Estado deve investir em soluções alternativas para resolução de conflitos
22 de julho de 2023, 8h22
A conciliação, a mediação e a arbitragem são alternativas que devem ser utilizadas pelo Estado brasileiro para diminuir as dificuldades impostas pelo excesso de litigiosidade no sistema judiciário, de acordo com os participantes da mesa de discussão "Meios alternativos de resolução de conflitos", do XI Fórum Jurídico de Lisboa.
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Presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o desembargador Carlos França citou o volume excessivo de processos que se amontoam no sistema judiciário e que poderiam ser resolvidos por meio da conciliação. "O Estado brasileiro não consegue oferecer uma Justiça eficaz. Por consequência, nós temos de buscar meios alternativos adequados para que possamos atender a esta sociedade que clama tanto pelos serviços públicos."
"Não há outra saída para o Estado brasileiro e para a jurisdição que não seja o envolvimento e o investimento em meios alternativos e adequados. Se a sociedade espera e continuar esperando do juiz uma definição, uma resolução dos seus problemas, isso virá certamente com atraso e sem resolver adequadamente o litígio", continuou o magistrado. "O juiz está preparado para aplicar a lei, mas muitas vezes ele não tem conhecimento dos fatos como um todo. A solução do juiz nem sempre é a melhor, e a autocomposição é aquela que resolve. A consensualidade traz para todos os envolvidos uma sensação de efetividade, de que realmente foi feita justiça."
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou que a judicialização não pode ser a primeira opção na busca pela solução de um conflito. Para ele, a conciliação, a mediação e a arbitragem deveriam ser buscadas antes do Judiciário.
"Defendo a arbitragem como algo fundamental para o nosso país. É muito importante que o Brasil participe do cenário internacional dentro de uma arbitragem que siga os padrões mundiais, onde se encontra o controle ético sobre ela. A mensagem que deve ser ada é a de que as arbitragens são imparciais, meritórias e decididas sem qualquer vínculo."
Para Luís Inácio Adams, ex-advogado-geral da União e sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados, o movimento de consensualização "chegou para ficar" no Brasil, um país onde o lawfare (manipulação das leis e de procedimentos legais para prejudicar inimigos) é uma dinâmica do litígio. Ele acredita que é necessário compreender, dos pontos de vista cultural, ético e comportamental, a reformulação do papel dos agentes que atuam na Justiça. "Ganhar a qualquer custo, lutar para postergar decisões judiciais, é preciso evitar isso a qualquer custo."
Vice-presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB e diretor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional, Manoel Carlos de Almeida Neto observou que é necessário dar maior efetividade aos comandos constitucionais e combater a cultura da judicialização de conflitos.
"É preciso combater a cultura do popular 'vou te processar!', que banaliza a jurisdição, pois esse sentimento representa um retrocesso civilizatório que não tem abrigo na Constituição do Brasil. O maior contributo da conciliação é a pacificação social, com consequente fortalecimento do Estado democrático de Direito. Portanto, preservação das nossas instituições democráticas, que de tempos em tempos sofrem tentativas de abalo."
Área criminal
Procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), Antonio José Campos Moreira citou a aplicação da conciliação em casos criminais. Ele mencionou como exemplo o acordo de não persecução penal (ANPP), apesar de os resultados ainda serem tímidos, em sua avaliação, "pela falta de estrutura e uma má vontade por certa parte dos operadores jurídicos".
"Sou um entusiasta desse modelo. Penso que na via do consenso, mesmo no processo penal, não há enfraquecimento do direito de defesa, muito pelo contrário. Esses acordos abrem uma alternativa para a defesa, para o Ministério Público poder, ao invés de oferecer denúncia, percorrer a via do processo penal condenatório tradicional buscando uma solução acordada. Vejo também como uma estratégia da defesa, porque o investigado, orientado por seu advogado, poderá ou não aceitar o acordo."
Por sua vez, o vice-presidente do Conselho de Gestão do Grupo de Líderes Empresariais de Pernambuco e diretor-geral da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal da OAB, Ronnie Preuss Duarte, questionou se, além das hipóteses típicas de conciliação que a legislação brasileira apresenta, a vontade das partes não pode estabelecer situações de legitimação da autotutela.
"Imagine que Maria venda a João um carro em 60 prestações e que eles consensualmente prevejam que, na hipótese de inadimplemento de um deles, um terceiro vai pegar uma cópia da chave e buscar o veículo onde estiver para providenciar a restituição. Será que isso é possível? Muita gente pode franzir a testa e olhar com grande surpresa a possibilidade de se cogitar esse tipo de solução, mas vamos lembrar a realidade atual, sobretudo na economia digital e no que ela nos impõe, sobretudo nos contratos inteligentes, que são autoexecutáveis, inclusive, sem a intervenção humana."
Membro do conselho diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Alexandre Freire abordou a consensualidade em ambientes regulatórios, uma experiência recente. Ele citou, por exemplo, o caso do edital de aplicação do 5G no Brasil. "Uma solução consensuada no âmbito do processo regulatório foi o caso da faixa 700 do 5G, em que a Anatel também pôde reconhecer algumas limitações institucionais e se submeteu a um debate de consensualidade com outro órgão, que foi o Tribunal de Contas da União."
Presidente do Centro de Arbitragem istrativa, Nuno Villa-Lobos citou processos em que há conflitos tributários e disse que quem sofre as grandes consequências da morosidade nessas ações são os contribuintes e as empresas. "Primeiro, tiveram de pagar o imposto ou prestar uma garantia. Obrigatoriamente, essa garantia, sendo temporária, tem um regime que só caduca ao fim de quatro anos. E ainda pode ser prorrogado por mais dois. Há um conjunto de efeitos negativos da morosidade, como o de não se poder utilizar o dinheiro porque está atrelado a garantias bancárias. Não se pode investir, pois não se sabe quando vai haver uma decisão judicial. Todo esse ônus corre pelo lado do contribuinte."
O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu entre 26 e 28 de junho, teve como mote principal "Governança e Constitucionalismo Digital". O evento foi organizado pelo IDP, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, istração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)
Ao longo de três dias, a programação contou com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.
Clique aqui para assistir a íntegra da mesa ou veja abaixo:
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