Opinião

O crime de "apropriação de coisa achada"

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3 de fevereiro de 2023, 6h08

Buscando promover o bem comum, o Estado desempenha uma série de funções, através de atos e serviços, que visam melhorar e organizar a vida em sociedade. É dividido em três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, que trabalham de forma independente e harmônica (Carta Magna, 1988), para melhorar o controle e a especialização sobre as suas atividades.

Entre os serviços prestados pelo Estado, destacam-se a saúde, a educação, a segurança pública, a infraestrutura e também os serviços de justiça. Os serviços de justiça são gerenciados pelo Poder Judiciário, que os executa por meio de seus órgãos, que são colegiados ou singulares. Aqueles são representados por 91 tribunais nacionais e têm como ápice o Supremo Tribunal Federal; estes são formados por aproximadamente 17 mil magistrados, todos guiados por um mesmo propósito, zelar pelo cumprimento da Constituição Federal e das leis.

Devidamente estruturado, o Poder Judiciário oportuniza à população a solução dos conflitos sociais, utilizando ferramentas extrajudiciais, representadas por câmaras de conciliação e mediação, ou medidas judiciais, com a apresentação de uma resposta do Estado àquelas demandas que não podem se resolver pacificamente, com a prolação das decisões judiciais.

Por certo, infelizmente, que o número destas demandas judicializadas têm aumentado em proporções quase geométricas, com aproximadamente 28 milhões (CNJ, 2016) de casos novos anualmente, o que leva, por vezes, ao caos do Poder Judiciário, que, com suas prateleiras, virtuais ou não, lotadas de processos, não consegue dar a devida vasão aos serviços e alcançar uma boa produtividade, ou seja, um absurdo, levando-se em consideração que o país possui uma população de aproximadamente 205 milhões de pessoas. (IBGE, 2016).

Entretanto, há casos que não poderiam sequer chegar ao Judiciário, evitando-se um gasto desnecessário ao Erário Público, mas ainda infelizmente chegam, como por exemplo os crimes de bagatela!

O princípio da insignificância, ou também conhecido como crime de bagatela próprio, ocorre quando uma ação tipificada como crime, praticada por determinada pessoa, é irrelevante, não causando qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico ou à própria vítima.

Imagine você leitor, chegando em um imóvel, que acabara de alugar, encontra poucos metros de arame no quintal e os utiliza como cerca.

Nada demais, fato corriqueiro em qualquer lugar do Brasil, certo? Não. Errado! Para parte do Judiciário e Ministério Público Brasileiros, você acabara de cometer crime de "apropriação de coisa achada"!!

Neste ponto devemos fazer uma ressalva, pois aquele ditado "achado não é roubado" é totalmente equivocado, já que o crime ora em comento realmente existe em nossa legislação.

Mas e se a "coisa achada" sequer custa R$ 100?

Foi exatamente isso que ocorrera no interior de São Paulo. Os fios de arame encontrados por um homem em seu imóvel alugado foram avaliados pela polícia local por apenas R$ 90, e houve instauração de inquérito policial. Pasmem, ainda houve oferecimento de denúncia, processo judicial, audiências, sentença condenatória de 1 mês e 15 dias de detenção, confirmada inclusive em 2ª instância, inclusive com trânsito em julgado!!

Imagine, caro leitor, o quanto não custou todo este processo para o Erário. Não sabemos exatamente, mas com certeza muito mais, mais muito mesmo que meros R$ 90! Principalmente se levarmos em conta os mais de 28 milhões de processos que se originam anualmente no pais, contando apenas com aproximadamente 17 mil magistrados.

No entanto, a justiça tarda, mas não falha, pois por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no Habeas Corpus 790.868, o homem foi absolvido, quanto ao crime previsto no artigo 169, parágrafo único, II, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, sendo finalmente reconhecido o crime de bagatela!

Clique aqui para ler a decisão
HC nº 790.868

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