Opinião

Violência doméstica contra a mulher e a Lei nº 14.188 de 2021

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18 de março de 2023, 7h06

Em março é comemorado o mês das mulheres, o que nos incentiva a refletir acerca das conquistas obtidas nas últimas décadas, a exemplo do direito ao voto, da proteção jurídica contra situações de violência, da ocupação de espaços que eram s apenas aos homens, dentre outros avanços indiscutíveis em prol das mulheres. Assim, é primordial pontuar que o dia 8 de março não representa apenas uma data de celebração, mas, principalmente, de discussão sobre assuntos difíceis, incômodos e até repulsivos, os quais atingem todas as mulheres, direta ou indiretamente, a saber a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Uma interessante inovação legislativa trazida pela Lei n° 14.188 de 2021 consiste no programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, que se preocupa com a ampliação de mecanismos para a mulher informar a prática de violência doméstica, clamando para que as instituições públicas e privadas cooperem no sentido de proteger e encaminhar a mulher vítima de violência a atendimento especializado.

A referida lei viabiliza que as mulheres denunciem a violência através do código "sinal em formato de X", preferencialmente realizado na mão e na cor vermelha, de acordo com artigo 2°, Parágrafo Único desse diploma normativo. Para concretizar esse direito, o ordenamento jurídico pátrio autoriza a integração entre o Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os órgãos de segurança pública e as entidades privadas. Dessa maneira, os órgãos supracitados deverão estabelecer um canal de comunicação imediata com as entidades privadas de todo o País participantes do programa, com o condão de fornecer assistência e segurança à vítima, após a efetivação da denúncia.

Impende acrescentar que o artigo 3º da Lei 14.188 de 2021 dispõe que a identificação do código "sinal em formato de X" poderá ser feita pela vítima pessoalmente em repartições públicas e entidades privadas de todo o país. Para que este sinal seja identificado e permita a tomada das medidas necessárias e cabíveis, o mesmo dispositivo prevê que devem ser procedidas campanha informativa e capacitação permanente dos profissionais integrantes ao programa, com o fito de encaminhar a vítima ao atendimento especializado no local.

Além disso, a Lei 14.188 introduziu uma modificação no artigo 12-C da Lei nº 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha), que ou a ter a redação seguinte:

"Artigo 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida."

A alteração legislativa em comento representa modificação extremamente necessária, haja vista que amplia as hipóteses de proteção à mulher, tornando possível a aplicação da medida nos casos de risco atual ou iminente à integridade física ou psicológica da mulher. Não há dúvidas de que o fator psicológico pode afetar a mulher na tomada de decisões relevantes para a sua vida. A dependência feminina no que atine ao masculino pode subjugá-la a uma posição de inferioridade e fragilidade que a impede de sair de uma situação negativa.

Por isso, a busca de apoio de profissional da área da saúde é imprescindível para fornecer subsídios para uma vida mais plena e digna à mulher. Parafraseando Clarissa Pinkóla Estés, em Mulheres que Correm com os Lobos, "qualquer um que não apoie sua arte e sua vida não é digno do seu tempo". A despeito da importância de a legislação criminal oferecer condições para esse processo de distancimento da mulher em relação ao seu agressor, o seu fortalecimento efetivo acontece de modo interno e por meio de um processo gradual que envolve a construção de autoestima e amor-próprio. Independente da tentativa histórica de relegar à mulher um perfil limitado e quase irreal de docilidade e submissão extrema, há um aspecto instintivo e selvagem na psique feminina que as habilita a superarem circunstâncias de opressão e de ultraje aos seus anseios pessoais.

Mencione-se também que a Lei em comento criou um crime, qual seja a "violência psicológica contra a mulher", cujo conteúdo repousa no novo artigo 147-B do Código Penal, abaixo transcrito:

"Artigo 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Pena – reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)."

A partir da leitura do dispositivo em apreço, é possível depreender que a conduta criminalizada é a de "causar dano emocional à mulher". Indubitavelmente, a norma se refere ao dano emocional que pode ocorrer através de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação da mulher. Assim, trata-se de tipo misto-alternativo (cometido por meio de várias condutas nele previstas). Em suma, são elencados meios aptos a ocasionar prejuízo à saúde psicológica da mulher e sua autodeterminação, permitindo ao magistrado a possibilidade de interpretar quais são os meios, análogos, capazes de estarem inseridos na norma.

Não obstante as modificações extremamente plausíveis trazidas pela Lei 14.188 de 2021, o tipo penal inserto no artigo 147-B do Código Penal está sujeito a algumas críticas, tendo em vista que a sua redação pode gerar dúvidas no que concerne a sua incidência, tornando dificultosa a efetiva proteção e resguardo da mulher. A priori, é mister relatar que a legislação penal já discorria sobre as condutas nela dispostas, quais sejam ameaçar, constranger, chantagear e humilhar, que estão presentes em outros tipos penais.

Anteriormente, para a configuração dos tipos penais mencionados, não era necessário o dano emocional que prejudica e perturba pleno desenvolvimento da mulher, ou seja, por intermédio desse pressuposto para a configuração do crime, a despeito da intenção de favorecer a mulher, o legislador dificultou a tutela da mulher em situação de violência.

Além disso, o conceito de dano emocional que prejudica e perturba o pleno desenvolvimento é deveras aberto e abstrato, podendo dar ensejo à exigência de perícia psicológica para verificar o referido dano. Não se olvide também que, diante da equivocidade semântica e abertura interpretativa do dispositivo penal, pode ocorrer o questionamento da constitucionalidade da norma, dificultando sobremaneira a tutela da mulher.

Em suma, é nítido que a discussão acerca do acerto, ou não, da aludida criação normativa é essencial para amparar as mulheres que sofrem violência psicológica e estão sujeitas a rebaixamentos constantes de sua autoestima e confiança pessoal. Provavelmente, o surgimento desse crime consiste na resposta do Direito Penal Simbólico à reação das massas ao sofrimento vivenciado por tantas mulheres brasileiras. O novo tipo penal traz, na prática, pouca proteção à mulher em relação ao que existia, sobretudo em decorrência da sua redação aberta, trazendo à lume dúvidas relativamente à sua configuração no conflito com figuras penais existentes.

Pelo viés simbólico, o Direito Penal está pautado no medo e na insegurança, almejando criar uma falsa noção de segurança de que o Estado, por meio de leis penais, altera substancialmente a realidade social. Contudo, o tipo penal citado gera insegurança jurídica e enfraquece a tutela das mulheres em decorrência da baixa aplicabilidade prática.

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Bibliografia
GOMES, Luiz Flávio. "O castigo penal severo diminui a criminalidade">criminalidade.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos.

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