Recurso interposto contra certidão? Onde é que já se viu isso? no STJ!
6 de junho de 2023, 20h37
Como há muito é sabido, não cabe recurso contra atos judiciais cuja natureza jurídica é de mero impulso oficial [1], tal como ocorre com as certidões e despachos, uma vez que, em tese, tais expedientes, não possuem nenhuma carga decisória [2].

Nesse sentido, "pode-se definir o recurso como o meio de impugnação de decisões judiciais, voluntário, interno ao processo em que se forma o ato judicial atacado, apto a obter a sua reforma, anulação ou o seu aprimoramento" [4].
Conforme o conceito acima, é possível observar que nem todos os atos judiciais são íveis de recurso e, por mais óbvio que isso possa parecer, o Superior Tribunal de Justiça vez ou outra se depara com recurso interposto contra despacho de mero expediente, mais que isso, contra simples certidão.
Atualmente no STJ, está em vigor a Resolução STJ/GP nº 15 de 26 de junho de 2020, que autoriza a Secretaria Judiciária do tribunal a praticar atos de regularização processual meramente ordinatórios antes da distribuição dos feitos, o que tem sido realizado por meio de simples certidão. Confiram-se quais são eles:
1 – intimar as partes para regularizar o preparo, quando for o caso, nos termos do artigo 1.007 do C;
2 – intimar as partes para regularizar a sua representação, nos termos do artigo 76 do C;
3 – intimar as partes para regularizar outros vícios processuais sanáveis ou complementar a documentação exigível, nos termos do parágrafo único do artigo 932 e § 3º do artigo 1.029 do C.
E, por incrível que pareça, a corte tem recebido vários agravos internos contra essas certidões, tal como se verifica no AgInt no AREsp 2.090.547/SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, DJe de 14/9/2022, que assim consignou: "A manifestação que determina a intimação da parte recorrente para regularizar o recolhimento do preparo, ou até mesmo da representação processual, em conformidade com os arts. 1.007, § 4º, c/c 76 e 932, parágrafo único, do /2015, não é ato decisório ível de ser atacado por meio de recurso, já que a sua natureza jurídica é de mero impulso oficial, e não de decisão, conforme o art. 1.001 do C/2015. Precedentes".
Nesse mesmo sentido, o EREsp nº 1.687.143/SP, relator ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe de 21/11/2018, que precisou afirmar (ensinar) o óbvio: descabimento de recurso contra despacho sem carga decisória. Eis a ementa do julgado:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE. INISSIBILIDADE. 1. Trata-se de Agravo Interno contra despacho da Presidência do STJ que, constatando a ausência de preparo, intimou a parte interessada a comprovar, nos termos do art. 1.007, § 7º, do C, o recolhimento em dobro das custas processuais. 2. Em primeiro lugar, reitere-se, o ato judicial impugnado não consiste em decisão interlocutória, mas de simples despacho de mero expediente, que concedeu prazo para a parte comprovar o preparo dos Embargos de Divergência (não do Recurso Especial), fazendo-o em dobro, nos termos do art. 1.007, § 7º, do C. (…)" (AgInt nos EREsp nº 1.687.143/SP, relator ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 20/6/2018, DJe de 21/11/2018).
A ementa do precedente menciona que o ato judicial impugnado não consiste em decisão interlocutória, mas em um despacho de mero expediente, proferido pela presidência da corte, não atacável por recurso. Trata-se de um erro grosseiro, que pode prejudicar o jurisdicionado, já que há muito se ouve a máxima de que o advogado não perde, quem perde é a parte, por ele representada.
O despacho em questão concedeu prazo para a comprovação do preparo dos Embargos de Divergência, conforme o artigo 1.007, § 7º, do C. Tal precedente reforça a importância de se distinguir atos judiciais com carga decisória daqueles que possuem natureza meramente informativa ou procedimental, ainda que isso pareça evidente.
Deveras, é necessário que o advogado ao menos revise a peça antes de protocolizá-la, "uma vez que é dever do patrono zelar pela causa que defende" (AgRg no REsp 1.236.035/PR, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 25/2/2014, DJe de 7/3/2014).
Não se ignora o fato de que errar é humano e faz parte da jornada de todos nós operadores do direito. Tanto é assim, que não raras vezes, o recurso é provido para corrigir determinados equívocos de interpretação ou de aplicação da lei. O direito é dialógico, e o advogado, essencial à istração da justiça, conforme dispõe o artigo 133, da Constituição, por isso suas manifestações, desde que pertinentes são sempre bem-vindas.
