Opinião

Gilmar Mendes: a fusão de horizontes entre Academia e Judiciário

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24 de junho de 2023, 6h06

*prefácio do livro "Gilmar Mendes, 20 anos de STF: o acadêmico, o gestor, o juiz"

Quando penso sobre como melhor esboçar estas linhas, detidas sobre uma obra do ministro Gilmar Mendes, com o perdão do clichê, penso também sobre como esta é uma oportunidade para falar sobre a prática do direito sob sua melhor luz. Falo aqui de um jurista que personifica a fusão de horizontes entre um magistrado e um acadêmico.

Assim, um filme vem à mente — e reforça o conceito hermenêutico de fusão de horizontes (Horizontverschmelzung) — porque estive com o ministro dividindo as trincheiras e combatendo o bom combate em favor de uma jurisdição constitucional democrática e da concretização integral dos direitos fundamentais. Da teoria à prática, com uma prática fundada na teoria e uma teoria com olhos à prática.

Fazendo um revival: o ministro Gilmar esteve à frente de inúmeros processos democratizantes na istração da justiça, seja como membro do Ministério Público, no executivo, à frente da subchefia para assuntos jurídicos da Casa Civil e, posteriormente, ministro da Advocacia-Geral da União e, por fim, como ministro do Supremo Tribunal Federal, onde hoje já é o decano da corte, tendo presidido o tribunal no biênio de 2008 a 2010. As virtudes e realizações de Gilmar Mendes como ator jurídico e sua judicatura se mostram notórias. Por exemplo, os “mutirões” carcerários. O projeto foi essencial para a istração penitenciária nos presídios federais, garantindo uma necessária, constitucional e humanizada diminuição na massa carcerária brasileira. Também há uma boa intuição por parte de Gilmar-ministro: em 2010, então presidente do STF, denunciou aquilo que depois veríamos com a opperação "lava jato": o perigo da instalação de um estado-policial.

Mas neste prefácio pretendo jogar luz a esse aspecto importante da carreira do ministro Gilmar: a de acadêmico, um acadêmico preocupado durante toda a sua carreira com a importância da doutrina. Que fez jus ao termo empregado a ele, o de doutrinador. Não apenas um acadêmico que se tornou ministro, mas um ministro que jamais deixou de ser acadêmico. Como dever ser, com atenção a um papel distintivamente normativo que deve ter a doutrina.

Não são muitos os juristas que conseguem, com desenvoltura em ambas as práticas, fazer essa fusão de horizontes entre a judicatura e a produção acadêmica de relevo. Destaca-se, sobremaneira, a tradução para o português, à época inédita no Brasil, da obra de Konrad Hesse, A Força Normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung).[1]

A obra de Hesse, publicada originalmente em 1959, é um cânone importantíssimo para o constitucionalismo, e sua inclusão no rol de obras estudadas nas cátedras constitucionais brasileiras se deve muito à tradução do ministro Gilmar.

Não à toa, a partir da década de 1990 (a tradução foi publicada em 1991), vai se criando uma cultura constitucional pós-88, que buscará enfatizar "o novo" representado pela Constituição. Nesse sentido, a contribuição de Gilmar Mendes ficará reconhecida na história não apenas pela sua carreira prestigiosa, mas também por sua doutrina e produção legiferante (lembremos que o ministro assessorou e participou da elaboração de inúmeros projetos de lei relevantes ao país, entre eles a elaboração de estudos e anteprojeto que originou a Lei que regulamentou o procedimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, a Lei 9.882/99.

Essa fusão de horizontes entre o ministro Gilmar Mendes e o professor Gilmar Mendes pode ser observada desde a obtenção dos títulos de mestre e doutor pela prestigiosa Universidade de Münster, na Alemanha. Em sua atuação como scholar, não seria possível esquecer também de sua contribuição com a academia fundando o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), hoje albergando mestrado e doutorado em direito, além de outras áreas do conhecimento.

