Medida indutiva de conduta e limite: intervenção patrimonial
18 de junho de 2023, 8h00
A cobrança dos créditos tributários inadimplidos conta com um instrumental jurídico-normativo que, se comparado às meios privados de cobrança, é substancialmente qualificado. Isso não significa, todavia, que sejam ilimitados os poderes coercitivos conferidos às Fazendas Públicas, os quais devem ser exercidos de forma parcimoniosa, proporcional e razoável.
Como apontado em outro artigo veiculado nesta coluna[1], há tempos os contribuintes inadimplentes vêm sendo submetidos a medidas coercitivas atípicas, de cunho restritivo, destinadas a estimular o adimplemento espontâneo do crédito tributário. Estamos a falar, aqui, daquilo que comumente se denomina "cobrança indireta".
Tais medidas, por sua vez, não têm natureza expropriatória, de sorte que somente poderão ser implementadas para estimular o pagamento do tributo, eis que não se prestam a realizar, por si sós, o crédito tributário inadimplido. Em verdade, como bem destaca Paulo Cesar Conrado, essas medidas "não satisfazem, nem nunca satisfarão, por si mesmas, o crédito tributário pendente; servem, na melhor das hipóteses, para estimular a entrega voluntária do valor pretendido".[2]
É nesse contexto que exsurge a questão atinente à aplicabilidade ou não do novel instrumento de coação judicial previsto no art. 139, inciso IV, do C, para fins de "estimular" o implento de créditos tributários.
Nesse tocante, não há como deixar de analisar a questão à luz dos desdobramentos pragmáticos da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a constitucionalidade do artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil ao julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade nº 5.941, autorizando a adoção de medidas indutivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial.
Sob a perspectiva processual geral, a aplicação das medidas atípicas materializa-se, por exemplo, sob a forma de (i) retensão da carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir; (ii) a apreensão de aporte; (iii) proibição de participação em concurso público; e (iii) proibição de participação em licitação pública.
É preciso reconhecer, desde logo, que a viabilidade jurídica da utilização deste instrumento coercitivo em ambiente executivo fiscal ser algo altamente questionável, dado o fato de a Fazenda Pública possuir, tal como mencionado acima, diversos e privilegiados instrumentos de cobrança, direta e indireta, os quais, por si sós, são suficientes para induzir a realização realização do crédito tributário inadimplido.[3]
É preciso ressaltar, nesse tocante, que essa questão está pendente de definição no âmbito jurisprudencial, sendo certo o Superior Tribunal de Justiça já selecionou dois recursos especiais como representativos da controvérsia a fim de demarcar os limites de atuação do magistrado para adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos.
A referência é ao tema 1.137 que tem como objeto os recursos especiais 1.955.539 e 1.955.574, sob a relatoria do ministro Marco Buzzi, no bojo dos quais o colegiado determinou a suspensão de todos os processos e recursos pendentes que versem sobre essa questão, em todo o território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do C.
De toda sorte, na hipótese de itir-se a utilização desse instrumento em ambiente executivo fiscal, a adoção das medidas atípicas de que trata o artigo 139, inciso IV do C devem se voltar a garantir a eficácia do processo executivo fiscal e com a potência de atingir seu fim, qual seja, o pagamento da dívida, sem que isso, no entanto, configure violação aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da menor onerosidade (artigos 8º, 789 e 805, C/2015).
Assim, a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, é possível inferir que a adoção de medidas coercitivas atípicas negativas, em ambiente executivo fiscal, estará limitada pelas balizas e meios de controle efetivos, a partir de indícios que confirmem que o contribuinte tenha patrimônio expropriável.
Isso porque a responsabilidade do devedor, tal como posta no artigo 789 do C, autoriza a persecução dos bens presentes e futuros do executado, de maneira que as medidas a serem determinadas pelo magistrado necessariamente devem se voltar à constrição patrimonial.
Desse modo, as medidas atípicas negativas devem ser, necessariamente, aplicadas de modo subsidiário e excepcional, e desde que existam elementos concretos de que o contribuinte possa adimplir o crédito tributário com seu patrimônio. Nessa medida, a mera falta de localização de bens em nome do contribuinte, por si só, não ensejará a adoção de medidas indutivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial de pagamento.
Esse cenário permite concluir que o desdobramento pragmático da extensão dos poderes de atuação do juiz fundado no inciso IV do artigo 139, do C será capaz de reviver a discussão acerca da aplicação de meios não convencionais de indução ao adimplemento do crédito tributário.
[1] VERGUEIRO. Camila Campos. Autoexecutoriedade e medidas indutivas de conduta do contribuinte. Coluna Processo Tributário Analítico. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: /2023-mar-19/processo-tributario-autoexecutoriedade-medidas-indutivas-conduta-contribuinte). o 11/06/2023.
[2] /2022-fev-06/processo-tributario-execucao-fiscal-cobranca-indireta-devido-processo-legal-desjudicializacao
[3] É essa, aliás, a orientação vencedora no julgamento do HC 453.870/PR, exarado pela 1ª Turma do STJ, sob relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho.
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER APORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUSCONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO APORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA.
(HC 453.870/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 15/08/2019)
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