Sob esse enfoque, "se a lei e dúbia, se os doutrinadores se atritam entre si, e a jurisprudência não é uniforme, o erro da parte apresenta-se escusável e relevável, ainda que o recurso dito impróprio tenha sido interposto após findo o prazo assinado para o recurso dito próprio" (REsp 12.610/MT, relator ministro Athos Carneiro, 4ª Turma, DJ de 24/2/1992).
O que não se ite é o desleixo, notadamente de quem advoga perante uma corte superior. É preciso ter atenção, zelo e cuidado. O STJ já deixou de conhecer de recurso em Habeas Corpus, em virtude de suas razões estarem deficientes, não permitindo a exata compreensão da controvérsia, vez que redigido com inúmeros caracteres não previstos no vernáculo. Alerte-se, que se tratava de pessoa presa, e que continuou presa. Confira-se:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PETIÇÃO INICIAL ININTELIGÍVEL. CARACTERES QUE NÃO CONSTAM DO VERNÁCULO. INÉPCIA. IMPOSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA E DO PEDIDO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I – Firmou-se no âmbito desta eg. Corte a orientação segundo a qual constitui ônus do impetrante ou recorrente possibilitar o devido exame da controvérsia, por meio de inicial com mínima adequação, instruída com os documentos necessários ao devido exame da quaestio, sob pena de não conhecimento. Precedentes. II – Inviável o conhecimento do recurso em habeas corpus, considerando a existência na inicial de inúmeros caracteres que não constam do vernáculo, os quais tornam a peça ilegível e, de consequência, impedem a compreensão da controvérsia e do pedido. III – Esta Corte sedimentou orientação de que a parte que faz uso do sistema de peticionamento eletrônico é responsável pela correta transmissão dos documentos, cabendo-lhe o dever de fiscalizar o seu adequado envio. Agravo regimental desprovido" (AgRg no RHC 105.146/RJ, relator ministro Felix Fischer, 5ª Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 7/12/2018).
Voltando ao tema central deste artigo, a análise da inadequação do recurso contra certidão se fundamenta na taxatividade recursal. Nesse sentido, as certidões, que possuem caráter meramente informativo, não são íveis de recurso, uma vez que não há previsão legal para a interposição de recursos contra esses atos processuais.
A interposição de recurso contra certidões beira as raias do absurdo. Impugnar manifestação de natureza meramente informativa, gera atrasos no trâmite processual e prejudica a eficiência da prestação jurisdicional, pois, a utilização inadequada dos recursos toma tempo de quem os analisa. E não são casos isolados. Numa simples pesquisa na jurisprudência do STJ, utilizando os termos "contra adj3 certidão" (sem aspas) é possível constatar que são vários casos.
Esclareça-se que o recurso manifestamente incabível não interrompe o prazo para a regularização do vício apontado, de sorte que, tendo o prazo escoado sem cumprimento da diligência apontada na certidão, o recurso a que ela faz referência, também não será conhecido.
A análise da jurisprudência do STJ ressalta a importância de se interpretar corretamente os atos judiciais, diferenciando aqueles com carga decisória daqueles que possuem natureza meramente informativa ou procedimental. No caso das certidões, sua natureza informativa as torna imunes à interposição de recursos, uma vez que não são objeto de reforma ou revisão.
Assim, caso o advogado entenda não ser o caso de cumprir o que previu a certidão, ele pode, com base no dever de diligência, apresentar simples petição, esclarecendo eventuais equívocos. Nesse sentido, o artigo 5º, XXXIV, da CF/88 prevê o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos.
Portanto, é necessário que os operadores do Direito, bem como os litigantes, compreendam e respeitem a inadequação da interposição de recurso contra certidão, evitando-se assim, ocupar o tempo da Corte superior de Justiça com expedientes manifestamente incabíveis, e contribuindo-se de forma efetiva para a boa istração da justiça, visto que, uma justiça tardia, não é justiça.
[1] STJ. REsp 1.662.564/AL, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe de 20/6/2017.
[2] Em tese porque "a doutrina e a jurisprudência compreendem que a recorribilidade dos despachos é excepcional e exige a comprovação de conteúdo decisório em concreto com capacidade de prejudicar as partes" (STJ, AgInt no REsp 1.953.246/DF, rel. ministro OG FERNANDES, 2ª TURMA, DJe de 6/5/2022).
[3] STJ. "Os recursos no sistema jurídico pátrio são regidos pelo princípio da taxatividade, necessitando de previsão legal para sua existência" (PET no AgRg nos EDcl no REsp 1.476.294/SC, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJe de 14/6/2018).
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo civil [livro eletrônico] / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. — 5ª ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 683.
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