Opinião

Estamos em debate errado sobre as drogas

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  • é juiz de Direito da 3ª Vara de Tóxicos Crime Organizado e Lavagem de Capitais de Belo Horizonte (MG) doutor e mestre pela USP e mestrando na Universitat di Girona (Espanha).

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16 de junho de 2023, 13h17

O grande encarceramento de jovens de classes menos privilegiadas, no mais das vezes negros, por delitos vinculados ao uso de entorpecentes, é fato no Brasil, contribuindo para a estruturação de uma criminalidade organizada a partir do sistema prisional.

Tal aprisionamento decorre em parcela significativa do que se reconhece como uso desordenado de entorpecentes, que redunda na prática de delitos vários, como os patrimoniais e o próprio tráfico, com o escopo de viabilizar o o às drogas.

O Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas (Unodoc) estima que 5,5% da população mundial adulta faz uso de drogas ilícitas ao menos uma vez por ano, sendo que, deste total, 35 milhões podem ser qualificados como usuários desordenados de entorpecentes, em virtude de quadro de saúde configurador de dependência química da substância ou de que o uso é seriamente prejudicial à condição física ou mental do cidadão.

O foco do problema, portanto, é o uso desordenado de entorpecentes, que alcança mais gravemente cidadãos de menor capacidade econômica, na medida em que sua conjugação com a falta de recursos financeiros acaba por induzir a práticas ilícitas diretamente relacionadas com a obtenção da substância proscrita.

No Brasil, os poucos que se propõe a um debate minimamente sério do problema tem centrado seus argumentos na necessidade de descriminalização de certas espécies entorpecentes, com habitual referência à maconha.

O foco do debate está flagrantemente errado.

É certo que vários países, com destaque para Portugal, Uruguai e Espanha, dada a proximidade conosco, optaram pela medida de legalização do consumo, do mesmo jeito que também é certo que outros tantos países mantém a política de vedação, como o Japão.

O que não percebemos, e isso é o mais importante, é que todos os países, descriminalizando ou não, baseiam tal decisão em política ampla de prevenção ao uso, em relação à qual eventual legalização é apenas um dos instrumentos.

O importante é a adoção de uma política de tratamento séria, voltada ao incremento da saúde e da condição social do cidadão fundada na redução ou na cessação do uso de entorpecentes, evitando danos futuros, como reconhece a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Sobre isso, quase nada é feito como política pública no Brasil, sobretudo quanto aos agentes cujo uso desordenado de entorpecentes conduz à prática de condutas criminais.

O já citado UNODC indica que o percentual de usuários de entorpecentes no sistema prisional é 25% maior do que entre libertos, sendo que, em relação a mulheres, esse índice se eleva para 33%, o que indicia a quantidade de pessoas cuja prática delitiva está diretamente relacionada com o uso desordenado de entorpecentes.

Para estes cidadãos, apesar de a Organização Mundial da Saúde recomendar ações de saúde fundadas em tratamento conciliado com medidas alternativas à prisão, reservamos apenas o cárcere, destituído de qualquer abordagem de saúde mais efetiva.

O resultado é que estes cidadãos voltam a delinquir, conformando contexto de reiteração delitiva que tende a justificar sua custódia provisória, alimentando um círculo vicioso de falta de tratamento de saúde aos ofensores com histórico de uso desordenado de entorpecentes e de superpopulação carcerária.

Esse deve ser o foco do nosso debate: como incrementar efetivamente o tratamento dos agentes que, em virtude do uso desordenados de entorpecentes, devem receber atendimento médico adequado, principalmente quando o envolvimento com a substância proscrita acaba por repercutir na prática de condutas criminais

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