marcados para morrer

Justiça condena 3 delegados do DOI-Codi de SP a pagar R$ 1 milhão cada

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25 de janeiro de 2023, 11h38

Com base em diversos documentos e relatos de testemunhas sobre sua participação em torturas, mortes e desaparecimentos à época da ditadura militar, a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo condenou três delegados aposentados a pagar, cada um, R$ 1 milhão, devido aos danos morais coletivos sofridos pela sociedade brasileira.

Roberto Navarro/Alesp
Escadas de o às salas de tortura no antigo prédio do DOI-Codi em São PauloRoberto Navarro/Alesp

Os réus atuaram no Destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), que funcionava no Comando do II Exército, na capital paulista, e, além de militares, também reunia policiais. 

Os valores da condenação serão revertidos ao Fundo de Direitos Difusos, istrado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Acusações
A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal em função das graves violações aos direitos humanos. Os alvos eram Aparecido Laertes Calandra, conhecido no DOI-Codi como "Capitão Ubirajara"; David dos Santos Araújo, que usava o nome falso "Capitão Lisboa"; e Dirceu Gravina, dono do codinome "JC".

Segundo o MPF, os réus tinham liberdade para repreender organizações de oposição ao governo entre as décadas de 1960 e 1970, por meio do uso generalizado de tortura como forma de obtenção de informações.

Tal situação levou à morte de opositores do regime, como a do militante Carlos Nicolau Danielli, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), nas mãos de Ubirajara; e a de Joaquim Alencar de Seixas, dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), por parte de Lisboa.

Em sua defesa, os delegados alegaram que não torturaram as vítimas e que todas as mortes ocorreram em tiroteio com os "subversivo-terroristas" ou em locais fornecidos por eles mesmos para tentar a fuga ou o suicídio.

Responsabilização
A juíza Diana Brunstein se baseou no "minucioso trabalho" produzido pelo MPF, "a partir de robusta prova documental", que comprovava "tanto o vínculo dos réus com a estrutura do DOI-Codi" quanto "o envolvimento dos mesmos nos atos de tortura, homicídio e desaparecimento das vítimas em apreço".

Dentre os documentos apresentados estavam autos de exibição e apreensão, correspondências de presos políticos, reportagens investigativas, fichas profissionais e perícia da Divisão Criminalística do governo paulista, além de depoimentos das testemunhas.

Assim, a juíza reconheceu que os delegados, "investidos de poder estatal", causaram "indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo".

Diana lembrou que, mesmo no período do regime militar, a tortura era proibida pela Constituição de 1969, ainda que condutas do tipo fossem institucionalizadas.

Rovena Rosa/Agência Brasil
Prédio do antigo DOI-Codi em São PauloRovena Rosa/Agência Brasil

A magistrada também destacou que a sociedade brasileira "até hoje se ressente das arbitrariedades praticadas por agentes de estado no período ditatorial e, de maneira geral, teme o retorno das violações perpetradas no período".

Ela ainda citou precedente do Superior Tribunal de Justiça que reconheceu a possibilidade de responsabilização civil por atos ilícitos cometidos durante o regime militar. Na ocasião, a corte explicou que o benefício previsto pela Lei da Anistia é à esfera penal — no caso de perseguidos políticos, também alcançou as áreas trabalhista e istrativa.

Pedidos negados
O MPF solicitava que os delegados também fossem condenados a restituir indenizações pagas pela União em razão das mortes e dos desaparecimentos. Mas Diana entendeu que o ressarcimento seria "inconcebível", pois o Estado foi "conivente com tais ilícitos". Também não seria possível calcular com precisão o quanto cada réu pagaria.

Outro pedido do MPF era pela perda de funções e cargos públicos que os delegados eventualmente estivessem exercendo, pela desconstituição de seus vínculos com o Governo de São Paulo e pela cassação das suas aposentadorias.

Porém, a juíza explicou que a Vara Cível não teria competência para tanto. Nada disso poderia acontecer sem a instauração de processo istrativo disciplinar (PAD).

A magistrada também rejeitou a condenação dos governos federal e estadual a pedir desculpas formais pelos atos. Isso porque o Estado, "há tempos, reconheceu oficialmente sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos ocorridos no período da ditadura e vem, ao longo dos anos, promovendo diversos atos que visam o resgate e memória da verdade dos fatos ocorridos em tal momento histórico".

Por fim, o MPF pedia que o governo paulista revelasse os nomes e cargos dos servidores que foram requisitados, designados ou cedidos para atuar no DOI-Codi e especificasse os períodos em que exerceram suas funções no destacamento militar. Diana considerou que o requerimento seria excessivamente genérico e impreciso, "o que dificulta consideravelmente o cumprimento da obrigação".

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Processo 0018372-59.2010.4.03.610

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