Opinião

Relevância do termo de consentimento contra condenações por erro médico

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  • é advogada do escritório Sales Raffa & Amorim (Advocacia SRA) e pós-graduanda em Ciências Jurídicas Aplicadas ao Direito Público.

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  • é sócio do escritório Sales Raffa & Amorim (Advocacia SRA) especialista em Direito Desportivo pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo (IIDD) especialista em Direito Previdenciário pela Univerdade Gama Filho procurador do Município de São Paulo e membro efetivo da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB/SP.

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17 de março de 2023, 12h27

Grande parte das consideráveis indenizações financeiras impostas judicialmente a médicos (e aos outros profissionais da saúde) poderiam ser afastadas se, no caso discutido, presente um "termo de consentimento livre e esclarecido" (TCLE) corretamente elaborado e entregue ao paciente da maneira apropriada.

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Foi o que demonstrou recente pesquisa acadêmica (aquiao analisar 70 ações judiciais movidas contra médicos debatendo supostos erros de procedimentos médicos cirúrgicos e não cirúrgicos. O trabalho identificou que, dos 51% dos processos que tiveram a absolvição do médico, 39% se fundamentaram na apresentação adequada de um termo de consentimento bem redigido. Além disso, a pesquisa concluiu que dos 49% cujos desfechos foram pela condenação do profissional da medicina, 50% se embasaram na ausência do referido documento. 

Assim e na realidade, o que a referida pesquisa científica comprovou foi a relevância da presença do TCLE na formação do convencimento dos juízes quando da análise e julgamento de ações judiciais cuja discussão principal é o erro médico.

Contudo, não basta qualquer termo: tal documento deve ser detalhado, abrangendo: a) a justificativa, objetivos e descrição sucinta, clara e objetiva, em linguagem ível, do procedimento recomendado ao paciente; b) a duração e descrição dos possíveis desconfortos no curso do procedimento; c) os benefícios esperados, riscos, métodos alternativos e eventuais consequências da não realização do procedimento; d) os cuidados que o paciente deve adotar após o procedimento; e) a declaração do paciente de que está devidamente informado e esclarecido acerca do procedimento, com sua ; f) a declaração do médico de que explicou, de forma clara, todo o procedimento; g) o nome completo do paciente e do médico, assim como, quando couber, de membros de sua equipe, seu endereço e contato telefônico, para que possa ser facilmente localizado pelo paciente.

Há casos, sobretudo os menos complexos e com o devido respaldo em atos normativos dos conselhos de medicina, que é possível obter o consentimento verbal do paciente (embora não aconselhável), sendo imprescindível o devido registro no prontuário médico.

Com relação à importância de ter um TCLE singular e específico, existem inúmeras decisões judiciais que entendem que o termo de consentimento genérico é inválido, equivalendo à inexistência do referido documento.

E tem mais: em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça considerou que a falha, por parte do médico, no dever de informar o paciente acerca dos riscos de determinado procedimento gera, por si só, dever de indenizar, independentemente da culpa do profissional. Na prática, o que o STJ entendeu foi que se um paciente não foi informado dos riscos de um tratamento e caso alguma consequência negativa lhe ocorra (diga-se de agem, podem até ser reações adversas comuns), ainda que não resulte de um erro médico, o profissional poderá ser condenado a indenizar financeiramente o paciente.

As possíveis complicações ao profissional da saúde não param por aí. Isso porque a ausência do TCLE é capaz de repercutir também em outras esferas que não a relacionada à civil: no âmbito ético-profissional (processos que tramitam nos conselhos de classe, a exemplo dos Conselhos Regionais Medicina (CRMs) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) e que podem ocasionar, a depender da gravidade, na imposição da penalidade de cassação do exercício profissional) e também na seara criminal (sim, a má conduta profissional também pode ser considerada crime, desde que se prevista na legislação em vigor, sobretudo no Código Penal).

Como se vê, adotar as medidas cabíveis relativas ao TCLE, previamente elaborado por profissionais que dominem as técnicas de redação, é uma atitude altamente indicada aos profissionais da saúde. Convivemos, atualmente, com um cenário de judicialização da saúde, aumentando-se progressivamente o número de ações judiciais em que são alegados erros médicos e insatisfações com os resultados que, não raros, ocasionam grandes prejuízos financeiros aos profissionais médicos, fazendo com que os profissionais da área da saúde imprimam condutas preventivas a fim de evitar possíveis indenizações. Um exemplo dessa conduta prévia (talvez a mais importante) é a obtenção do consentimento prévio, livre e esclarecido do paciente, após suficientemente informado acerca do procedimento médico indicado.

Para além de efetivamente respeitar a autonomia do paciente, o consentimento livre e esclarecido define os próprios parâmetros da atuação médica, proporcionando ao profissional médico maior segurança em suas tomadas de decisão, de modo que, sob o ponto de vista probatório, a forma escrita, materializada pelo termo, é a que melhor se presta para evitar eventuais alegações de falta de informações. Ainda que válido na forma verbal  sendo imprescindível mencionar tal fato no prontuário médico , a formalização de um TCLE completo e minucioso é incentivada pela própria Recomendação nº 01/2016 do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Embora todas essas afirmações, que sem dúvidas devem ser seguidas pelos profissionais que atuam na área da saúde, há de se lembrar que são desaconselhados documentos excessivamente prolixos e que possam afetar psicologicamente o paciente, cabendo, assim, à boa técnica de quem elabora o documento a inclusão dos esclarecimentos técnicos em linguagem ível ao leigo, a fim de se obter o consentimento juridicamente válido. Tanto o Poder Judiciário quanto o Conselho Federal de Medicina repelem a denominada "saturação informativa".

A questão é sensível. Fato é que um TCLE elaborado por profissional capacitado, que contemple a estrutura prevista pelas normas dos órgãos de classe e pelo que o Poder Judiciário considera válido e efetivo, poderá afastar uma possível responsabilização na esfera civil, ético-profissional e criminal, protegendo, respectivamente, o patrimônio, a reputação e a liberdade dos profissionais da saúde que tanto lutam e se dedicam diariamente às suas atividades.

Autores

  • é advogada do escritório Sales, Raffa & Amorim (Advocacia SRA) e pós-graduanda em Ciências Jurídicas Aplicadas ao Direito Público.

  • é sócio do escritório Sales, Raffa & Amorim (Advocacia SRA), especialista em Direito Desportivo pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo (IIDD), especialista em Direito Previdenciário pela Univerdade Gama Filho, procurador do Município de São Paulo e membro efetivo da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB/SP.

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