Dedutibilidade da PCLD no PIS e na Cofins das instituições financeiras
12 de maio de 2023, 12h21
No primeiro trimestre de 2023, o CSRF (Conselho Superior de Recursos Fiscais) julgou tema de maior importância para as instituições financeiras: a dedutibilidade das provisões para créditos de liquidação duvidosa na apuração do PIS e da Cofins das entidades.
O tema, como não poderia deixar de ser, foi acompanhado com apreensão pelo mercado, dado o seu impacto financeiro. Essa pauta se torna ainda mais sensível no atual cenário, que aponta para uma possível deterioração dos índices econômicos e maior fragilidade dos tomadores de crédito, conforme recentemente apontou o Ipea, ao indicar uma maior expectativa de inadimplência[1].
De plano, já adiantamos que a MP 1.128/2022, convertida na Lei nº 14.467/2022, que trata da dedutibilidade da PCLD da base de cálculo do IRPJ e CSLL das entidades financeiras a partir de 2025, não será analisada aqui, visto que será objeto de artigo futuro.
Voltando ao tema, ao julgar o assunto no acórdão n. 9303-013.544, a 3ª Turma do CSRF, por maioria, entendeu pela indedutibilidade desses valores da base de cálculo das contribuições. Essa conclusão encontra ressonância no Poder Judiciário[2], tanto no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, quanto em sede de decisão monocrática no STJ, ainda que por fundamentos ligeiramente diferentes.
Para entender os fundamentos que envolvem essa discussão, é preciso dar um o atrás, para avaliar se todos os argumentos já foram esmiuçados — ou se ainda resta alguma possibilidade de discussão do tema.
A base legal que sustenta a divergência interpretativa entre Fisco e contribuintes reside no art. 3º, § 6º, I, a da Lei n. 9.718/1998, cujo teor é o seguinte:
"art. 3º (…)
§ 6º Na determinação da base de cálculo das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS, as pessoas jurídicas referidas no § 1o do art. 22 da Lei no 8.212, de 1991, além das exclusões e deduções mencionadas no § 5º, poderão excluir ou deduzir:
I – no caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil e cooperativas de crédito:
a) despesas incorridas nas operações de intermediação financeira;" – (sem grifos)
Embora as instituições financeiras estejam sujeitas à apuração cumulativa das contribuições, constata-se que a lei permitiu a exclusão — ou dedução — de determinados valores, entre eles, as despesas incorridas nas operações de intermediação financeira.
E é neste ponto que residem as divergências interpretativas: as PCLDs podem ser entendidas como despesas incorridas nas operações de intermediação financeira? Se sim, serão dedutíveis, caso contrário, terão sorte diversa.
Para ser dedutível, a PCLD precisa preencher dois requisitos legais simultâneos. São eles: ser despesa de operação de intermediação financeira e ser uma despesa efetivamente incorrida.
Ao julgar a matéria, a CSRF estava diante de recurso especial interposto pela União contra acórdão favorável ao contribuinte e, no tocante à issibilidade, já fez importantes observações.
Ao confrontar o acórdão paradigma com o recorrido, o voto vencedor constatou que a divergência de conclusão residia apenas no último requisito, visto que ambos entendiam que a PCLD era despesa de intermediação financeira. Logo, restava pacificar o entendimento a respeito do conceito de despesa incorrida.
Aqui reside uma primeira interpretação a qual concordamos. De fato, a PCLD é e deve ser entendida como despesa de intermediação financeira. A satisfação desse requisito nos parece já estar superada, de certa forma, dada a própria natureza da PCLD para as instituições financeiras, como será demonstrado adiante.
A celeuma reside, na realidade, no conceito de despesa incorrida. Para a maioria da 3ª Turma do CSRF, a PCLD, tal qual seu nome indica, seria "mera" provisão e, embora seja despesa operacional das instituições financeiras, sendo contabiliza como despesa e pelo regime de competência, tal fato não a caracteriza como despesa incorrida para efeitos fiscais.
Isto é, em "termos fiscais", a PCLD seria uma perda estimada, que pode ser reversível, não podendo ser considerada despesa efetivamente incorrida.
Entretanto, com o devido respeito, entendemos de forma diferente.
Cumpre relembrar que as instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central estão sujeitas às normas e padrões contábeis estabelecidos por esse órgão. Entre esse consolidado de normas está o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif). Esse plano "apresenta os critérios e procedimentos contábeis a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, bem como a estrutura de contas e modelos de documentos previstos no mesmo"[3].
Nesse cenário, tomamos a liberdade de transcrever parte do "Documento nº 8 – Demonstração do Resultado", constante do Capítulo 3 – Documentos, do Cosif , que indica expressamente que a PCLD é despesa de intermediação financeira incorrida:
Constata-se que o item de código nº 820, denominado Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa integra o grupo n. 15, que se refere às Despesas de Intermediação Financeira.
A Resolução Bacen nº 2.689/1999, por sua vez, dispõe sobre os critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa. Por meio dessa normativa, o BC determinou às instituições financeiras que estabelecessem classificação dos créditos em um nível de AA até H, de acordo com critérios relativos ao devedor, seus garantidores, à operação e tempo de atraso no pagamento.