Não poderia deixar de registrar, também, a publicação de sua doutrina já clássica, Curso de Direito Constitucional, ao lado de seu parceiro de magistério de longa data, o Subprocurador Geral da República Paulo Gustavo Gonet, e do Comentários à Constituição do Brasil, que tive a honra de colaborar na coordenação juntamente ao ministro e os eminentes Ingo Sarlet, J. J. Gomes Canotilho e Leo Leoncy. O Comentários à Constituição do Brasil nos rendeu prêmio Jabuti. Uma teoria com olhar à prática, uma prática fundada na teoria. Sem uma distinção estanque entre as duas esferas, colocadas em auxílio mútuo e como condição de possibilidade hermenêutica uma da outra.

Todas essas realizações são mencionadas para reafirmar que é possível — e a obra do ministro Gilmar demonstra isso —, mas não fácil, conciliar a boa doutrina com a magistratura arguta e altiva, diria até de militância, em favor do Estado constitucional democrático e da concretização dos direitos fundamentais. O ministro Gilmar — errando ou acertando — não se curva à eríneas contemporâneas (numa alusão à trilogia Oresteia, na peça Eumênidas), a voz das ruas. Seu critério é o Direito.

Mas para ilustrar tudo isso, peço licença para registrar um aspecto primordial que aponto em meu próprio desenvolvimento teórico, a autonomia do Direito, assunto sobre o qual por vezes Gilmar e eu divergimos. Bem acompanhado de juristas como o ministro Gilmar, compreender que o Direito carrega algum grau de autossuficiência de sentido é o que venho denominando autonomia do Direito. A título de exemplo, lembremos quando o Supremo, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, declarou a parcialidade do ex-juiz Moro no Habeas Corpus (HC) 164.493. Mesmo considerando todas as pressões políticas, "morais" e econômicas, Gilmar julgou o ex-juiz parcial.

A autonomia do Direito é, nesse sentido, para mim, compreendida como a sua dimensão de subsistência autônoma em face à política, à economia e à moral. Autonomia essa que não deve e não pode ser entendida como autonomia em relação às fontes de produção. Autonomia não quer dizer autônoma separação do Direito da moral (lato sensu, entendidos como discursos morais também os políticos e os econômicos). Metaforicamente — e para ser mais simples — a autonomia do Direito representa a blindagem ou resistência contra os seus predadores “naturais”, exógenos e endógenos. Com efeito, a moral, a política e a economia, embora sejam fundadores cooriginários ao Direito, institucionalmente am a buscar espaços na ossatura jurídica estatal.[2]

Nesse contexto, outras metáforas podem ser muito úteis para que assentemos algumas ideias. Vejamos duas que jogam luz ao que estou dizendo e ao que estou a dizer.

Odisseia e a jornada de Ulisses
Há uma metáfora — que circula há anos — interessante para explicar o valor da Constituição. Ulisses, voltando de Ítaca, pede para seus marinheiros que o amarrem ao mastro do navio. Conta-nos Homero que Ulisses foi advertido de que aquelas águas eram habitadas por sereias cujo suave canto era capaz de conduzir seus ouvintes à morte e eis porque os ordena que, sob hipótese alguma, obedeçam a qualquer gesto seu no sentido de que o soltem. Só devem obedecer à primeira ordem: "amarrem-me ao mastro".

A sobrevivência de Ulisses reside no cumprimento da primeira ordem. Porque Ulisses sabe que, caso contrário, morrerá. E por quê? Porque ele não resistirá ao canto das sereias. As maiorias são como as sereias. Tem um canto sedutor. Quem não se proteger, pode sucumbir. Mas Ulisses se salvou porque ficou amarrado às correntes e essas correntes foram a segurança de Ulisses. Tal como a Constituição — que é como as correntes — sustenta as leis.

Numa palavra final sobre esta metáfora e como diz Jon Elster (quem criou a metáfora "constitucionalismo-correntes de Ulisses"):

"O problema não é explicar por que tantas constituições fracassam em impor obediência a seus criadores e nunca am de meros pedaços de papel escrito. A questão está em compreender de que maneira muitas constituições conseguem adquirir essa misteriosa capacidade de serem obedecidas." [3]

É neste ponto que podem se classificar no Brasil (e no mundo) os juristas: os ulissistas e os que se deixam seduzir pela voz das ruas.

