Sinalização ou julgamento-alerta para eventual superação de precedentes
25 de janeiro de 2023, 15h24
Na sinalização, o tribunal respeita o precedente julgando um determinado caso, porém sinaliza que o precedente pode ser revogado a qualquer momento [1]. Na sinalização não ocorre um overruling (superação), mas é necessário comunicar e orientar jurisdicionados a respeito de que o precedente poderá ser revogado para não prejudicar negócios ou afazeres — é então uma possível preparação para o overruling [2].
Tem essa técnica caráter preventivo para antecipar possível revisão do posicionamento [3] e é útil para estabelecer um diálogo democrático no processo de superação de jurisprudência [4].
A sinalização tem sentido, inclusive, pois as mudanças ocorrem lentamente, tendo em vista que a sociedade é um organismo vivo e não há alterações bruscas. Nada justifica que alterações ocorram da noite para o dia, em situações de normal desenvolvimento [5] e, inclusive, onde não estejam preparadas para a mudança de entendimento [6].
A técnica de sinalização tem por objeto resguardar a confiança justificada depositada no precedente, estando essa técnica diretamente ligada com o overruling. Tem ela a finalidade de comunicar aos jurisdicionados e aos advogados que o precedente está em vias de ser revogado [7], mas não é uma técnica obrigatória para os tribunais [8].
Sobre o tema, no Brasil, o Enunciado 320 do FPCC pontua que: "Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de mudança de entendimento da corte, com a eventual superação ou a criação de exceções ao precedente para casos futuros".
Concordamos com referido posicionamento, afirmando também que além de ser permitido, deve ser incentivado e ao afinal explicaremos.
O assunto guarda respaldo, inclusive, no artigo 21 e 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Destacamos também que a decisão de alerta, ou technique of signaling, deve ser realizada com a devida publicidade, por meios eletrônicos como a internet [9].
O signaling deverá também ser realizado pela corte com competência para superar o precedente e "é possível de que seja realizado de forma incidental, ou seja, em obiter dictum" [10], embora não desejável, pois indicando eventual sinalização, essa fundamentação deve fazer parte da ratio e com ampla publicidade.
No Brasil, o pleno do STF ao se voltar sobre o tema, com relatoria do Min. Sydney Sanches, no HC 70.514, "rejeitou a arguição de inconstitucionalidade do §5º do artigo 5º da lei nº 1.060, de 05.02.50, com a redação da lei nº 7.871, de 08.11.89, no que concerne ao prazo em dobro fixado para recurso do defensor público, por entendê-la ainda constitucional". Essa técnica ficou conhecida como a declaração de "lei ainda constitucional", em "processo de inconstitucionalização" [11] ou "norma em trânsito para a inconstitucionalidade".
Outro exemplo tem ligação com o texto do artigo 68 do Código de Processo Penal [12], pois no RE 147.776/SP decidiu o STF ser constitucional a disposição, pelo menos até o momento em que as defensorias públicas estivessem organizadas nos termos do artigo 134 da CF.
O "processo de inconstitucionalização" ocorre quando a corte "deixa no ar a impressão de que algo não estava bem". Na a ADI 1.232 o Tribunal decidiu que o critério definido pelo §3º do artigo 20 da LOAS não padecia, por si só, de qualquer inconstitucionalidade. No julgamento da Rcl 4.374, considerou-se que a decisão do Tribunal na ADI 1.232 fora proferida no ano de 1998, poucos anos após a edição da LOAS (1993), em contexto econômico e social específico. O Supremo Tribunal Federal constatou, portanto, que diversos fatores estavam a indicar que, ao longo dos vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do artigo 20 da LOAS ou por um processo de inconstitucionalização. No momento do julgamento da Rcl. 4.374, em 2013, podemos verificar também a inconstitucionalidade (superveniente) do próprio critério definido pelo §3º do artigo 20 da LOAS (mudanças fáticas e jurídicas). A Rcl 4.374 foi julgada improcedente e declarada a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do §3º do artigo 20 da LOAS (revelou-se, desse modo, incompatível com a Constituição a utilização de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, como critério para a concessão de benefício assistencial a idosos ou deficientes). No mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal julgou, em conjunto, os RE 567.985 e 580.963 e também declarou a inconstitucionalidade parcial do §3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS — Lei nº 8.742/93). O julgamento da ADI 1.232 é representativo daqueles momentos em que uma Corte Constitucional decide impregnada do sentimento de que em algum momento sua decisão certamente será revista [13].
É esse um exemplo de inconstitucionalidade progressiva ou processo de inconstitucionalização, não é uma sinalização de inconstitucionalidade, ainda que feita em relação a algum momento no futuro [14].
Na Itália a Corte Constitucional utiliza técnica semelhante denominada warning decicions. Nela a inconstitucionalidade não é reconhecida, mas a decisão envia uma mensagem ao Parlamento, justificando que o texto normativo é aceitável apenas de forma temporária ou de que um determinado texto normativo tem sua constitucionalidade dependente da realização de certas condições [15].
Propondo um "novo conceito de sinalização", Ravi Peixoto afirma que nesta hipótese seria necessário aos jurisdicionados terem o conhecimento de quais condições fáticas devem acontecer para superação da ratio decidendi. Para ele, seria necessário não apenas indicar a perda de confiabilidade do precedente, mas também indicar em que momento e se haverá a sua superação [16].
De acordo com Cabral, a técnica do "julgamento-alerta" é diferente do signaling, pois neste a Corte reconhece que o julgamento estaria errado e deve ser superado, enquanto que no julgamento-alerta não há essa certeza [17]. Afirmamos também que em ambos os casos as Cortes inferiores não poderão aplicar institutos jurídicos para os quais a existência de um entendimento consolidado na jurisprudência seja pressuposto [18].
Entendemos, porém, que tanto o julgamento de "julgamento-alerta" ou technique of signaling são semelhantes. A sinalização aponta uma eventual necessidade de superação, sem, contudo, afirmar ser essa sinalização segura de revogação, se total ou parcial e também não se manifesta sobre eventual modulação. Assim, não se entende necessária a distinção destes institutos, pois ambos alertam sobre a eventual (diga-se eventual) necessidade de superação do entendimento firmado em "precedente".
No caso do sistema brasileiro, pode (e sendo necessário deve) haver a sinalização, mas o overruling (total ou parcial) deve respeitar o disposto no artigo 927 do Código de Processo Civil de 2015. A sinalização ou julgamento-alerta contribuirá para a segurança jurídica e poderá afetar, inclusive, as considerações sobre eventual modulação dos efeitos da decisão em overruling.
Destacamos que a technique of signaling difere da prospective overruling, pois neste último há uma efetiva superação. A technique of signaling não é sinônimo também de ressalva de entendimento. A sinalização pode ser realizada apenas pela corte competência para a superação do precedente, enquanto a ressalva de entendimento pode ser realizada por qualquer julgador.
Neste sentido também a técnica de sinalização se difere do transformation e distinção inconsistente (distinguished inconsistente). Nestes casos há a aceitação de fundamento contrário à preservação do precedente [19] sem, contudo, comunicar essa decisão de forma expressa aos jurisdicionais.
Por fim, o assunto tem relação com os temas rescisória e impugnação (C, artigo 525, §12) [20] na hipótese de rescisória por violação de norma jurídica (artigo 966, V). Eventual trânsito em julgado com decisão violando norma jurídica, cuja sinalização já tinha destaque em julgamento, poderia reforçar a tese de cabimento de rescisória.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!