Opinião

STF já julgou inconstitucionais outros calotes de precatórios. E o fará novamente

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  • é doutor em economia e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e de Ciência e Tecnologia de São Paulo.

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1 de fevereiro de 2023, 11h07

No ado, comentei a rebeldia do ministro Paulo Guedes em decidir não pagar precatórios, que levou ao calote chancelado pelo Congresso, vigente até 2026. À época, avisei que postergar o pagamento dos precatórios não teria nenhum sentido econômico ou jurídico. O agora ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece ter corretamente chegado à mesma conclusão.

Sob o aspecto econômico, a medida foi tão desastrosa quanto calculei. Descrente na capacidade do Brasil de honrar suas obrigações, o mercado reagiu: já àquela época, a curva de juros longa havia subido 1% — o que nos custa R$ 50 bilhões ao ano —, e o risco Brasil (CDS) chegou ao patamar de 184,5 pontos, um impacto de 6,6%. Em 2026, o Brasil será devedor de quase R$ 300 bilhões aos credores de precatórios — mais que o dobro do valor que a PEC de Transição autorizou a União a gastar.

Quando Inês era morta, a equipe econômica anterior itiu o erro. A Secretaria do Tesouro Nacional propôs que fosse "excetuada do limite de despesa, simplificando o arcabouço atual, permitindo o pagamento tempestivo das obrigações assumidas pelo governo". Quer dizer: retirar os precatórios do teto, como fez a gestão Jair Bolsonaro com tantas outras despesas.

A premissa econômica que levou ao calote é errada. Submetidos ao teto de gastos, os precatórios consomem espaço orçamentário cuja grandeza só se conhece ao final de cada ano. Quando a conta não fecha, o Executivo privilegia despesas discricionárias em detrimento de obedecer ao Judiciário e pagar os precatórios. E foi isso que Guedes fez. Já naquela época, contudo, avisei que inexistia o óbice orçamentário que tanto preocupava o ministro. Bastava pagar os precatórios fora do teto, evitando a bola de neve que vemos crescer a cada ano.

Isso se justifica porque os precatórios não são despesa primária. São ordens de pagamento emitidas pelo Judiciário contra o Executivo, que se torna devedor. Assim, precatórios devem ser classificados como dívida, até mesmo para que se possa dimensionar o tamanho do ivo público, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Agora, com o novo governo focado em desenhar um arcabouço fiscal que a um só tempo privilegie a assistência social e promova estabilidade econômica, o tema poderá ser tratado de forma técnica.

Sob o aspecto jurídico, o Supremo Tribunal Federal já julgou inconstitucionais outros calotes de precatórios. E o fará novamente, como ressaltam vários especialistas (Fernando Scaff, Hamilton Dias de Souza, Gustavo Binenbojm e Luís Adams, todos colaboradores da ConJur). A razão é simples: o Executivo não pode desrespeitar ordens emitidas pelo Judiciário. Foi justamente a visão de que o Executivo estaria acima dos demais Poderes que culminou nas dantescas cenas do último dia 8 de janeiro. Haddad caminha em sentido oposto, procurando desarmar a bomba, restaurando a credibilidade do país e pacificando a relação entre os Poderes.

*o artigo foi publicado originalmente em O Globo

Autores

  • é professor emérito do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990). Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século 20 no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Em 2005, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano (Prêmio Juca Pato).

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