Oresteia e julgamento de Orestes
Os gregos inventaram a Democracia. E, acreditem, também inventaram a autonomia do Direito. O primeiro tribunal está na trilogia de Ésquilo, Oresteia, nas Eumênidas, peça representada pela primeira vez em 458 a.C. Agamenon, no retorno da guerra de Tróia, é assassinado na banheira de sua casa por sua mulher, Clitemnestra, e seu amante, Egisto. Orestes, o filho desterrado de Agamenon, atiçado pelo deus Apolo, é induzido à vingança.

Até então, essa era a Lei. Era a tradição. Orestes deveria matar sua mãe (Clitemnestra) e seu amante, Egisto. E ele mata os dois. Mas aí vem a culpa. É assaltado pela anoia, a loucura que acomete quem mata sua própria gente. Ao ass sua mãe, Orestes desencadeia a fúria das Eríneas, que eram divindades das profundezas ctônicas (eram três: Aleto, Tisífone e Megera). As Eríneas são as deusas da fúria, da raiva, da vingança. Apavorado, Orestes implora o apoio de Apolo. Pede um julgamento, que é aceito pela deusa da Justiça, Palas Atena.

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Constitui-se, assim, o primeiro tribunal, cuja função era parar com as mortes de vingança. Antes, não havia tribunais. A vingança era "de ofício". As Eríneas berram na acusação. É o corifeu, o Coro que acusa. Não quer saber de nada, a não ser da condenação. E da entrega de Orestes à vingança. Apolo foi o defensor. Orestes reconheceu a autoria, mas invoca a determinação de Apolo. E este faz uma defesa candente de Orestes. Os votos dos jurados, depositados em uma urna, dão o resultado de 6 a 5.

Palas Atena então acrescenta o seu voto, empatando o julgamento. E, assim, diante do empate, decreta o primeiro in dubio pro reo da história. A mitologia correndo na frente. A literatura chegando antes do direito. Rompe-se um ciclo. Acabam as vinganças e eis aqui uma antevisão da modernidade. Ao fim ao cabo: possível dizer que o Direito, nesse julgamento, venceu a moral.

Eis aqui a metáfora para explicar a resistência do STF contra a voz das ruas e colocando o processo como "condição de possibilidade". Um bom exemplo é o voto do ministro Gilmar no caso da parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro. E da maioria do Tribunal no caso da presunção da inocência, quando os meios de comunicação se comportavam como as Eríneas da peça.

Da atualidade da mitologia e algumas coisas mais
Enfim, concluindo essa breve reflexão sobre a mitologia, assinalo que tanto as considerações de Elster quanto as minhas apontam para uma mesma direção: o Direito não pode(ria) ser predado, pois dele é que se faz a interdição entre a civilização e a barbárie. Interdição essa que o ministro Gilmar demarcou em mais de uma oportunidade e por todas elas saliento o HC 164.493.

Numa palavra final sobre as convergências de Gilmar, Ulisses e, por que não também Palas Atena? afirmo sem qualquer exagero que o ministro também fundiu horizontes para com a dimensão simbólica da mitologia grega. Decidir por princípio e não por política. Eis aqui algumas lições de Ulisses, de Atena e com certeza também do ministro Gilmar, como se pode verificar na decisão acerca da exclusão do Bolsa Família do teto de gastos — sob o argumento, correto, de que responsabilidade fiscal não pode ser desindexada da responsabilidade social, tese, aliás, esgrimida de há muito por Gilmar.

E por falar em canto das sereias, Gilmar Mendes resistiu e fez exemplo ao julgar um importante problema social que se tornou um problema jurídico, RE 888.815/RS, o caso do homeschooling. A Suprema Corte quase se chocou em direção às pedras, tentada por um dos cantos da sereia mais ouvidos em mares brasileiros, o do ativismo judicial.