Uma vez classificado o crédito concedido, deverá ser constituída a PCLD, conforme disposto no artigo 6º da Resolução:
"Art. 6º A provisão para fazer face aos créditos de liquidação duvidosa deve ser constituída mensalmente, não podendo ser inferior ao somatório decorrente da aplicação dos percentuais a seguir mencionados, sem prejuízo da responsabilidade dos es das instituições pela constituição de provisão em montantes suficientes para fazer face a perdas prováveis na realização dos créditos:" — (sem grifos)
Essa determinação está expressa na Carta-Circular n. 2.899/2000, no item 12, III:
"III – a provisão para créditos de liquidação duvidosa deve ser constituída sobre o valor contábil dos créditos mediante registro a débito de DESPESAS DE PROVISÕES OPERACIONAIS e a crédito da adequada conta de provisão para operações de crédito. No caso de insuficiência, reajusta-se o saldo das contas de provisão a débito da conta de despesa. No caso de excesso, reajusta-se o saldo das contas de provisão a crédito da conta de despesa, para os valores provisionados no período, ou a crédito de REVERSÃO DE PROVISÕES OPERACIONAIS, se já transitados em balanço";" — (sem grifos)
Constata-se que a constituição da PCLD para as instituições financeiras, diferentemente de outros setores, representa mais do que instrumento de boa gestão contábil, tratando-se de uma obrigação imposta pelo órgão regulador e que afeta diretamente o resultado dessas empresas. Essa singularidade decorre da própria atividade realizada, em que o "produto" intermediado é o próprio dinheiro. Em outras palavras, trata-se de despesa diretamente vinculada à atividade de intermediação financeira.
Isso significa que desde a constituição da PCLD, surge uma despesa contábil efetivamente incorrida pela instituição financeira, pois o atraso no pagamento já ocorreu. Logo, não se trata de mero risco de inadimplemento, mas de efetiva consumação.
Tratando-se de despesa efetivamente incorrida, impacta diretamente o resultado daquela instituição financeira, reduzindo as suas margens.
Logo, entendemos que essa interpretação restritiva viola diretamente o princípio da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º, da Constituição), ao impedir que as instituições financeiras apurem a base de cálculo das contribuições deduzindo aquelas despesas que afetaram seus resultados e estão diretamente ligadas à intermediação financeira.
O artigo 8º, § 2º, da Resolução n. 2.682/1999 confirma nossas conclusões, ao dispor que a recuperação do crédito de PCLD deverá ser registrada como receita da instituição financeira:
"Art. 8º (…)
Parágrafo 2º. O ganho eventualmente auferido por ocasião da renegociação deve ser apropriado ao resultado quando do seu efetivo recebimento" — (sem grifos)
Essa regra só faz sentido em um cenário em que houve a anterior exclusão daquela despesa, o que denota que a interpretação fiscal cria uma ruptura na sistemática correta de apuração das contribuições por parte das instituições financeiras.
A regra de dedutibilidade constante do artigo 3º, § 6º, I, a da Lei n. 9.718/1998 deve ser interpretada teleologicamente, ou seja, buscando a sua finalidade. A partir dessa interpretação finalística, entende-se que a pretensão do legislador foi permitir a dedução daquelas despesas que (i) impactem financeiramente o contribuinte no período de apuração e (ii) estejam relacionadas à intermediação financeira. E é inegável que a PCLD, independentemente da sua nomenclatura, preenche esses requisitos.
Há outro ponto que nos chama a atenção. Trata-se de potencial violação à isonomia (art. 150, II, da Constituição). Outras instituições que estão inseridas no grupo das pessoas jurídicas listadas no art. 22, § 1º, da Lei n. 8.212/1991, tal qual as empresas de seguros privados, previdência complementar e empresas de capitalização, possuem autorização expressa nos arts. 736 e seguintes da IN RFB n. 2.121/2022 de dedução das suas provisões diretamente relacionadas às suas atividades principais.
Entendemos que esse critério discriminatório não encontra sustentação na Constituição, visto que cria injustificada diferenciação nos critérios de apuração das Contribuições para contribuintes em situação de equivalência perante a lei.
Por essa razão, nos filiamos aos fundamentos do voto vencido e declarado pela conselheira Tatiana Midori Migiyama, proferido quando do julgamento do CSRF enfrentado neste artigo.
Frise-se que a PGFN, ao editar a Portaria n. 329/2009, enquadrou a conta de PCLD como despesa da atividade típica das instituições financeiras:
"27. Note-se que as despesas inseridas na rubrica despesas de intermediação financeira são “despesas de operações de captação no mercado", "despesas de operações de empréstimos e rees", "despesas de operações de arrendamento mercantil", "resultado de operações de câmbio" e "provisão para créditos de liquidação duvidosa".
Nos parece um contrassenso defender que a PCLD é despesa de intermediação financeira, porém não é despesa incorrida. Ora, se não é incorrida na sua constituição e contabilização, quando, então, essa despesa seria incorrida? Validar essa interpretação seria defender que a PCLD é despesa das instituições financeiras, mas que nunca irá ocorrer, a despeito de impactar o resultado da entidade, o que é uma contradição. Uma despesa que nunca ocorre não é, na realidade, uma despesa.
Portanto, entendemos que a conclusão posta também viola o artigo 110, do CTN, ao invadir e alterar conceitos de direito privado, de modo não tolerável pela legislação infraconstitucional.
Sendo assim, entendemos que a matéria ainda não restou pacificada e suficientemente enfrentada, sobretudo no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que importantes contornos constitucionais devem ser fixados, como a eventual violação à capacidade contributiva, isonomia e a conformação da própria materialidade das contribuições.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!