a incerteza dos resultados, além de haver aquelas que se destinam a assegurar a integridade e a ética desportivas, por exemplo.

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No âmbito do futebol, cabe à Fifa, enquanto entidade máxima de istração da modalidade, fazê-lo — sendo certo que, dado o sistema piramidal que governa o desporto, as suas decisões e deliberações repercutem em verdadeira espiral na cadeia de filiação associativa nacional.

Nesse contexto, em dezembro de 2022, como acima mencionado, a Fifa aprovou o Regulamento de Agentes de Futebol (FFAR), por meio do qual, em suma, retornou com o sistema de agentes licenciados perante a entidade  em lugar dos intermediários meramente cadastrados nas associações nacionais —, impôs tetos às comissões pagas aos agentes (commission caps) e vetou a múltipla representação por parte dos agentes.

Essas mudanças, no entanto, por não haverem sido tão bem-vistas pelo mercado, levaram a Associação dos Agentes de Futebol Profissional (Profaa) a submeter a análise da viabilidade da imposição de tais regras ao TAS-CAS. Entre os principais debates travados nos autos, destaca-se, primeiro, a questão da livre concorrência. No entendimento da Fifa, o FFAR não seria concorrencialmente restritivo, nem configuraria abuso de posição dominante. Além disso, ainda que fosse interpretado como tal (restritivo à livre concorrência), não estaria o Regulamento no escopo da lei concorrencial europeia.

A embasar a sua posição, a Fifa alegou que o FFAR persegue finalidades justificadas, sendo as eventuais restrições inerentes e proporcionais à busca delas. Nesse sentido, a entidade sustentou, por exemplo, que os commission caps se aplicam universalmente em toda a UE, pelo que não restringiriam a livre circulação de serviços e equalizariam os limites aplicáveis nos diferentes Estados-membros, bem como que, mesmo se não assim fosse, a legislação europeia permitiria aos órgãos reguladores do esporte a criação de regras que, prima facie, restringem direitos sempre que estas consistam em meios proporcionais ao alcance de objetivos legítimos [2].

Ressalte-se que, embora haja contestado a alegação de que possui posição coletiva dominante no mercado de serviços de agentes de futebol  com o que o TAS-CAS, no entanto, não concordou [3], na esteira da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) , a FIFA itiu ser uma associação de empresas, de acordo com o que dispõe o Tratado da UE. A despeito de haver ressaltado fazê-lo para os propósitos específicos dessa demanda [4], será decerto interessante verificar-se se tal reconhecimento repercutirá em casos futuros.

Outro argumento levantado pela Profaa e que merece também relevo foi o de que o FFAR não afeta os participantes de competições ou modalidades esportivas; na realidade, ele regulamentaria toda a atividade econômica e contratual de um setor profissional que não participa diretamente de competições. Em sua resposta, a Fifa anotou que os agentes desempenham papel significativo nas composições das equipes e, portanto, nas competições esportivas, bem como frisou que a natureza regulatória dos órgãos de istração do esporte foi expressamente reconhecida pelo TJUE, ainda que sobre pessoas não diretamente participantes da atividade regulada [5].

Também mencionada pela Profaa, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não gerou maiores repercussões em seu favor. O TAS-CAS deixou expresso não ter esta natureza mandatória e incondicional, afirmando, pelo contrário, que ela requer disposição específica na legislação da UE ou dos países-membros, pelo que impossível se recorrer a tal diploma neste caso.

Esteve na pauta, ainda, a conformidade do FFAR com as leis suíças, italianas e sas, além da compatibilidade do Regulamento com o acordo coletivo de trabalho entre a liga de futebol dos EUA (MLS) e a associação de atletas da MLS. Todas as alegações nesse sentido, trazidas aos autos pela Profaa, foram rechaçadas pelo TAS-CAS, tendo sido um dos argumentos utilizados pelos árbitros o fato de ser permitido as associações nacionais ou os agentes seguirem as normas jurídico-legais existentes nos seus respectivos territórios sempre que estas colidirem com disposições do FFAR [6].

Eis, em apertada síntese, os principais tópicos abordados pelo TAS-CAS, a serem seguidos de perto por quem se debruçar sobre o tema. A par dos entendimentos que se possam ter a respeito, da força dos argumentos suscitados pela Profaa e do fato de que o Tribunal recomendou um melhor detalhamento das questões atinentes à política de proteção de dados pessoais no seio do Regulamento, a verdade é que o laudo arbitral foi integralmente favorável à Fifa, reconhecendo a validade do FFAR e a legitimidade, licitude e proporcionalidade de suas disposições – isto, por sinal, foi objeto de comemoração (e certo alívio) por parte da entidade máxima do futebol.

A despeito do fôlego e do ambiente de confiança que a decisão do TAS-CAS possa gerar em favor da Fifa, a plena implementação do FFAR ainda terá um longo caminho a percorrer. Isso porque já tramita, perante o TJUE, ação a discutir a viabilidade jurídica do Regulamento frente ao Direito Concorrencial europeu, por alegado abuso de posição dominante, de falta de razoabilidade e proporcionalidade nas suas disposições, bem como incompetência da Fifa para regular a profissão dos agentes, haja vista não serem eles membros da entidade.

Por mais significativo que possa ser para o mundo do futebol o posicionamento do TAS-CAS, a busca por maior transparência, ética e estabilidade no sistema desportivo jamais cessarão, devendo ser travadas dia após dia, por todos aqueles que militam na área. Afinal, nas inspiradoras palavras de Fernando Pessoa [7]:

Uns, com os olhos postos no ado,
Veem o que não veem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.


[1] Caso CAS 2023/O/9370 Professional Football Agents Association (PROFAA) v. Fifa, julgado em 24 de julho de 2023.

[2] Pontos 74 e 101 do laudo arbitral.

[3] Pontos 205 e 206 do laudo arbitral.

[4] Ponto 75 do laudo arbitral.

[5] Pontos 283 a 288 do laudo arbitral.

[6] Pontos 473, 479, 485, 490, 498, 503, 507 e 512 do laudo arbitral.

[7] PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor). Lisboa: Ática, 1994. p. 154.

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