Dentre outros fundamentos, o voto que inaugurou a discussão, sinalizando pela constitucionalidade do homeschooling, valeu-se de uma série de argumentos morais, políticos e econômicos, buscando uma eficiência ad hoc que atacam diretamente a autonomia do Direito. Além disso, o respectivo voto inaugural fixou termos, em caso de inexistência de regulamentação legal desta modalidade, em que o ensino domiciliar seria regulamentado até a pronúncia do Congresso sobre o tema, num clássico caso de ativismo judicial. Além de ignorar o texto constitucional que trata a educação como um dever de Estado, o voto impôs critérios a serem adotados antes mesmo que o Congresso adotasse lei específica, numa espécie de edição de medida provisória, numa clara "saída" para o judiciário legislar.

A partir do voto inaugural, deparamo-nos com dois problemas: um problema social e um problema jurídico. O problema de cunho social é claramente percebido pela insatisfação popular que traz à tona essa reivindicação por parte dos pais brasileiros, fazendo-os optar por educar seus filhos em casa por inúmeras razões. Já o problema jurídico, materializa-se na figura do ativismo judicial, que poderia (poderia, porque neste caso felizmente não foi o que ocorreu) afetar o império da lei e assim solapar o direito positivo, construindo uma jurisprudência contra legem, ao sabor dos caprichos solipsistas de um ou mais magistrados. Ou há dúvidas de que as sugestões constantes no voto relator não teriam força de lei até que o Congresso se manifestasse? Todos sabemos que medidas assim têm esse cariz normativo.

Toda a matéria envolvida no julgamento do RE 888.815/RS recebeu dos ministros da nossa Suprema Corte atenção ímpar, e foi, a partir do voto do ministro Gilmar, que a embarcação tomou rumo contrário aos rochedos.

O voto de Gilmar, no dia em que a educação no Brasil foi julgada, refletiu o que é uma fundamentação coerente e íntegra, em sua mais alta acepção. A fundamentação assumiu a complexidade que o tema exigiu, a fim de evitar uma visão reducionista do fenômeno educacional brasileiro.

Nesse sentido, o voto demonstrou a amplitude do texto constitucional e todos os fins a serem buscados na seara educacional, como o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo individual para o exercício da cidadania, e a qualificação para o trabalho, ultraando as barreiras de um Estado meramente avaliador de desempenho, como proposto pela decisão do relator.

Gilmar também reconheceu, em seu voto, o modelo bidirecional de educação estatuído, evidenciando sua dupla face, a de consagrar a obrigatoriedade do ensino formal e de promover seu o como um direito público subjetivo.

Também foram considerados em seu voto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as Emendas Constitucionais 53/2006 e 59/2009, que instituíram, respectivamente, significativas mudanças no sistema educacional brasileiro pela valorização de profissionais da educação e ampliação dos instrumentos de financiamento da área com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); e implementou gradativa extinção do percentual de desvinculação das receitas da União com a educação, ampliou a obrigatoriedade e a universalização do ensino, e impôs o estabelecimento de metas relacionadas ao PIB.

Esse resgate dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, além de todo o contexto que envolve a discussão, consagram a coerência e integridade na fundamentação do voto, em atendimento direto do disposto pelo artigo 926 do C. Numa jurisdição constitucional, decisões íntegras e coerentes, são, em última análise, garantias da efetivação da igualdade em um jogo limpo (fairness), princípio basilar de uma democracia.

Mais uma vez, Gilmar se fez resistência com seu voto, a partir de uma interpretação precisa e fundada numa tradição constitucional autêntica, ao alavancar a Corte e protagonizar o que chamei de um "supremo acerto", uma resposta adequada à constituição. O voto do ministro Gilmar Mendes no RE nº 888.815/RS demonstrou como é possível que os problemas sociais sejam resolvidos no judiciário sem que se lance mão de um dos problemas jurídicos mais relevantes da atualidade, o ativismo judicial.

Portanto, não é apenas de bons votos em habeas corpus — e Gilmar é o integrante com mais HCs concedidos — que se analisa um ministro da Suprema Corte.

Mas sem mais o que dizer, concluo este breve prefácio fazendo um convite para que o leitor compreenda por si mesmo qual foi o caminho percorrido pelo ministro Gilmar e quais foram os descaminhos que foram evitados em sua trajetória. Tudo que se segue é um esboço dessa história que sequer final ainda tem.

