Opinião

Gestão de desastres induzidos por ação humana, classificados como tecnológicos

Autor

  • é procurador federal (AGU) doutorando e mestre pela UnB pesquisador do clima Justiça desastres e litígio climático e autor de Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama (Lumen Juris 2ª edição 2020).

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7 de dezembro de 2023, 9h19

Há basicamente duas categorias de desastres: os naturais e aqueles causados por uma ação humana, chamando a atenção para o fato de que a ação antrópica que leva a um evento adverso, de grandes proporções, com consequências e prejuízos advém do uso econômico da natureza. Os exemplos recentes mais conhecidos aqui são os casos de Mariana, Brumadinho, ambos em Minas, e agora em Maceió, capital alagoana.

Ainda na fase preliminar [1] de investigação sobre o desastre de Mariana, o Ibama relatava que “estão evidenciados os impactos agudos de contexto regional, entendidos como a destruição direta de ecossistemas, prejuízos à fauna, flora e socioeconômicos, que afetaram o equilíbrio da bacia hidrográfica do rio Doce, com desestruturação da resiliência do sistema”. Em seguida, tais informações seriam confirmadas por laudos, decisões judiciais, relatos, perícias e pesquisas histórico-acadêmicas.

Em resposta a tais eventos, para além dos casos de barragens, tramita no Congresso dois projetos de lei que tratam da temática, ambos em fase de sanção presidencial.

Joanna Borba/Secom
Prédios atingidos por desastre ambiental de mina de sal-gema em Maceió

O PL nº 2.788, de 2019, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNab); discrimina os direitos das Populações Atingidas por Barragens (PAB); prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB); estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor. Trata-se de inovação na ordem jurídica que demonstra um avanço na proteção de direitos de atingidos de barragens e ainda cuida da responsabilidade de agentes causadores de desastres de barragens.

Já o PL n° 2.012, de 2022, visa aprimorar os instrumentos de prevenção de desastres e recuperação de áreas atingidas, as ações de monitoramento de riscos de desastres e a produção de alertas antecipados.

Neste projeto de lei, chama a atenção a inclusão do Capítulo III-A à Lei n°12.608, de 10 de abril de 2012. Esse novo capítulo regulamenta a gestão de acidentes e desastres induzidos por ação humana, ou seja, trata da previsão daqueles casos classificados como desastres tecnológicos.

Se a natureza não cria tecnologia, esta decorre da ação humana que em muitos casos provocam desastres a partir da ideia de risco criado na sociedade moderna, a exemplo do que tem sido registrado em Maceió, Brumadinho e Mariana.

A tecnologia, como produto da modernidade, possibilita o desenvolvimento social, humano, de transportes, de qualidade de vida e de inclusões.

De outro lado, esta invenção humana produz violências das mais variadas formas, e os desastres são espécies que resultam da sociedade de risco descrita por Ulrich Beck como exemplo de uma violência da modernidade.

É deste autor alemão, na obra Sociedade de Risco, o pensamento de que “não é a falha que produz a catástrofe, mas os sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças destrutivas”. [2]

O desastre de Maceió, provocado pela extração de sal-gema, desde a década de 1970, é um exemplo prático do risco criado pela tecnologia que controla e ignora a natureza, segundo Beck. Pela classificação das categorias de desastres, sabemos que a própria natureza pode causar diversos eventos extremos. Contudo, é a ação humana quem potencializa violências, exclusões e mortes, intervindo no ambiente natural.

Olhando para Maceió, o horror do progresso irresponsável dirá que jamais fomos modernos. Que evolução é essa que nos leva ao abismo? E se tivermos errado o caminho? E se constatarmos que sociedade moderna nunca funcionou? São indagações trazidas por Bruno Latour em seu clássico livro Jamais Fomos Modernos [3].

Maceió, assim como os maiores desastres de barragens registrados no Brasil, caminha para ser um exemplo das teorias abordadas tanto por Beck quanto por Latour: criamos riscos tecnológicos que, opondo-se à natureza, não têm nada de moderno.

Há solução para isso?

Se corrermos contra o tempo há sim alguns caminhos a serem trilhados que nos colocam em direção a um progresso responsável, que dialoga com a natureza e foca na inclusão de pessoas a partir da incorporação da responsabilidade social, ambiental, de gestão e que imponha limites ao desenvolvimento tecnológico.

Para tanto, será necessário esforços do setor produtivo e também dos poderes públicos. Esses marcos legais citados ainda como projeto de lei é um caminhar na direção certa.

O caso de Maceió é a constatação de que faltaram responsabilidades pública e privada em uma atividade econômica potencialmente destrutiva para o meio ambiente e para a sociedade, geralmente caracterizada por um grupo de pessoas excluídas e vulnerabilizadas pela outra parte economicamente superior.

Se quisermos ser modernos, temos que ser responsáveis nas ações que escolhemos desenvolver, dado que não é possível falar em avanços quando somente uma parte ganha.

Por tudo isso, justiça e equidade são produtos atemporais da invenção humana capazes de compensar os danos trazidos pela modernidade.


[1] Disponível em https://www.ibama.gov.br/phoca/noticias/noticias2015/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf o em 06 de dezembro de 2023.

[2] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2011.

[3] LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 20019.

Autores

  • é assessor da Presidência da República e procurador federal (AGU). Doutorando em Direito (UnB). Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB. Autor de "Vidas interrompidas pelo mar de lama" (Lumen Juris, 3ª ed. 2023).

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