Quando as súmulas dizem não ao subjetivismo
21 de agosto de 2023, 18h27
A redação da Súmula 718 do STF informa que "a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada". Um texto certeiro como um sniper.
Veja. A opinião do julgador não conta para impor um regime mais rígido do que aquele consentido pela pena aplicada. Uma contenção ao subjetivismo, ao solipsismo, protagonismo, ativismo judicial. O próprio Judiciário emitiu esse enunciado sumular, portanto, o que o nosso sistema de Justiça informa é que ele mesmo não pode decidir com base em suas próprias opiniões.
Luís 14, o Rei sol(ipsista) dizia "o Estado sou eu". Os juízes da modernidade dizem "o Estado-juiz sou eu". Ora, o juiz e o Estado-juiz são a mesma coisa e ao mesmo tempo não são. Explico. O juiz representa o Estado. O Estado decide por meio do juiz. Até aqui nenhum problema. Mas a questão é que o Estado vem primeiro. Depois vem os juízes. É esse o significado que dou para a expressão Estado-juiz.
Um dos sintomas mais claros do autoritarismo daqueles que aplicam o Direito ao caso concreto é acharem (muitos juízes têm certeza) que as suas perspectivas de mundo são mais importantes do que a lei. Quando na verdade, nem as suas decisões são isso. Imaginem as suas inclinações pessoais.
As tradições jurídicas, as leis, e a opinião dos doutrinadores também constroem o Direito. A hermenêutica é a matéria-que-está-aí para construir pontes de significados entre os membros da comunidade jurídica. A doutrina tem o papel cívico de dialogar com os juízes visando a interpretação-aplicação do empreendimento teórico mais importante de todos os tempos: o Direito.
A súmula seguinte, ou seja, a Súmula 719 do Supremo Tribunal Federal declara que "a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea". Mais uma tacada certeira do Poder Judiciário. Aqui temos a exigência de motivação para justificar a fixação de regime mais gravoso do que a pena aplicada.
A Súmula 719 é um reforço democrático ao explicitado na Súmula 718. Enquanto essa não permite o subjetivismo do julgador, aquela reivindica o dever de fundamentar uma decisão judicial. As súmulas também fazem parte de toda a engenharia interpretativa da ordem jurídica, uma vez que são extratos de jurisprudência.
Um processo democrático é uma virada de chave para a aplicação do Direito. Decidir é um ato republicano. O juiz tem uma responsabilidade imensa com os jurisdicionados: o que eu denomino de responsabilidade jurídica dos juízes. Aqueles que acionam o nosso sistema de justiça depositam suas esperanças na caneta dos aplicadores da legalidade.
O ativismo judicial deve ser evitado a todo custo. Pensar que, por meio de um cargo, alguém pode abandonar a sua missão republicana e decidir sobre a vida das pessoas a partir de critérios extrajurídicos, é dar um tiro no escuro e ter certeza que acertou o alvo. Algo muito improvável.
Em arremate, as súmulas são um desdobramento da legalidade. Elas são parte integrante de um sistema de regras que devem ser levadas em consideração. O dia em que os nossos juízes enxergarem que o Direito vale mais que opiniões e que a aplicação das normas a pelo filtro da fundamentação — vale lembrar que a fundamentação vem antes do dispositivo da sentença —, estaremos enfim, cumprindo com a promessa constitucional do o à Justiça.
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