Em um país como o Brasil em que a "teoria" dominante é o velho realismo jurídico (pela qual o direito é o que o judiciário diz que é), fazer doutrina é um ato de resistência. Por vezes ministros fazem citações doutrinárias apenas como ornamento ou viés de confirmação. Isso enfraquece a doutrina, circunstância que, somada ao realismo, coloca o protagonismo do judiciário em um patamar nunca antes visto. Por vezes, as Cortes Superiores esquecem que o judiciário julga o ado e que é o legislativo que deve tratar do futuro. Nesse sentido, minha discordância com o ministro Gilmar, por sua concordância com aquilo que vem sendo denominado de "sistema de precedentes", pelo qual os Tribunais fazem teses abstratas visando a tratar do futuro, quando é sabido que, no restante do mundo, precedentes não são feitos com esse propósito.

Mencionei aqui discordâncias. Claro. Integrantes de uma Suprema Corte acertam e erram. O ministro Gilmar Mendes acerta e erra. Mas há aqui um primeiro ponto a se destacar. Gilmar não tem compromisso com o erro. O próprio Supremo Tribunal Federal, dando-se conta daquilo que Gadamer chamou de wirkungsgeschichtliches Bewußtsein (a consciência acerca da força que os efeitos da história têm sobre nós), soube descompromissar-se com erros do ado. E o ministro Gilmar Mendes foi e é um case de sucesso nessa visão da história: como Palas Atena, tem sabido até mesmo — simbolicamente — empatar julgamentos, para que a democracia seja vencedora, em um autêntico in dubio pro democracia.

Mas há ainda um segundo ponto de destaque, que ilumina a razão pela qual trouxe desacordos à mesa. Trouxe-os porque, Dworkin mostra bem isso, desacordos teóricos são parte fundamental, são sine qua non, da teoria do direito. A teoria e a prática são interpretativas, porque o Direito é um fenômeno interpretativo. E são raros os teóricos do Direito atentos a suas dimensões. É precisamente porque Gilmar Mendes é um ministro que é acadêmico que é teórico, e que leva cada uma dessas funções a sério — porque leva o Direito a sério —, que os desacordos teóricos de boa-fé são possíveis e inteligíveis. E são eles que não só enriquecem como mesmo possibilitam que o Direito seja colocado sob sua melhor luz. Daí por que, ainda que tenhamos desacordos (e quais teóricos originais não os têm entre si?), esses desacordos são desacordos entre pessoas que compartilham de premissas comuns: a defesa da democracia e da integridade do Direito. São desacordos que só existem em termos racionais de debate porque acreditamos na racionalidade do chão linguístico do fenômeno jurídico. Em tempos como os nossos, um teórico-intérprete-juiz com essas premissas já é uma vitória democrática. A presença de Gilmar Mendes, no Supremo e na docência, é uma vitória da democracia e dos democratas.

Por tudo isso, não é apenas o caso de que o saldo do ministro Gilmar é positivo; a trajetória do acadêmico, do professor Gilmar Mendes é ilustrativa, é caso paradigmático das potencialidades do Direito enquanto critério institucional. O ministro é um acadêmico é um professor é um democrata. É um jurista que sabe levar o Direito a sério. Que possui fair play epistêmico. Que aceita críticas. E as faz. Não há acordo mais pleno, mais genuíno, mais fundamental do que esse.

 

** "Gilmar Mendes, 20 anos de STF: o acadêmico, o gestor, o juiz" será lançado na próxima semana em Lisboa, e em agosto no Brasil

 


[1] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991.

[2] Aos mais interessados, recomendo a leitura do respectivo verbete do meu Dicionário de Hermenêutica.

[3] Cf: (i) ELSTER, Jon, Ulysses and the Sirens: Studies in Rationality and Irrationality. New York: Cambridge University Press, 1988; e (ii) ELSTER, Jon. Ulisses liberto: estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições. Tradução de Cláudia Sant’Ana Martins. São Paulo: Ed. UNESP, 2009.

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